quinta-feira, 21 de outubro de 2010

NASI - UMA JUDIA PORTUGUESA


Texto recebido da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra relativo a uma mostra sobre Gracia Nasi, uma judia portuguesa sobre cujo nascimento passam este ano 500 anos, a inaugurar em breve na Sala do Catálogo (na figura o livro recente de Esther Mucznik sobre "A Senhora", saído na Esfera dos Livros).

Grácia Nasi nasce em Lisboa em 1510, baptizada com o nome cristão de Beatriz de Luna, no seio de uma família de cristãos-novos originários de Castela vinda para Portugal após a expulsão dos judeus de Espanha, em 1492. Entre os convertidos encontrava-se a família de Grácia assim como a do seu futuro marido Francisco Mendes, aliás Semah Benveniste, natural de Sória em Castela.

À data do casamento, em 1528, Francisco e o irmão Diogo já haviam construído um império que detinha a primazia do comércio das especiarias em toda a Europa, cuja casa bancária tinha sucursais na França e Flandres. Do casamento nasceu uma única filha, de seu nome de baptismo Ana, a quem chamaram Reina.

Em 1535, Francisco Mendes morre, ficando Grácia e o cunhado, que dirigia a filial em Antuérpia, gestores de uma imensa fortuna.

Em 1537, dois anos após a morte do marido, Grácia não se julgando segura em Portugal, onde o estabelecimento da Inquisição punha em perigo a sua vida e propriedades, transferiu a sua residência para os Países Baixos, onde o cunhado dirigia a casa bancária da família Mendes. Assim, embarca clandestinamente com a filha e os dois sobrinhos João e Bernardo Micas e a irmã Brianda, com destino a Antuérpia, primeira etapa da sua longa errância.

Em 1547 encontra-se em Veneza, porto de abrigo de gente das mais variadas partes do mundo e um expoente de cultura na Europa. Até 1547 o clima é de tolerância para com a comunidade judaica aí residente mas quando, a partir de 1550, o Senado da Sereníssima renova o decreto de expulsão dos judeus viu-se que não era possível ali permanecer em segurança. A certeza quanto ao perigo que corriam chega em 1553 quando, na Praça de S. Marcos, são queimados exemplares do Talmude e outros livros judaicos. Enquanto se fecham as portas de Veneza abriam-se as de Ferrara onde permanece entre 1550 e 1552. Ai a corte de Hércules II, Duque d’Este, acolhia a nação hebraica lusitana e espanhola sem olhar à nacionalidade ou religião. Ferrara seria assim a última paragem de Dona Grácia na Europa cristã antes de se refugiar definitivamente no mundo muçulmano.

Num momento em que cresciam as perseguições na Europa cristã um outro mundo de esperança se abria na Turquia. Em 1552 embarca para Constantinopla numa viagem que duraria seis meses. A primeira paragem seria em Ragusa, um importante porto do Adriático, e Salónica.

Os dezoito anos em que vive em Istambul, no seu Palácio de Belvedere, junto às margens do Bósforo, são anos tranquilos em que finalmente pode confessar abertamente o judaísmo.

Grácia Nasi ao longo das diferentes etapas da sua vida apoiou e protegeu de forma constante o seu povo. Grande parte da sua fortuna foi utilizada em negociações com monarcas e embaixadores e com a Cúria Romana de forma a impedir o estabelecimento da Inquisição, na protecção, auxílio e resgate dos mais desfavorecidos e perseguidos, conseguindo montar uma rede de salvamento que se estendeu pelas cidades da Europa cristã, onde as comunidades no exílio, unidas pelo sentimento de origem e destino comuns, beneficiavam da sua protecção e solidariedade.

Joseph Nasi serviu-se da sua influência na corte, primeiro na Europa e depois na Turquia, para resgatar um grande número de famílias. Ambos negociaram a posse de Tiberíades na Palestina que se destinava exclusivamente à colonização hebraica. Enquanto foi viva nunca deixou de apoiar a colonização de Tiberíades e de providenciar meios para o seu desenvolvimento económico e religioso, fundando e financiando academias de estudo.

Graças ao seu mecenato foram criadas escolas, bibliotecas e academias abertas à investigação. De igual modo patrocinaram escritores e financiaram projectos de edições. A sua generosidade estendeu-se para lá de Istambul. Em Salónica fundou em 1599 uma sinagoga destinada aos exilados portugueses e aí continuou a apoiar a impressão de textos hebraicos.

Grácia Nasi morre em Istambul no Verão de 1569. É lembrada por muitos como uma das mais nobres mulheres e honrada como uma princesa, símbolo do coração do seu povo. Aqueles que sempre auxiliou chamaram-lhe simplesmente "A Senhora".

3 comentários:

cjt disse...

Um bom romance de Catherine Clement, "A Senhora"

Anónimo disse...

Para continuar:

Mulheres como Grácia mereciam
da gente portuguesa uma homenagem
pelas provas que deram de coragem
sempre que perseguidas se sentiam!

JCN

Anónimo disse...

Prosseguindo:

Quantas delas, por obra de sentença
de iníquo, incintornável tribunal,
tiveram de sair de Portugal,
no coração levando a sua crença!

Outras ficando por amor ao solo
onde seus filhos, netos e bisnetos
terão sem dúvida embalado ao colo,

as vidas arriscaram muitas vezes
fazendo frente aos múltiplos decretos
dos vários soberanos portugueses!

JOÃO DE CASTRO NUNES

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