O orçamento de estado para 2011, e o momento do seu debate já nos dias 28 e 29 de Outubro, é um assunto de extrema importância para o nosso futuro próximo. Na verdade, considero-o tão decisivo que decidi ir assistir ao vivo (com convite e tudo) ao debate na assembleia da república. Será uma sessão que marcará, para o bem ou para o mal, a história deste país. Será um momento para perceber de que matéria são feitos os nossos políticos. O que têm como prioridade. Que lugar ocupa o país e os portugueses nas suas preocupações.
Pois será esse debate, que espero que as televisões e rádios transmitam em directo, sem cortes, nem comentários dos "inteligentes" profissionais, que marcará o momento ZERO da nossa vida nos próximos anos. Não são os múltiplos apelos a Pedro Passos Coelho para que engula um sapo e deixe passar o orçamento de José Sócrates. Apelos bem resumidos nestas duas cartas de Henrique Raposo (carta 1 e carta 2). Nem os apelos daqueles que pensam o contrário (exemplo), nem os muitos apelos e pressões daqueles que já tendo ocupado funções no estado são também co-responsáveis pela situação a que chegamos (são tantos os apelos que não coloco nenhum link, basta googlar).
Digo o momento ZERO porque vai marcar a diferença e vai definir o futuro. Será nessa altura que saberemos, se é que já não sabemos, se este país vale ou não a pena e tomaremos todos, pessoalmente, as medidas que considerarmos necessárias para a nossa vida e para a vida da nossa família. É isto que os políticos não compreendem, tão atarefados que andam com as suas guerras de poder. Este país pode deixar de ser importante e deixar de valer a pena para muitos portugueses. Muitos deles podem pensar que o seu futuro não passa por Portugal aumentando a já vergonhosa (para um país europeu) taxa de emigração (mais de 50 mil por ano). Muitos, a maioria, fartos desta TRETA, podem desistir. Não percebem, pois não? Os países ou regiões, antes de espaços geográficos, políticos ou económicos, são a sua população. São as pessoas que fazem a diferença e moldam o futuro. Perder as pessoas, especialmente aquelas que fazem a diferença, aquelas que sabem identificar oportunidades e as perseguem tenazmente, perder as pessoas com atitude, é só o fim do fim.
Mercados
Foram anunciadas medidas de austeridade muito violentas (redução de salários na função pública, aumento do IVA em 2%, aumento de impostos, etc.) que têm como objectivo resolver o nosso problema de contas públicas: deficit orçamental (que pretende ser de 7.6% este ano, 4.3% em 2011 e 3% em 2012) e dívida soberana (que atinge neste momento 236% do PIB e é a 10ª maior dívida pública do mundo em função do PIB). Este pacote de medidas (o famoso PEC3), segue-se a outro (PEC2), anunciado em Maio deste ano, que foi classificado pelo PM como sendo necessário e suficiente.
Mas logo percebemos que o esforço não era para todos. Apareceram logo as excepções e recuos. Uma LONGA LISTA de pessoas, entidades e instituições que não fazem o esforço dos outros. E também percebemos que este esforço não chega. Em 2011 serão necessários mais cortes, mais esforço, mais sacrifício. Para quê? Para tapar os buracos que o nosso percurso errático e sem objectivos tem produzido. É assim quando se chega ao fim.
Sabem, estou convencido que enfrentamos um problema de regime. O nosso problema é que a situação do país se tem agravado ao longo dos anos. Não temos um projecto nacional, objectivos a atingir, nem uma ideia clara do que queremos ser daqui a 15 ou 20 anos. Sem objectivos e sem planos isto é muito complicado. É andar ao sabor do vento. Ora Portugal foi grande quando aprendeu a aproveitar o vento para atingir os seus objectivos: navegou à bolina e os resultados são por todos conhecidos. Descobrimos novos mundos com as nossas naves espaciais (as caravelas), fizemos evoluir o conhecimento, marcamos a diferença e fazemos saber que tudo "vale a pena quando a alma não é pequena". Até dividimos o mundo ao meio, com a Espanha.
Assim, da forma que vivemos, estou certo que se o Bill Gates conseguisse convencer o grupo dos mais ricos do mundo a pagar toda a nossa dívida pública, isso não serviria de nada porque depressa ela voltava. E se calhar ainda com mais força. Porque o nosso deficit é de atitude e cultural, isto é, o de viver sem objectivos acima das nossas possibilidades: é um deficit de responsabilidade (como dizia um amigo meu há dias: "norberto, isto é tudo um bando de garotos a brincar com o país"). O deficit das contas públicas é só uma consequência, assim como o descalabro da educação, da justiça, da saúde, da segurança-social, etc. Um país à deriva, um povo sem rumo. Bem dizia Camões: fraco rei faz fraca a sua forte gente.
Por isso não somos credíveis no exterior. Enfrentamos o problema que enfrentamos porque quem nos emprestou (e continua a emprestar) dinheiro não acredita (ou tem sérias e crescentes dúvidas) que somos capazes de pagar. E não é desta forma que vão acreditar. É preciso ser claro. Em 2011 e anos seguintes aparecerão outras despesas para pagar: mais um submarino, as SCUTS, as parcerias público-privadas, as contas escondidas da saúde, de empresas públicas, etc.
E não foi o anúncio destas medidas que acalmou os mercados. Não. Está tudo como estava, senão ligeiramente pior. O problema é a falta de credibilidade. As medidas não estão certas, não são suficientes, são complicadas de implementar e não são verdadeiramente entendidas pelo país ao mais alto nível. Os famosos mercados apercebem-se disso, percebem que não existe uma verdadeira vontade de mudar de vida, e com isso esfuma-se a nossa credibilidade junto deles.
Por isso, para mim não é líquido que seja um descalabro que o OE2011 não seja aprovado. O verdadeiro descalabro é que não exista uma mensagem de esperança, um plano consequente, entendido por todos, que mostre bem a todos que ACABOU. Precisamos de mudar de vida HOJE. E que isso vai ser a nossa missão nos próximos MUITOS ANOS. É nestas alturas que aparecem, ou não, os líderes e se faz a sorte de uma nação e de um povo.
Liderança
Em minha opinião só existe uma forma de resolver isto. Com um plano sério, a 15 ou 20 anos. Um plano que contenha uma visão do país para o futuro, que seja transversal aos ciclos governativos (nada de credível se faz em ciclos de 4 anos), que tenha os seus objectivos inscritos na lei constitucional (onde esteja ainda inscritos limites ao endividamento e ao deficit público, bem como os princípios da ética e responsabilização do exercício de funções públicas), que coloque o foco na re-organização do país, mais realista e mais eficiente, centrada na nossa capacidade e engenho como povo e como país. Um plano que mobilize o país e afirme de novo que Portugal é viável, tem futuro e que os portugueses sabem disso e estão empenhados. Um plano que mostre o empenhamento de Portugal em resolver os seus problemas estruturais, tendo a folga temporal necessária para o tornar viável, eficiente e consequente.
Mas também um plano que explique por que razão não o fizemos até hoje. Por que razão desperdiçamos as várias oportunidades que tivemos, não sendo capazes de fazer aquilo que então afirmaríamos ser capazes. Temos muito que explicar. Por isso, só seremos convincentes se inscrevermos estes objectivos e limites na lei constitucional. Só assim acreditarão em nós. Só assim perceberão que estamos conscientes e firmemente empenhados em cumprir os nossos compromissos e introduzir as reformas que são necessárias e urgentes para que o problema não se repita.
Não vejo outro forma. Tudo o resto será circunstancial, de muito curto prazo e nada credível. E terá como consequência o empobrecimento ainda mais acelerado do país. Os números não mentem: em 2028, com as actuais taxas medíocres de crescimento, Portugal será o país mais pobre da Europa com um PIB per capita a rondar os 56% da média comunitária (EU 27, 100%) - recuperar, ou seja, igualar a média comunitária, significa crescer mais do que 3% ao ano durante os próximos 20 anos.
Os problemas resolvem-se com estudo e com trabalho, e não com facilitismo e aldrabice. O primeiro caminho gera confiança, credibilidade e respeito, o segundo já todos percebemos ao que conduz.
Um caminho claro, bem afirmado e realista, mesmo que difícil, gerará a confiança e credibilidade necessárias.
O drama é que no debate do OE2011 fique claro que não existem alternativas. Que os outros, PSD e outros, não sabem o que fazer, não saberiam fazer melhor se estivessem eles no governo, e MUITO PIOR do que isso, não queiram governar agora porque essas fragilidades seriam evidentes e ficaria também muito claro que teriam de resolver (e responsabilizar-se, em linguagem de político) o problema criado por outros. E não querem porquê? Porque é difícil, porque não daria benesses, porque não o sabiam fazer, porque se calhar não eram capazes de melhor, porque não existe rasgo nem capacidade para fazer melhor, porque no fundo, reconhecem que no lugar do governo não fariam melhor do que José Sócrates fez.
O drama é que a "politiquice" se sobreponha aos superiores interesses nacionais. O drama é o de verificarmos, nos dias 28 e 29, que afinal isto "é tudo um bando de garotos a brincar com o país".
Ora, os famosos mercados apercebem-se disso com facilidade. E deixarão de acreditar em nós. E isso é o fim de Portugal tal qual o conhecemos hoje.
Seis (6) meses só são muito importantes se no exterior perceberem que é indiferente que esteja A ou B, porque nada vai mudar. Esse é o nosso verdadeiro drama.
O que aí vem é dramático, seja qual for o caminho. Muito grave e muito complicado. Seja qual for a opção.
Ou QUEREM ou NÃO QUEREM.
Se não querem, o ultimo que feche a porta e apague a luz porque não vai haver dinheiro para pagar ao porteiro nem à companhia da electricidade.
10 comentários:
Andamos nesta cegarrega há dois séculos; quando do Fontismo os problemas que se discutiam sobre o investimento em obras publicas, orçamento, a divida publica... são os mesmos de hoje; compreendo perfeitamente os que emigram e o desanimo dos que ficam; pela 2ª vez a Républica está a abrir a porta a uma via autoritária para Portugal; provavelmente é o que merecemos e, talvez numa leitura psicanalitica, o que desejamos - alguém que pense e resolva os problemas por nós...
Aditamento ao comentário anterior
Universidade e sociedade
Alguns dos autores deste blog( que comecei agora a frequentar) são prof.s universitários a quem reconheço honestidade intelectual;o silencio da universidade sobre a crise em que vivemos é ensurdecer;a maioria dos prof. univ. quererá é tratar da vidinha...É o momento para questionar e lançar um debate sobre o papel passado e futuro da Universidade na sociedade portuguesa.
para que serve a Universidade actual? qual a sua contribuição para a definição e construção do modelo económico e social que, inevitavelmente, vai surgir?
Não tenham duvidas que depois desta crise nada vai ficar com dantes...
FC
Alguns sinais de que a crise é só para alguns (publicado no Diário da República nº 28 - I série- datado de 10 de Fevereiro de 2010 - RESOLUÇÃO da Assembleia da República nº 11/2010. www.dre.pt):
1 - Vencimento de Deputados ...............................12 milhões 349 mil Euros
2 - Ajudas de Custo de Deputados..........................2 milhões 724 mil Euros
3 - Transportes de Deputados ................................3 milhões 869 mil Euros
4 - Deslocações e Estadas ...................................2 milhões 363 mil Euros
5 - Assistência Técnica (??) ..................................2 milhões 948 mil Euros
6 - Outros Trabalhos Especializados (??) ...............3 milhões 593 mil Euros
7 - RESTAURANTE,REFEITÓRIO,CAFETARIA........961 mil Euros
8 - Subvenções aos Grupos Parlamentares..............970 mil Euros
9 - Equipamento de Informática .............................2 milhões 110 mil Euros
10- Outros Investimentos (??) .................................2 milhões 420 mil Euros
11- Edificios ..........................................................2 milhões 686 mil Euros
12- Transfer's (??) Diversos (??).............................13 milhões 506 mil Euros
13- SUBVENÇÃO aos PARTIDOS na A. R. ...........16 milhões 977 mil Euros
14- SUBVENÇÕES CAMPANHAS ELEITORAIS ....73 milhões 798 mil Euros
NO TOTAL a DESPESA ORÇAMENTADA para o ANO de 2010, é :€ 191 405 356,61
(191 Milhões 405 mil 356 Euros e 61 cêntimos) -
Ver Folha 372 do acima identificado Diário da República nº 28 - 1ª Série -, de 10 de Fevereiro de 2010.
São estes os senhores que pedem sacrifícios. Enquanto formos (des)governados por egocêntricos, egoístas, incompetentes, corruptos, trafulhas e outros adjectivos que decerto muitos de nós não se coibem de juntar... e as politiquices, que se manifestam duramente nas vidas dos seres humanos deste país, imperam e imperarão sempre.
Não sei se Pedro Passos Coelho será a alternativa... é forjado na mesma escola, brinca aos políticos como os colegas (pois para se manterem à tona naquele meio, só brincando mesmo) e coloca os interesses do partido em primeiro lugar. Se o PSD está assim tão interessado no destino dos portugueses, porque é que se absteve na votação de revogação das portagens nas SCUTs?...porque faz o papel dele, faz barulho, é da oposição, todos ficam contentinhos porque aparenta não compactuar com o Governo e...salva a imagem, e nas próximas eleições tem uma vitória e a maioria absoluta. E depois?... se é feito da mesma fornada de políticos, não será que vai ser mais do mesmo?...
Infelizmente, já não acredito em nenhum deles. Há séculos que nos desgovernam e há séculos que outros valores se levantam, e esses valores não são os do povo.
Senhor Norberto Pires,
nas últimas décadas é sempre difícil saber com transparência o estado em que se encontram as contas públicas. Não sei ao certo se isto se deve a dificuldades técnicas, a estratégia política ou ao princípio do “segredo é a alma do negócio”. O que tenho observado sucessivamente é que sempre que um novo governo assume o poder reclama não ter conhecimento do lamentável estado em que o governo anterior deixou as contas públicas. Creio que independentemente do projecto e objectivos traçados pelo país para o futura, a transparência actualizada das contas públicas é uma emergência a satisfazer constantemente. A facilidade com que os políticos no activo conseguem ocultar estas contas prejudicam a confiança dos mercados, a a seriedade das decisões políticas e a possibilidade de os eleitores votarem de forma realmente informada e responsabilizável. Face aos meios tecnológicos existentes, às necessidades dos mercados e à imperiosa necessidade de democratizar a democracia, o que se passa com a ocultação das contas públicas começa a ser inaceitável.
Na sequência do comentário de Vani, pergunto: não seria uma medida adequada, na actual situação do país, reduzir em dois terços o número de deputados? Em minha opinião não se perdia nada, pelo menos em qualidade, poupava-se muito e evitavam-se certos despautérios...
Para votar sim ou não de acordo com ordens recebidas tanto valem dez como um.
Penso que Passos Coelho é mais um que coloca os interesses do partido à frente dos do país. Por isso mesmo, vai uma aposta que o PSD se vai abster de votar na aprovação do OE2011?... abstendo-se o PSD, o OE2011 passa, mesmo que o BE e PCP votem contra...e a imagem do PSD é salvaguardada, garantindo-lhe a próxima vitória eleitoral...
A ver vamos, como dizia alguém. Vivemos tempos de incertezas e insegurança, só se pode especular... :(
José Batista, ora bem, na mouche! :)
Não é, certamente, com este regime que vamos mudar de vida!!
Deixemo-nos de ilusões, o que é necessário fazer coloca em causa a oligarquia e como tal teremos mais do mesmo...
Por ser demasiado grande, publiquei a minha resposta em: http://pequenosmundos.blogspot.com/2010/10/resposta-ao-norberto-pires.html
Um abraço Norberto e parabéns pelo artigo.
Sim, é verdade. NADA se faz sem pessoas capazes, mas também sem aceitar a REALIDADE. Sem encarar a realidade da situação a que chegámos.
Estamos em NEGAÇÃO. É esse o problema principal.
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