sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ó MAR SALGADO....


Minha crónica de hoje no "Sol" , revista "Tabu" (na imagem salinas da Figueira da Foz):

O mais conhecido dos poemas da Mensagem, o único livro publicado por Fernando Pessoa em vida (1934), intitula-se Mar Português e começa assim: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal!”

Porque é que o mar é salgado? Porque é rico em iões (átomos com electrões a menos ou a mais) de cloro e de sódio, os primeiros positivos e os segundos negativos. Esses iões, quando a água se evapora, ligam-se facilmente para formar uma rede cristalina, com os dois tipos de iões intercalados, conhecida por rede do cloreto de sódio, que é nada mais nada menos do que o vulgar sal das cozinhas com que temperamos a comida. Basta ir ao Núcleo Museológico do Sal, um pequeno mas curioso museu numa salina na localidade de Armazéns de Lavos, perto da Figueira da Foz, na margem esquerda do rio Mondego, para ver “in loco”como é que o sal se retira, em salinas, da água do mar.

A expressão “rico em iões” pode ser quantificada. Em cada litro de água, encontram-se cerca de 35 gramas de iões, dos quais a grande maioria (86 por cento) são iões de cloro e de sódio. Pode-se morrer de sede rodeado de água no meio de um oceano, pois o nosso organismo não aguenta a ingestão de uma quantidade de sal tão elevada. O sal é necessário à vida, mas apenas na devida conta. Todos os nossos fluidos corporais - sangue, suor e lágrimas - possuem sal, mas numa proporção bem mais baixa do que aquela que se encontra nos oceanos.

De onde vieram os iões do mar? Na sua maior parte, foram-se acumulando ao longo dos tempos a partir da dissolução das rochas. A idade da Terra pode então ser calculada a partir da concentração de sal marinho. A primeira pessoa a ter essa brilhante ideia foi, em 1715, Edmond Halley, sim, esse mesmo, o astrónomo inglês que deu o nome ao cometa que apareceu há cem anos, nas vésperas da República, e voltou passados 76 anos. Halley supôs que os iões eram retirados das rochas pelas águas das chuvas e arrastados para o mar. Mas não fez os cálculos. Bastante mais tarde, em 1899, o físico irlandês John Joly, estimando o valor do caudal dos rios e conhecendo o teor de sal na água do mar, avaliou a idade da Terra em cem milhões de anos, um número bem maior do que aquele que se admitia até essa altura. Contudo, os erros desse processo eram bastante grandes pois o cálculo não levava em conta outras origens (por exemplo, vulcões e fontes hidrotermais) dos iões presentes na massa oceânica assim como o destino de uma parte deles (depósitos em rochas). De facto, graças a outras técnicas, mais exactas, designadamente assentes em medidas da radioactividade natural, sabe-se hoje que o nosso planeta, incluindo tanto continentes como oceanos, é bastante mais velho do que foi estimado por Joly: tem cerca de 4,5 mil milhões de anos.

7 comentários:

João Calafate disse...

Professor Carlos Fiolhais,

começo por congratulá-lo pela sua paixão em ensinar/transmitir literacia científica, e não só, à sociedade portuguesa e gostaria de lhe contar que à duas/três semanas atrás comprei na Fnac do Norteshopping o seu livro "Curiosidade Apaixonada", da Gradiva, que penso que havia mencionado, por diversas vezes neste blog, que estava esgotado na Editora. Era, também, o único exemplar que tinha na Fnac!


Peço desculpa pelo meu comentário não ter nada a haver com o assunto do post!


Com os meus melhores cumprimentos,

João Calafate (Professor de Matemática e Ciências, da zona do Porto)

Anónimo disse...

Agora que deixaram de chorar
as nossas mães, também o mar salgado
a ser mais doce everá passar
ou, como diz o povo, mais dessado!

JCN

José Batista da Ascenção disse...

Agora reparo: "Em cada litro de água, encontram-se 3,5 gramas de iões." Não são cerca de 35 gramas?

Anónimo disse...

Corrijo no meu 3º verso a gralha "everá" por "deverá". JCN

Anónimo disse...

MAR DESSADO

De cada vez o mar de Portugal
vai tendo menos sal,
porque já ninguém chora
como ocorrera outrora,
no dizer de Pessoa
num poema que destoa
dos tempos actuais,
muitíssimo banais,
que sódão para rir
à gargalhada
ante um porvir
que menos é que nada!

Já ninguém leva a sério
o tal apregoado Quinto Império!

JCN

Anónimo disse...

No que tu deste,
ó mar salgado:
um charco a leste
do teu passado!

JCN

De Rerum Natura disse...

Caro José Batista da Ascensão
Só agora vi a gralha no número de gramas do sal no mar. Nunca é tarde para corrigir um erro. Muito obrigado! Um abraço
carlos Fiolhais

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