domingo, 17 de outubro de 2010

SOBRE A CIÊNCIA EM PORTUGAL NO SÉCULO XX


Texto recebido do historiador António Mota de Aguiar (na foto, o almirante César Campos Rodrigues):

Ao redor de 1900 Portugal vivia uma enorme crise política e económica que iria desembocar nos trágicos acontecimentos de 1908 e na implantação da República em 1910. Os 16 anos que a República durou também foram anos turbulentos e a ditadura que surgiu na década de 30 dificultou, sobremaneira, a vida pessoal e pública de boa parte dos nossos cientistas do século XX.

Apesar de ter sido uma época difícil o século começou com a atribuição de um prémio internacional a um astrónomo português: César Augusto Campos Rodrigues conseguiu, com os apetrechos modestos que o Observatório da Tapada da Ajuda em Lisboa possuía, ganhar em 1904, o Prix Valz, da Academia das Ciências de Paris.

Na década de 20, Leonardo Coimbra, um homem das Letras e um anti-positivista que era acérrimo relativista, agitou a vida cultural, introduzindo a teoria da relatividade. Em áreas como a Física, a Matemática e outras, uma parte dos cientistas lutou pela afirmação dessa teoria, sobre a qual houve, ao longo de décadas, várias "escolas" de pensamento.

Nas décadas de 30 e 40 evidenciou-se um grupo de intelectuais exímios, defensores brilhantes do positivismo, na forma de neo-positivismo, dos quais saliento o médico Abel Salazar, que leccionou Histologia e Embriologia na Faculdade de Medicina do Porto, e escreveu numerosos artigos em revistas e jornais da época, em particular na revista o “Diabo”.

Desse tempo ficou a memória do notável intelectual que foi Mário Silva, catedrático da Universidade de Coimbra e director do Laboratório de Física, que foi estudante e assistente de Madame Curie de 1925 a 1930 no Instituto do Rádio de Paris, e que tentou em Coimbra criar um Instituto do Rádio.

Refiro outros cientistas ilustres deste período: os matemáticos Ruy Luís Gomes, António Aniceto Monteiro, e Bento de Jesus Caraça; o físico Manuel Valadares, também ele aluno de Madame Curie; o biólogo Aurélio Quintanilha; e os médicos Egas Moniz, prémio Nobel da Medicina e Fisiologia em 1949, Mário Corino de Andrade e Francisco Pulido Valente. E haveria ainda algumas dezenas de cientistas distintos a referir.

Nas décadas de 30 e 40 observou-se uma grande agitação cultural envolvendo cientistas de várias ciências, alguns regressados do estrangeiro, onde tinham realizado estágios, graças à acção profícua da Junta de Educação Nacional, que tinha permitido o envio para fora de estudantes portugueses desejosos de aprender.

A partir dos anos 30 o Estado Novo empreendeu, porém, uma perseguição a muitos professores, afastados por se oporem a um regime político repressivo que permitia elevados níveis de pobreza e analfabetismo. Assim, cientistas portugueses altamente qualificados foram afastados do sistema educativo: quando não foram presos, tiveram de se exilar no estrangeiro.

Em consequência, o século XX até ao 25 de Abril de 1974 foi um tempo de atraso da ciência em Portugal. Foi pena, pois Portugal podia ter sido transformado por homens de elevada craveira científica e intelectual.

António Mota de Aguiar

13 comentários:

Anónimo disse...

A história da perseguição política ao Prof. Abel Salazar pela ditadura salazarista é demonstrativa da sanha feroz com que o regime perseguia os que se lhe opunham, ou apenas o criticavam , e bem assim da fanática cegueira intelectual que o espartilhava.
O Estado Novo tinha montado de forma pertinaz um aparelho repressivo aparentemente legal de que se destacava o tristemente famoso decreto-lei nº 25317 de 13 de Maio de 1935 , o qual referia logo de início :
"Artº 1º - Os funcionários públicos ou empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política , ou não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado, serão aposentados ou reformados, se a isso tiverem direito, ou demitidos em caso contrário.
Artº 2º - Os indivíduos que se encontrarem nas condições do artigo anterior não poderão ser nomeados ou contratados para quaisquer cargos públicos nem admitidos a concurso para provimento neles.
A que se acrescentava o seguinte parágrafo:
§ único : Quando o provimento se fizer mediante concurso de provas públicas, estas não poderão começar sem que ao respectivo Ministro seja dado conhecimento da lista dos candidatos com a antecedência de dez dias".
Seguindo-se outras disposições que punha nas mãos do governo a decisão de arbitrariamente demitir ou afastar quem muito bem entendesse, fazendo tábua rasa do seu mérito , provas prestadas ou valia científica.
Para além de por todas as formas vigiar, impedir, perseguir, expulsar, provocar, prender e torturar quem muito bem entendia.
Assim foi pois expulso da Universidade e da Faculdade de Medicina do Porto o Prof. Abel Salazar.
Foram também expulsos da Universidade o Prof. Aurélio Quintanilha, o Prof. Manuel Rodrigues Lapa, o Prof. Sílvio Lima, o Prof. Norton de Matos do IST e ainda os professores do ensino primário Jaime Carvalhão Duarte , Costa Amaral e Manuel da Silva.
Assim foi expulso em 1946 o Prof. Bento de Jesus Caraça, professor catedrático do ISCEF da Universidade Técnica de Lisboa.
Assim foi demitido o Prof. Mário de Azevedo Gomes.
Em 18 de Junho de 1947, sendo Ministro da Educação Fernando Andrade Pires de Lima, foram expulsos da Universidade os Profs. Ruy Luís Gomes, Mário Silva, Celestino da Costa, Cândido de Oliveira, Pulido Valente, Fernando Fonseca, Adelino da Costa, Cascão de Ansiães, Torre de Assunção, Flávio Resende , Ferreira de Macedo, Peres de Carvalho, Marques da Silva, Zaluar Nunes, Rémy Freire, Crabée Rocha, Dias Amado, Manuel Valadares, Armando Gibert, Lopes Raimundo, Laureano Barros, José Morgado, Morbey Rodrigues, e outros docentes universitários num total de 21.
Todos eles distintos cientistas , investigadores e docentes, muitos deles catedráticos, alguns de Medicina, afastados de forma humilhante ( o Prof. Ruy Luís Gomes por exemplo foi afastado do serviço por telegrama e ulteriormente após um simulacro de processo disciplinar, foi demitido pelo chamado Conselho Permanente de Acção Educativa presidido por Mário de Figueiredo ) por mero delito de opinião e crítica à ditadura.
Assim foi amputada de forma miserável a inteligência nacional .
O que não admira num regime em que a escritora Virgínia de Castro Almeida escrevia no Século " a parte mais linda, mais forte, mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75% de analfabetos (...) felizes os que esqueceram as letras e voltaram à enxada" , ou João Ameal " (...) um dos factores principais da criminalidade é a instrução(...)".
Ou ainda António Ferro que dizia " (...) é mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler".
Daniel de Sousa

Anónimo disse...

Em contrapartida, quantos subiram na vida a bajular o poder, dentro e fora das cátedras! Se os deuses falassem, os deuses estampados nos vasos gregos, incluindo o pertencente à colecção do doutíssimo Prof. António de Oliveira Salazar! Que triste foi o Portugal de então, com tanta gente a demandar outras paragens com a família às costas, por vezes numerosa! Santo Deus! JCN

Anónimo disse...

O Professor Salazar
também fez excavações
para em suas colecções
um vaso grego ostentar!

JCN

Anónimo disse...

Não se sabe bem ao certo
onde é que ele o encontrou:
se foi longe, se foi perto,
ou se acaso o empalmou!

JCN

Anónimo disse...

Há muitas, muitas maneiras,
de qualquer um se arranjar:
uns entrando nas fileiras,
outros prontos a alinhar!

JCN

Anónimo disse...

Houve, porém, quem quisesse
manter erguida a cabeça,
sem que ao poder ascendesse
por qualquer porta travessa!

JCN

Anónimo disse...

Deus os leve para o céu
pelo muito que sofreram:
de qualquer forma viveram
sem qualquer mancha ou labéu!

JCN

Anónimo disse...

Ele há coisas do diabo:
sendo do contra, houve gente
que exercendo, descontente,
não deixou de dar ao rabo!

JCN

Anónimo disse...

Em quadra bem calibrada
vai-se mais longe que em prosa:
é muito mais concentrada
e menos licenciosa!

Anónimo disse...

Permite coisas dizer
que em prosa ninguém se atreve:
quando se tenta ofender,
o próprio agravo é mais leve!

JCN

Anónimo disse...

Neste país de labregos
Salazar tinha visão,
pois na sua colecção
tinha um par de vasos gregos!

JCN

Anónimo disse...

Nesta terra de pategos
um chico-esperto nasceu:
esquadrinha vasos gregos
desde que se conheceu!

JCN

Anónimo disse...

Se isso acaso não é treta
respeitante a Salazar,
cansado estou de pensar
onde é que o velho marreta
terá posto a picareta
que usava para escavar
e vasos gregos achar!

JCN

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