sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E AS SUAS RESPONSABILIDADES


“Les hommes ont oublié cette vérité, dit le renard. Mais tu ne dois pas l’oublier. Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé. Tu es responsable da ta rose…" (Saint-Exupéry, 1900-1944).


Em clarificação do meu post anterior, Um estudo do Conselho Nacional de Educação (21/10/2010), e incentivado pelo post, Um conselho útil? (22/10/2010), da autoria de Carlos Fiolhais, académico sempre na linha da frente na defesa da qualidade do ensino em qualquer um dos seus diversos graus, dos seus caboucos ao telhado, eis-me novamente na presença de possíveis, generosos e pacientes leitores.

Seja-me, todavia, permitido discordar da forma interrogativo do título: “Um conselho útil?” Em boa e justa verdade, o Conselho Nacional de Educação (CNE) tem responsabilidades no dolce far niente relativo à promiscuidade existente entre os ensinos universitário e politécnico. Promiscuidade em nome de uma pretensa democracia que anula toda e qualquer diferença e posterga todo e qualquer valor colocando a educação no gueto das coisas públicas com um relativo interesse perpetuando a canga de uma nobre profissão como se ela continuasse a ser exercida por antigos escravos gregos ao serviço dos filhos dos patrícios romanos.

Dois factores condicionam o sistema educativo português: a prolixa, caudalosa, aberrante, legislação já publicada e a necessidade de contenção das despesas públicas. É natural que os portugueses se encontrem receptivos ao esforço de poupança em coisas supérfluas no seu dia-a-dia pessoal e nos gastos sumptuosos por parte do Estado. Mas nunca naquilo que possa atrasar o seu desenvolvimento e o desenvolvimento do país. E esse desenvolvimento passa necessariamente pela formação de quadros técnicos qualificados, como sejam professores capazes de darem uma resposta séria e atempada às exigências do dealbar deste milénio em que um Portugal europeu deve assumir um destino que não deslustre o seu passado histórico nas cinco partidas de um mundo que, utilizando um lugar-comum, se tornou numa aldeia global.

Neste contexto, o CNE no domínio das suas competências legais, deve assumir de corpo inteiro as suas responsabilidades de “órgão com funções consultivas e deve, sem prejuízo das competências próprias dos órgãos de soberania, proporcionar a participação das várias forças sociais, culturais e económicas na procura de consensos alargados relativamente à política educativa”. Assim, deveria ter alertado quem de direito, e a própria opinião pública, para a situação caótica de um ensino ao serviço de vaidades estatísticas fazendo propostas ”com consensos alargados” relativamente à melhoria de uma política educativa em que houve uma involução no que tange à formação dos professores do 2.º ciclo do básico e em que o êxodo dos professores do 1.º ciclo, através de complementos de habilitação, por vezes, de curtissima duração, fez com que grande parte da docência desse ciclo inicial ficasse às moscas ou desempenhada por simples curiosos.


Mas nada fez para remediar este atraso de um país entregue nas mãos gulosas das Novas Oportunidades e coisas quejandas. Muito menos tenho esperança que haja, num futuro próximo, uma mudança substancial, ademais numa altura de conjugação de “astros” responsáveis pelos lobbies das ciências da educação, em denúncia louvável e persistente de Fartinho da Silva, que subalternizam o conhecimento científico dos professores aos grilhos de teorias pedagógicas altamente discutíveis por não terem o devido suporte em estudos académicos levados a efeito em Ciências da Educação.

E a prova aí está, em toda a sua pujança, com os maus resultados do nosso sistema educativo, a partir do 1.º ciclo do básico, ao arrepio da sentença de Saint-Exupéry: “Se cada tijolo não estiver no seu lugar não haverá construção”. Maus resultados dos ciclos do básico com projecção negativa nos ensinos secundário e universitário a quem lhe não bastava já receber os formandos dos Centros de Novas Oportunidades (que não são minimamente beliscados em cortes orçamentais com o PEC III) com a finalidade de colocar, viciadamente, Portugal no pelotão da frente europeu com fáceis diplomas de equivalência a um esforçado e trabalhoso diploma do 12.º ano do ensino regular.


Desta forma, se o presente se apresenta nebuloso, o futuro não augura um boletim meteorológico sem trovoada. Se repararmos, a ministra da Educação, Isabel Alçada, foi (ou ainda é) professora da Escola Superior de Educação de Lisboa. A presidente do Conselho Nacional de Educação, Ana Maria Bettencourt, foi (ou ainda é) professora da Escola Superior de Educação de Setúbal. Mário Nogueira, secretário geral da Fenprof, a maior organização sindical docente, teve como formação inicial o diploma da antiga Escola do Magistério Primário de Coimbra e complemento de habilitação obtido na Escola Superior de Educação da mesma cidade. São eles, portanto, três pilares fundamentais para que nada mude, por exemplo, no aspecto do concurso para professores do 2.º ciclo do ensino básico com real vantagem para os diplomados pelas escolas superiores de educação. E tanto assim é que ”tudo continua como dantes, quartel-general em Abrantes”, como nos diz o provérbio. Aliás, com uma certa desculpa para os seus reponsáveis porque, como escreveu Miguel Torga, “maldito seja quem se nega aos seus em horas de aperto”!

Recuemos no tempo. Corria o ano de 2008, na revista “Opinião Socialista”, escrevia Ana Benavente, antiga secretária de Estado da Educação, um artigo em que “salientava que a escola não funciona para dar programas mas sim para assegurar as aprendizagens”. Por seu lado, defendia, passado um ano, Ana Maria Bettencourt um “ensino não centrado no programa, mas no aluno, porque o programa é pouco útil se os alunos não aprenderem” (Público, 05/Junho/2009).

Um parecer provisório antigo do CNE (ainda sem Ana Maria Bettencourt na respectiva presidência) denunciava já a vontade em atribuir às escolas superiores de educação um estatuto que se não coaduna, de forma alguma, com a génese que presidiu à sua criação: apenas a formação de educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico (antigo ensino primário). Assim, em título à largura de toda a página, foi publicada a seguinte notícia: “Parecer provisório do CNE defende que as Escolas Superiores de Educação formem professores para o secundário” (Público, 30/Janeiro/97). Ora, este parecer atentava contra uma longa e exigente formação científica dos professores do ensino secundário e punha em risco a sua tradicional formação universitária.

“Avant la lettre”, em artigo de opinião, perante uma notícia saída no Público (26/Maio/96), chamei a atenção para a itenção do governo em “as Escolas Superiores de Educação passarem a formar professores até ao 9.º ano de escolaridade”, apesar de “recém-licenciados pela Faculdade de Letras de Coimbra nem sequer terem tido acesso ao respectivo estágio pedagógico, desencadeando uma crise que podia pôr em causa a sobrevivência da própria escola” (Correio da Manhã, 16/Junho/96).

Nessa mesma altura, perante o clima de desastre que se aprestava a abater sobre a academia portuguesa, mostrando grande preocupação com o rumo que as coisas estavam a tomar, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas chamou a si a defesa de direitos e deveres seculares de natureza cultural e científica dos claustros universitários. Para o efeito, elaborou um dossier, intitulado “Repensar o Ensino Superior”, em que defendia “a consolidação de um sistema dual, politécnico e universitário” e a necessidade em proceder “rapidamente à análise das funções das Escolas Superiores de Educação, considerando-se a oportunidade da sua reconversão, por exemplo, em centros de formação contínua de docentes[o que retiraria uma parcela substancial a um rendoso mercado dominado pelos sindicatos] ou em escolas com outra vocação”.

Esta última sugestão de reconversão logo foi abusivamente aproveitada por esses estabelecimentos de ensino politécnico para se transformaram em “universidade(zinhas)”, com um amplo e variado leque de cursos a ministrar sem qualquer identificação com a finalidade que presidiu às respectivas criações e à sua denominação. Como que espicaçada no seu brio de docente de uma escola superior de educação, Ana Maria Bettencourt logo replicou, tendo a pressa como má conselheira, que, “em matéria de formação dos professores, o pensamento dos reitores é pré-histórico”.

E com estas modernices todas, em contraste com “o pensamento pré-histórico dos reitores”, a tempestade magnética em que se transformou o sistema educativo, com os ponteiros da bússola de uma educação séria a girarem desnorteados, torna-se imperativo que a sociedade civil, e cada cidadão de per se, assumam as suas responsabilidades para que nesta matéria nada continue como até aqui. Mesmo que se torne necessário para isso, como escreveu Eça, que “aquela secreta voz que todos os homens de bom senso têm dentro de si – como os triunfadores romanos tinham por trás, no estribo do carro, um escravo filósofo, que por meio de ironias e beliscões os ia mantendo dentro das proporções humanas – diga friamente: ‘Não, tu não és assim…' ”

5 comentários:

Anónimo disse...

Tudo aquilo que não presta
deve ser posto de lado:
chega já de tanta festa
e de tanto... feriado!

JCN

joão boaventura disse...

Quando, em serviço militar em Portalegre, nos idos de 70, como oficial miliciano, fui com uma guia de marcha apresentar-me no Quartel General da Região Militar de Tomar, a fim de participar no campeonato militar de futebol, e cuja equipa de soldados me acompanhava.

O Oficial a quem apresentei a guia, olhou para o papel de alto a baixo, tornou a ler, releu, e depois com um suspiro disse:

- Esta guia está com "bota"... (está mal, está errada)

- E agora, disse eu, volto atrás para a emendarem ?

-Não, disse o oficial, bota "começada" bota "continuada".

Assim o ensino e suas tropelias "Bota começada, bota continuada".

O oficial do quartel general de Tomar era português e então vivíamos em Portugal.
Onde está a admiração, passado tanto tempo ? Não continuamos em Portugal ?

Já aqui propus um Maio de 68, mas ninguém reagiu.
Bota começada, bota continuada.
Somos nostálgicos... basta ouvir o fado.
O fado retrata a alma lusitana.

Somos fadados e estamos fadados.

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

O lobby das "ciências" da educação colocou as suas peças no xadrez político e ocupou todos os lugares de decisão. Não é mais possível lutar contra este poderoso lobby sem um contra ataque demolidor. É bom não esquecer que a classe política teima em vender facilidades ao seu mercado alvo - o eleitorado - e este lobby produz receitas ideológico-burocrático-pedagógicas para que essas facilidades se coloquem no terreno para gáudio das massas.

Portanto temos aqui a conjugação de dois actores no teatro mediático:
1º a classe política, que vende ilusões ao eleitorado para ganhar eleições;
2º o lobby das "ciências" da educação que vende receitas ao poder político para que este ponha no terreno as tais ilusões nas escolas.
O público alvo de tão ternurentas políticas recebe estas medidas com um sorriso nos lábios, porque uma boa parte do nosso eleitorado quer facilidades.

Todos se lembram da alegria quando terminaram com os exames nacionais. Todos se lembram quando os exames de acesso ao ensino superior foram substituídos por uma prova geral de acesso (a célebre PGA). Todos se recordam da escola a tempo inteiro. Todos se lembram da distribuição de electrodomésticos a todas as criancinhas de Portugal e da Venezuela. Todos se recordam da alegria da criação da carreira única (?) de professor do ensino não superior - que fez com que desde o educador de infância até ao professor de física do 12º ano todos tenham o mesmo estatuto de carreira, os mesmos índices remuneratórios, o mesmo sistema de avaliação, etc.,etc., todos se lembram do favorecimento descarado em letra de Lei na obtenção dos graus de mestre e doutor em ciências da educação em detrimento de todas as outras áreas científicas, todos se lembram da criação de escolas superiores de educação em todas as terras de Portugal, todos se recordam da criação de um sistema de formação contínua de professores em que se ensinavam coisas tão interessantes e relevantes como "danças de salão", etc., etc., etc., etc..

E assim vamos...

José Batista da Ascenção disse...

Não é preciso dizer mais nada. Excepto: temos que fazer (mais) alguma coisa. Sem demora. No mínimo denunciar, denunciar, denunciar.

Anónimo disse...

Quem tem coragem que avance:
não basta denunciar;
é preciso colocar
o sistema ao nosso alcance!

JCN

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