sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O sonho


Destaque para a crónica de J. L. Pio de Abreu no "Destak" (na imagem "O Sonho" de Picasso):

Nos anos 80 sonhava-se com o futuro. Sonhava-se que a ciência iria resolver os problemas humanos, a fome seria suprimida e a automação iria substituir o trabalho mais pesado, permitindo uma maior justiça social. Energia e software eram quanto precisávamos para obter os nossos recursos. O trabalho humano seria menos necessário, e os produtos resultantes da automação seriam cada vez mais baratos.

Para manter o pleno emprego, o horário de trabalho seria reduzido e a reforma viria mais cedo. Como as pessoas viveriam mais tempo, elas podiam, a partir de certa altura, encetar uma nova vida e dispor de mais tempo para o convívio e educação dos mais novos. Haveria mais produção artística e intelectual e inovadora que resultaria do gosto de criar, o que se faria por opção. Na verdade, já estávamos nesse caminho.

Desde então, existiram imensos progressos da genética, da engenharia, da energética e da informática que facilitariam o sonho. A automação aumentou, os seus produtos embarateceram, apareceram as energias renováveis e o software não pára de substituir o trabalho humano, cada vez menos necessário. Mas aumentaram as exigências e o horário de trabalho, bem como a idade da reforma, à custa de um desemprego cada vez maior.

Temos hoje melhores condições para cumprir o sonho, no entanto caminhamos no sentido inverso, em direcção ao pesadelo. Nos anos 80 sonhava-se porque não se tinha previsto que o lucro fosse o valor supremo dos anos que a seguir viriam.

J. Pio de Abreu

3 comentários:

Anónimo disse...

Este texto caracteriza bem uma das principais maleitas psicológicas do nosso tempo.

Todo um conjunto de gerações cresceu e viveu alentado por uma ideia fundamental: a do progresso inter-geracional, quase sempre acompanhado por uma mobilidade social ascendente. A minha vida tem sido melhor que a dos meus pais, como a deles foi melhor que a dos respectivos genitores, e assim por diante.

Mas hoje, graças a esta súcia que se apoderou da riqueza de todos em proveito próprio, existem grandes dúvidas que a qualidade de vida dos nossos filhos possa ser sequer igual à nossa, quanto mais melhor. O que as pseudo-elites político-financeiras conseguiram foi matar, nas nossas mentes, a ideia de Progresso... e com ela a esperança de um futuro melhor.

Anónimo disse...

Ao anónimo acima recomendo a leitura de John Gray (ou Straw Dog ou Black Mass). Ambos os livros discutem (entre outras coisas) essa "ideia peregrina" que aos nossos olhos se desmorona, que o futuro dos nossos filhos vai ser melhor e mais fácil que o nosso.
E como os politicos de hoje têm como objectivo o "controlo da situação" apresentando-se como "o Messias" o salvador. Garantindo assim a fidelização das Massas. É triste, mas extremamente real..
JCSilva

Anónimo disse...

Que in-volução é esta e onde é que nos conduzirá?

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