segunda-feira, 25 de outubro de 2010
"e ali lhes deitaram a sua água de baptismo..."
Excerto do livro "Grácia Nasi. A judia portuguesa do século XVI que desafiou o seu próprio destino", de Esther Mucznik (Esfera dos Livros) sobre o baptismo obrigatório de judeus no tempo do rei D. Manuel I:
"Numa sexta-feira, a 19 de Março de 1497, muito antes de findar o prazo para a saída, estipulado para Outubro, foi dada ordem de baptismo compulsivo de todas as crianças de 4 a 14 anos no domingo seguinte, dia de Páscoa judaica. Seguindo a táctica de atingir os pais através dos filhos, estes seriam retirados aos seus progenitores para serem educados na fé cristã.
As crianças foram assim arrancadas aos pais em verdadeira cenários de horror: "Os pais, levados ao desespero, vagavam como dementes, as mães resistiam como leoas. Muitos preferiam matar os seus filhos com as suas próprias mãos; sufocavam-nos no último abraço ou atiravam-nos em poços ou rios, suicidando-se em seguida." Condoídos, muitos cristãos escondiam crianças judias para poupar os pais a tal sofrimento. "Os próprios cristãos", escreve um autor anónimo, "movendo-se a piedade, e em face dos bramidos e choros que os tristes pais e amorosas mães faziam por aqueles pedaços das suas entranhas que, à força, viam arrancar deles sem esperança de mais poder lograr, escondiam e salvavam crianças." Fernando Coutinho, líder do partido clerical que no Conselho Real se opusera à expulsão, e mais tarde bispo de Silves escreverá uns anos mais tarde: "Vi com os meus próprios olhos como muitos foram arrastados pelos cabelos até à pia baptismal, como um pai, com a cabeça encoberta, sob dores e lamentações, acompanhou o seu filho e, de joelhos, clamou ao Todo-Poderoso que fosse testemunha de pai e filho, unidos como professos da lei mosaica, desejarem morrer como mártires do judaísmo. Vi actos ainda mais pavorosos, verdadeiramente incríveis, que lhes foram infligidos." "
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5 comentários:
PERSISTÊNCIA
Por acaso alguém sustenta
que umas gotas de água-benta
sobre as cabeças deitadas
dos judeus às caldeiradas
fizeram deles cristãos,
para além de cidadãos?!
Mas que santa ingenuidade
se apossou da cristandade!
Nunca os judeus convertidos
forçosamente deixaram
de ser judeus convencidos,
como sempre demonstraram,
mesmo quando nas fogueiras
ou nos tratos de polé,
das mais diversas maneiras,
defenderam sua fé!
JCN
Esta passagem terrível do reinado de D. Manuel tem sido citada em inúmeros textos. É bom que se diga também por escritores Católicos Apostólicos Romanos. Eu mesmo o fiz de forma muito cruel no meu Romance a Corda de Judas Iscariotes.
E digo-o abertamente pelo facto de nós termos feito o exorcismo dos nossos fantasmas. Facto que nos permite falar deles abertamente. Li o livro da Gracia Nasi e não gostei, já o disse e repito, não há novidade nestes relatos, a não ser que se fale deles para apontar o dedo não sei a quem, a nós católicos, à Igreja?
Por favor,Gracia Nasi e os judeus fugitivos, Samuel Usque, por exemplo, por quem tenho uma admiração interminável, merecem muito mais do que estas recordações mesquinhas, exploradas vezes sem conta. Eles foram heróis, duma portugalidade que é lição para todos nós.
Usque escreveu em Português pelo facto de se recusar a esquecer a Língua que Mamou, só Pessoa se aproximou desta afirmação tão grandiosa.
É altura da reconcialiação, de dar a nacionalidade aos descendentes dos judeus marranos.
Gracia Nasi queria ser uma nova Eva, muito mais do que uma empresária judia bem sucedida nos negócios.
INDESMENTÍVEL
(Solicita-se colabi«oração)
Quem de judeu não tem neste país
uma costela ao menos, uma gota
que seja só de sangue, que se nota,
em derradeiro caso, no nariz?!
JCN
Conclusão do soneto, à falta de melhor:
A par de uma corpórea semelhança,
não tanto de feições como de porte, porte,
idêntica também foi nossa sorte
correndo o mundo em permanente andança.
Sejamos muito embora um povo hispânico,
acabámos por ter, de igual maneira,
um singular carácter messiânico.
Só numa coisa nos diferençamos:
é nos aspectos de ordem financeira,
pois nunca, a bem dizer, nos governámos!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Só a poesia consegue dizer as coisas como não é possível doutra forma. Parabéns pelo soneto.
Na verdade, o medo dos fantasmas e o ódio a uma Igreja e a um tribunal que perseguiu a todos, judeus, católicos e clérigos, tem impedido olhar este caso como o mais central e mais importante da nossa História.
Hoje, somos mais inquisidores do que os próprios inquisidores, eles tinham medo duma população culta, trabalhadora, dinâmica, que constituía quase 30% a população portuguesa.
A ignorância, a intolerância e o medo do maior grupo social e religioso correr o risco de ser dominado por um povo estrangeiro levou a uma perseguição sangrenta de que temos medo de avaliar as verdadeiras consequências.
Passaram os séculos, muitos deles fugiram, um grande número ficou entre nós e acabaou por diluir-se na poupulação. Mau ou bom, ajudaram a construir este país, são os nossos antepassados, forçados também a ser os nossos igréjios avós.
Há uma memória colectiva, há uma reconciliação e um reconhecimento que devia ser feito, mas parece que há mais interese em prosseguir uma autoflagelação nacional contra mais uma das aberrações de D. Manuel. É mais fácil atribuir as culpas a dois frades loucos que inflamaram a população contra os judeus do que pensar nas verdadeiras causas desta atitude.
Este soneto di-lo e, por isso, remata com chave d'ouro, "a bem dizer nunca nos soubemos governar". Na verdade, nunca nos soubemos governar nem permitimos que os outros nos governassem. Culpar D. Manuel, meia dúzia de frades, seis ou sete inquisidores é tapar o sol com a peneira e recusar ver o óbvio.
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