quinta-feira, 28 de outubro de 2010

As fases da vida

Sólon – poeta, estadista e sábio

É um facto bem conhecido que a chamada civilização ocidental herdou muitos dos seus valores da tradição greco-latina. Os grandes modelos clássicos podem encontrar-se nos mais variados sectores, desde a literatura, arquitectura e escultura, até ao domínio do pensamento filosófico e político, para citarmos apenas alguns. Nem sempre, porém, eles se revestem da seriedade das grandes revelações.

Os antigos Gregos e Romanos eram, antes de mais, povos que, apesar de haverem atingido um nível civilizacional notável, apreciavam também a vida nas suas manifestações mais simples e prazenteiras. E essa também é uma importante lição a ter em conta. Hoje, porém, não gostaria de falar dos Gregos e Romanos em geral, mas antes de uma personalidade em particular: Sólon.

Esta figura ilustre viveu na antiga Grécia, mais precisamente na cidade de Atenas, entre os séculos VII-VI a.C. A posteridade conhece-o, sobretudo, como legislador. As leis que promulgou para os seus concidadãos lançaram as primeiras sementes do regime em que hoje vivemos, a democracia, termo cuja etimologia acusa a mesma origem grega.

Mas deixemos de lado a vertente política, para salientar uma outra faceta da personalidade de Sólon: o facto de ter sido também o primeiro poeta ateniense. A maioria dos seus versos exprime a síntese perfeita entre o homem de Estado e o poeta, mas outros apresentam reflexões interessantes sobre a existência humana. Não hesita, por exemplo, em salientar o progresso intelectual trazido pela idade, quando diz: «envelheço aprendendo sempre muitas coisas».

Numa sociedade que, tal como a nossa, tinha em grande conta a beleza física e o frescor da juventude, era preciso alguma coragem para remar contra a corrente e afirmar as vantagens que a velhice pode trazer consigo. Esta consciência da evolução do homem está presente, de forma mais clara, num poema onde Sólon reflecte sobre as várias fases da vida. Não é dos mais belos, mas é curioso na sua simplicidade. O autor divide a existência humana em períodos sucessivos de sete anos, valor que tem alguma importância ainda nos nossos dias, pois, à imagem de outros números (como o três e o dez), denota a conclusão de um ciclo.

É essa reflexão que lhes proponho. Gostaria de o poder fazer na língua original, mas como infelizmente poucos a entenderiam, apresento-a na tradução directa a partir do grego. Não lhes peço que concordem ou que discordem das palavras de Sólon: exorto-os somente a que escutem uma voz com mais de dois mil e seiscentos anos.

A criança, menino ainda de tenra idade, a barreira dos dentes
que lhe nascera muda pela primeira vez aos sete anos.
Quando a divindade leva ao seu termo um novo ciclo de sete,
Revelam-se os indícios da puberdade a despontar.
No terceiro período, quando os membros ainda crescem, o queixo
Cobre-se de penugem e muda-se a flor da pele.
No quarto ciclo de sete anos, todos alcançam o cume
da sua força, que os homens consideram termo de virtude.
No quinto, é tempo de o homem pensar no casamento
e de assegurar a geração futura dos filhos.
No sexto, para tudo está preparado o espírito do homem
e já não deseja, como antes, praticar acções reprováveis.
No sétimo ciclo de sete anos, o espírito e a palavra alcançam o cume,
e também no oitavo — somando ambos catorze anos.
No nono, ainda tem vigor, mas são mais apropriadas,
para uma grande virtude, a sua palavra e sabedoria.
Se alguém alcançar o décimo e dele preencher a medida,
não será fora de sazão, se o atingir o mandato da morte.


Delfim Leão

2 comentários:

Anónimo disse...

Juízos criteriosos,
nem o tempo os envelhece:
pelo contrário, parece
que são mais judiciosos!

Só que trnascritos em verso,
ao meu jeito pessoal,
valeriam mais um terço
do que o próprio original!

JCN

Anónimo disse...

Corrijo a gralha "trnascritos" por "transcritos". JCN

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