quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Diplomas do 12.º ano do Ensino Secundário e certificados das Novas Oportunidades


“O verdadeiro progresso democrático não é baixar a elite ao nível do povo, mas elevar o povo ao nível da elite” (Gustave Le Bon, sociólogo francês, 1841-1931).

Hesitei em escrever este post por ter esta temática desmerecedora de voltar a ser discutida. Reconsiderei, todavia, tendo como razão a sentença de que “os adultos estão satisfeitos com as Novas Oportunidades”.

Trata-se de uma afirmação pública de Luís Capucha tão óbvia que eu quase diria estarmos em presença de uma verdade à Monsieur de La Palice, dita com a solenidade eloquente de um Cícero. Serviu ela até de subtítulo a uma longa entrevista por si concedida ao jornal Público, no passado dia 23 deste mês.

Uma coisa é certa! Ninguém ousará deixar de ter como dado adquirido a euforia dos formandos das Novas Oportunidades com o maná que lhes caiu do céu ao receberem certificados de frequência - com o mesmo valor facial de um diploma do 12.º ano do ensino secundário regular - impressos em rotativas de gritante injustiça social por se tratar de um contentamento não legítimo, mas legitimado por um dos maiores atentados que se cometeram nestes últimos tempos contra a credibilidade do ensino em Portugal. Atentado só comparável aos diplomas de licenciatura da extinta Universidade Independente, situação em que o escândalo público gerado obrigou ao seu encerramento depois de balões de oxigénio que adiaram a sua longa e desnecessária agonia.

Mas o mais grave parece-me ser o contentamento, ou mesmo deleite oficial, pela obra já feita e a continuar ser feita para “convergirmos com a Europa em menos de dez anos quando com o ritmo anterior levaríamos 60 anos”, Luís Capucha dixit. Perpassa neste desígnio nacional, em mãos de um dedicado prestável de Maria de Lurdes Rodrigues - que o foi buscar “à Escola de ambos, o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, colocando-o numa das direcções gerais do seu ministério” (Público, 23/10/2010) -, o percurso em caminhos ínvios para que a equivalência ao diploma do 12.º ano fique à mão de semear do maior número de portugueses com a rapidez de batoteiros que correm por fora das pistas da decência.

Numa linguagem para agrado das massas, Luís Capucha evocou as elites que reagiram mal às Novas Oportunidades como causa das críticas que são feitas a esta espécie de formação. Concedamos que assim seja, mas não pelos motivos apresentados pelo entrevistado de que a democratização do acesso implica a verdadeira abertura social e de mobilidade, o que cria pressão junto de determinadas elites que não deixaram de reagir". Ou seja, abusivamente, confunde ele a democratização do ensino com a sua mediocratização sem ter em atenção um questão tão simples como esta: como explicar aos progenitores que fazem enormes sacrifícios para darem o 12.º ano aos filhos dizendo-lhes para estudarem, a fim de serem alguém na vida, quando os seus rebentos sabem, de antemão, que outros "predestinados" atingem esse objectivo com pouco ou nenhum esforço?

E isto é tanto ou mais desconforme na medida em que um parecer do Conselho Nacional de Educação, já sob a presidência de Ana Maria Bettencourt, dado a conhecer pelo Público (05/06/2009), com o promissor título “CNE quer ensino secundário com mais qualidade”, defendeu que “o alargamento da escolaridade [até ao 12.º ano] deve servir para melhorar o ensino e não contribuir para a sua degradação”.

Paradoxalmente, as Novas Oportunidades surgem agora revigoradas pelo seu carácter obrigatório sob a ameaça de o seu não cumprimento ter como sanção a perda do direito ao subsídio de desemprego tornando, assim, o ensino secundário em uma exigência sem qualquer justificação ou critério de justiça perante os progenitores de uma juventude (e perante a própria juventude) que dedicou, pelo menos, três anos da sua vida a um ensino equivalente a seis meses das Novas Oportunidades. Ou seja, o bónus do certificado das Novas Oportunidades com a equivalência ao 12.º ano faz com que o 12.º ano do secundário fique equivalente às Novas Oportunidades. Tão simples, injusto e ridículo como isto: o descrédito de um ensino secundário sério como baluarte de exigência que se pretende denegrir aos olhos da sociedade portuguesa em nome da bondade das Novas Oportunidades. Toda a tolerância tem limites. As Novas Oportunidades não devem nem podem ser excepção!

14 comentários:

Fernando Martins disse...

Excelente - subscrevo na totalidade!

Rui Baptista disse...

Que quer meu caro Fernando Martins, Luís Capucha desdenhou a sabedoria popular que ensina que se "a palavra é de prata o silêncio é de ouro".

E vai daí todo um desmesurado elogio às Novas Oportunidades de que é o directo responsável. Já agora, outro ditado: "Presunção e água benta cada um toma a que quer"...

Anónimo disse...

Estimado R. Baptista,
As Novas Oportunidades são um desprestígio para os formandos (mesmo os sérios, e eles sabem disso), para os formadores e para as escolas que suportam os CNO. Contrariamente ao que se pensa.
A Iniciativa Novas Oportunidades (INO) são o esplendor da educação em Portugal, mas ao contrário.
A INO é uma iniciativa... que ensina e logro. Dissemina a chico-espertice e torna-a legal e estimável.
Não fosse tão sério o diploma que é passado aos formandos, o caso sério cómico.
Mas é trágico.

A INO cheira mal da boca!
A INO não é asseada...

Parabéns pelo artigo.

Assina
Um admirador das velhas oportunidades,
não-ressabiado-nem-elistista-ao-contrário-do-que-julga-Capucho:O-Generoso.

Anónimo disse...

O termo oportunidade
passa a ter sentido novo:
quer dizer facilidade
na taramela do povo!

JCN

joão boaventura disse...

A batotice das Novas Oportunidades
ou
A escola de Thomas Lordz
ou
O percurso de carro=novas oportunidades

O que se passa com as Novas Oportunidades já se passou nos primeiros Jogos Olímpicos, principalmente na Maratona.

Como sabem a Maratona consiste em cobrir 40 quilómetros sem parar, exactamente como cobrir 12 anos de estudo escolar, se me é permitida a comparação.

Nos Jogos Olímpicos de St. Luís (USA), em 1904, o maratonista Fred Lorz, para ter a certeza de que alcançaria a meta, decorridos que foram 14 kms, meteu-se num carro até ao km 34, ciente de que ninguém saberia, que lhe permitiu um descanso de 20 kms, e correr folgadamente os 6 kms que lhe faltavam para sair vitorioso, com apenas 20 kms de desgaste físico, ou seja, metade do percurso.
Simplesmente foi descoberta a marosca, o que permitiu ao segundo, Thomas Hikcs ganhar a Maratona.

Do que se passou temos hoje no sistema educativo-laboral-tecnológico, uma aplicação similar com as Novas Oportunidades de que Thomas Lorz foi o inventor e precursor, com o que se festeja o centenário do evento, com um atraso de seis anos.

As Novas Oportunidades permite, complacente, conivente, permissiva, e desenvergonhadamente criar
milhares de seguidores de Thomas Lorz, que, a meio do percurso escolar metem-se na viatura Novas Oportunidades para chegarem mais depressa ao 12.º ano.

Nihil novum sub sole, mas todos nós somos coniventes com o governo, e, quando este cair bem pode dizer que a culpa foi nossa, como é de tradição.

Fartinho da Silva disse...

A conversa da democratização, do elitismo, do direito ao sucesso, do multiculturalismo, e blá, blá, já cheira a mofo! Com é que é possível em pleno século XXI continuar-se a justificar o injustificável com a conversa mole que justificou fim das escolas comerciais e industriais, o fim da autoridade das escolas, dos professores e dos pais, o fim da mobilidade social através do conhecimento (apesar de se afirmar o inverso), etc., etc..

Volto a perguntar: Quando é que paramos com o PREC no ensino? Não chega já? O que virá a seguir? Diplomas à nascença?

A arrogância do discurso destes irresponsáveis é comparável ao do que tanto abominam: Salazar! Portanto, só há um nome para os caracterizar: salazarinhos!

Rui Baptista disse...

Caro anónimo (27 Out., 10:52)

É conveniente que o que se passa nas Novas Oportunidades não fique nos bastidores. Este seu comentário, aliás como outros seus em outras alturas, teve o mérito de as puxar para o proscénio da opinião pública. Todos somos poucos para fazermos frente à ofensiva despudorado que o seu mentor delas faz. Ele lá sabe porque as faz em louvor de uma obra de que bem pode limpar as mão à parede

Anónimo disse...

NIHIL NOVI

Se nada de novo existe
à superfícte da terra,
nem por isso é menos triste
o erro que a frase encerra!

JCN

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura:

O seu comentário vem reforçar, com um exemplo feliz, a batota de Thomas Lorz, na corrida da Maratona, que bem se enquadra no retrato que faço das Novas Oportunidades quando denuncio os seus usufrutuários que "correm por fora das pistas da decência".

Anónimo disse...

Por mais que um salazarinho
queira igualar Salazar,
ficará pelo caminho
sem jamais o alcançar!

JCN

Anónimo disse...

JCN
Gosto das suas rimas!

Assina,
O anónimo das velhas oportunidades,
não-ressabiado-nem-elistista-ao-contrário-do-que-julga-Capucho:O-Generoso.

Rui Baptista disse...

Caro Fartiho da Silva:

Defensor acérrimo do antigo ensino técnico, cujo fim deixou o país culturalmente paraplégico pela existência de algumas (cada vez menos) cabeças pensantes e sem pernas para andar com executantes exímios como sejam os seus antigos diplomados, não podia estar mais de acordo consigo.

Mas isto é assunto para uma discussão mais alargada...

joão boaventura disse...

"A avaliação generalizou-se como meio de alcançar esses níveis, quer dizer, de desenvolver competências e induzir o desejo de formação profissional. Como é que se chegou a esta aberração? Sob a política de avaliação há a ideia de que a emulação, a competição, a concorrência constituem a essência das motivações humanas, ou seja, que a imagem de si (...) representa o factor decisivo desencadeador do desejo de desenvolver e ultrapassar ou outros." (p. 71)

José Gil
"Portugal hoje. O medo de existir" (11.ª ed.)
Ed. Relógios d'Água
Lisboa, Maio 2007

José Batista da Ascenção disse...

O trecho referido por João Boaventura está, para quem tenha a 10ª edição do mesmo livro, de 2005, na página 81.
E, na página seguinte, está escrito: "Eis porque as avaliações - e quer-se agora tudo avaliar: as escolas, as universidades, as empresas, os hospitais, as rentabilidades de toda a espécie - não vão transformar a sociedade portuguesa. Longe de lhe insuflar força anímica, retiram-lhe energia, envergonham-na sem a estimular."
Estou em crer que pessoas como Maria de Lurdes Rodrigues nuncam leram este livro ou, se leram, não terão reparado neste parágrafo. Ou então, tão obstinadas quanto o ainda 1º ministro, estão dependentes dos seus limites de percepção da realidade, que os não deixa ver o que todos vamos vendo...

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