sexta-feira, 4 de junho de 2010

O triunfo do "eduquês" – 2

Muito sinceramente, quando, aqui há tempos, alguém me falou do assunto pensei ter percebido mal e, portanto, pedi-lhe que repetisse.

O que alguém me disse, e que hoje está nos jornais, nos telejornais e na internet, foi o seguinte: os alunos que tivessem tido insucesso no 8.º ano de escolaridade e que, por isso, estivessem a repeti-lo, completando 15 anos de idade, fariam, por auto-proposta, exames nacionais de Matemática e Português de final de 9.º ano, e exames ao nível da escola das restantes disciplinas, podendo, assim, transitar para o 10.º ano. O que pensei ter compreendido mal nesta explicação foi a palavra INsucesso, que tomei por SUCESSO.

Efectivamente, o que percebi foi que um aluno, caso tivesse resultados muito acima da média, se destacasse em termos de aprendizagem, pudesse - como, aliás, virtualmente pode – passar para o ano seguinte. Isto é, lhe fosse permitido, mediante realização de exames, transitar para um nível de exigência que estivesse mais de acordo com as suas aquisições de conhecimentos. A novidade estava, neste caso, no momento de transição, que seria a da passagem de ciclo.

Mas não era assim, eu tinha sido bem informada: de facto, os alunos com SUCESSO têm de percorrer todos os anos do ensino básico, enquanto os que têm INsucesso podem saltar um ano.

Não contabilizemos as questões de justiça e da imagem da mesma que são passadas aos adolescentes, bem como da função da escola, do valor do saber, do esforço e dedicação que a aprendizagem implica, etc., etc., sem eufemismos: estamos perante uma lógica… ao contrário! E não há argumento que a posso justificar, porque ela é perfeitamente injustificável.

Que melhor prova podemos encontrar para reconhecermos o triunfo do "eduquês"?

28 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Muito bem visto, Professora Helena.
É do que se trata.
Que mais nos irá acontecer?
É esperar para ver, testemunhar e sofrer. Ao ritmo a que as novidades se sucedem, nem vai haver lugar para o espanto. E assim vamos de "vitória" em "vitória" até ao desastre total.
Que havemos de imputar... aos professores.
Pois claro!

Fartinho da Silva disse...

O eduquês, essa linguagem completamente absurda, representa a banha da cobra que se vendia nos meios rurais nos anos 40 e 50. Na altura funcionava, porque os potenciais clientes eram analfabetos. Hoje funciona em todo o país, porque, reconheçamos, somos um povo medíocre! Como medíocre que somos acreditamos na facilidade e no discurso do "doutor" da venda da banha da cobra.

Graças ao povo que somos, este lobby ganhou uma dimensão de difícil entendimento e cujas ramificações são demasiado profundas para ser erradicado sem muito trabalho, determinação e perda de muitos votos.

Fartinho da Silva disse...

E, tal como aqui referi, bastou consultar o currículo da actual Ministra da Educação e dos respectivos Secretários de Estado para perceber que o lobby continuaria a mandar neste sector.

A Ministra anunciou que os alunos têm que fazer exames.
Não anunciou que este ano têm que fazer exames e que para os anos seguintes se verá...!

Anónimo disse...

Pelo que respeita ao ensino superior e designadamente na área das humanidades, eu pessoalmente não sou contrário ao "eduquês", por constatar que ele permite e estimula a auto-formação... devidamente orientada. Falo por experiência própria, tanto no país como lá fora. JCN

José António Salcedo disse...

É lamentável que os nossos políticos não compreendam - ou não queiram compreender - que o ensino (ou o estudo, como dia esta ministra) é irrelevante. O único que conta é a aprendizagem. Em consequência, é a aprendizagem que tem de ser avaliada e não o ensino, porque o que conta, cada dia mais, é o que fica dentro da cabeça das pessoas quer em termos de competências quer de atitudes, porque será do jogo competências-atitudes que, em primeira instância, vai depender o seu futuro.

Teresa Marques disse...

Mas de acordo com o raciocínio da Sra ME e Sr PM é perfeitamente possível um aluno com 15 anos, reprovado no 8º ano propor-se para fazer exames de 9º ano, conseguir obter positiva e passar para o 10º ano! (com esforço, força de vontade...etc...etc)

Mas para um aluno com 15 anos ou menos com nível 5 a todas as disciplinas do 8º ano essa possibilidade já não existe porque está-se mesmo a ver que como se esforçou ao longo do ano... nunca iria conseguir obter aprovação nos exames de 9ºano e passar logo para o 10º ano!

Elementar este raciocínio!

Por acaso até está bem visto... não sei qual é o espanto!

Acho é que um aluno que chumbe no 10º ano e que tenha 18 anos deveria poder fazer os exames de 11º e 12º de acesso à universidade! Ora!

Estamos no bom caminho...estamos...estamos

Ah... e já agora como é que tem sido o sucesso dos alunos maiores de 23 que entraram nas universidades?

Anónimo disse...

Deixa-me tentar perceber a lógica desta medida, segundo o governo português um miúdo que não tenha capacidades para completar a escolaridade obrigatória ira conseguir ter sucesso no ensino secundário, como mais ninguem no mundo se lembrou disto?
Outra questão, se eu tivesse um filho no oitavo ano que lhe diria? Devo obriga-lo a estudar ou deixo o miúdo brincar na PS3, assim o povo português até pouca dinheiro em livros.

Carlos Pires disse...

"ficariam dispensados do exame nacional do final de 9.º ano" - a menos que eu tenha lido mal, esses alunos são obrigados a fazer os exames nacionais de Português e Matemática, além de exames a nível de escola.

Mesmo assim, a medida do governo é facilitista e a HD tem razão no que diz. Os exames nacionais são demasiado fáceis, em muitas escolas as provas a nível de escola serão também demasiado fáceis (há imensas pressões para apresentar bons resultados, isto é, melhorar as percentagens). Por isso o resultado só pode ser um: mais alunos muito mal preparados no 10º.

José Batista da Ascenção disse...

Carlos Pires:
Pode haver ainda outras implicações práticas. Suponhamos um aluno terrível, a frequentar o oitavo ano. Suponhamos também que os professores estão mais que fartos dele. Suponhamos ainda que ele é terrível e mau aluno, mas não é estúpido.
Ora, convencendo-o a fazer exames, e sabendo nós que em alguns casos, as condições de vigilância não são as melhores, e que os exames a nível de escola têm a dificuldade que os professores quiserem (isto para não falar das possíveis orientações generosas que os conhecedores das provas podem facultar...), não é difícil "chutar" um indesejável, do oitavo para o décimo, que é o mesmo que dizer, daquela escola para fora, para outra...
Tétrico?
Digam que sim, digam...
A "festa" (abandalhamento) continua depois, no ensino público, no secundário.

Helena Damião disse...

Caro Carlos Pires.
Tem razão: no meu texto falta especificar que os alunos nas condições referidas têm de fazer exames nacionais de Português e Matemática. Passo a corrigir. Obrigada.

Célia Oliveira disse...

Subscrevo a sua perplexidade. E para além das implicações que refere, sublinho a da lamentável e repetida constatação de que se promove uma cultura de mediocridade por oposição a uma, desejável, cultura de excelência.

Ana disse...

Não fiquei apenas perplexa com esta medida...fiquei, como diz uma amiga minha na brincadeira, "pásmica"... e depois, os cursos profissionais é que são um antro de facilitismo, pois é (nesses ainda se reprova por faltas, insucesso, mau comportamento, etc...sejam miúdos ou graúdos).

Caberá aos pais, como em alguns casos pessoais que conheço, ter dois palmos de testa para querer que os seus filhos aprendam e aprendam a aprender, nem que para isso concordem em mantê-los reprovados...

O sonho de deixar filhos melhores ao futuro vai-se desmoronando pouco a pouco...

Que lata vão ter os professores, agora, para exigir que um aluno trabalhe e se esforce???

Devemos ser todos uns grandes cromos por não conseguirmos manifestar senão perplexidade perante estas belas medidas socialistas...continuemos a eleger socialistas, pois então...!

João Lopes disse...

Dado que esta medida, por si só, seria puramente tresloucada, uma vez que um aluno que não consegue fazer o 8º ano (o que é de certa forma uma proeza!) jamais conseguirá fazer os exames do 9º, diria que é praticamente certo que se trata apenas do tiro de partida para as medidas seguintes (quem engendra estas medidas pode ser irresponsável mas é também, seguramente, muito intencional e determinado). Creio que o passo seguinte será a construção de provas ao nível da 1ª ou 2ª classe (1ª classe será mais seguro!) para estes alunos ou a determinação de que a simples presença no exame será suficiente porque revela extraordinário "esforço" e insuperável "empenho".
Esta medida não é mais do que a recauchutagem da ideia dos exames no final de ano para aqueles que não forem às aulas. Por isso, choca mas não surpreende. O que porventura surpreende é a inesgotável imaginação para o absurdo. O Ionesco, por comparação, nunca escreveu sobre o absurdo.

João Lopes

João Lopes

Anónimo disse...

Segundo sei só à exame nacional a Português e a Matemática um aluno que reprove no 8 ano porque é medíocre a Historia e a Física Química ou a outra coisa qualquer, no 10 ano escolhe que curso?
Parece que daqui a uns anos o governo português vai ter que criar uma nova medida em que permite que miúdos de 19 anos possam entrar na universidade mesmo sem terem completado o 10 ano, afinal de contas coitados são obrigados a ver os amigos a saírem da escola e é difícil fazer novos amigos, logo é melhor deixa-los ir para universidade para não ficarem tristes.

Anónimo disse...

De que lado... está o absurdo?!... JCN

Anónimo disse...

Onde se situa a fronteira... entre a "cultura de mediocridade" e a "cultura de excelência"?... JCN

Anónimo disse...

Esta medida apenas se aplica este ano. Os alunos nestas condições que não transitem para o 9.º ano terão de cumprir a escolaridade obrigatória até aos 18 anos por força da aplicação das disposições transitórias da Lei n.º 85/2009 de 27 de Agosto.
Penso que esta medida será de aplicação muito restrita e que poucos alunos conseguirão retirar verdadeiro partido dela. Se um aluno está no 8.º Ano com 15 anos não será um "aluno modelo" pelo que realizar exames nacionais e de equivalência à frequência do 9.º ano (que nunca frequentou) não será NADA fácil.
Quanto a "saltar" um ano de escolaridade (por ser um aluno excepcional) tal já é possível desde 2005, pela menos, pela aplicação do Despacho n.º 1/2005 de 5 de Janeiro entretanto actualizado já em 2010 (a medida é mantida) sem a realização de exames.
Assim, não percebo muito bem o porquê de se atacar as medidas sem referir objectivamente todos os factos...

Américo Pereira

Anónimo disse...

Sr. Américo Pereira, agradeço-lhe imenso pois graças a si ficou a questão esclarecida. E explico: quando estava no 12º ano, havia rumores de que se podia fazer ambas as fases de exame nacional e contava a melhor nota, mesmo que se tivesse obtido aprovação à primeira. Quando perguntámos a uma professora, ela calmamente respondeu: "Ah, tenho pena, isso foi só o ano passado porque a filha de um ministro que não posso nomear precisava para entrar na faculdade..."
Sobram apenas duas perguntas: de que ministro é o filho de 15 anos que tem andado a engonhar no 8º ano, e se daqui a uns anos ele também vai ser primeiro-ministro...
Ana

Fartinho da Silva disse...

Caro Américo Pereira,

De que factos está a falar? Da Lei x, do Despacho y, da Orientação z? Essa forma de discutir factos foi feita durante muitas dezenas de anos na antiga União Soviética!

Resultados? Pois, parece que o sistema faliu! Porque terá sido?

Lembre-se que há muita gente neste país que trabalha, por vezes, mais de dez horas diárias para pagar impostos e esses impostos não podem servir para que uns burocratas, sem mais nada para fazer, criem leis, despachos e orientações absurdas!

Numa empresa bem gerida, a pessoa que criou tais enormidades já teria sido colocada no seu lugar! Mas como quem cria estes absurdos não percebe e provavelmente nem quer perceber que "gerir os dinheiros dos outros requer mais responsabilidade que gerir os próprios", talvez nem valha a pena demonstrar a nossa enorme perplexidade por tudo o que o Ministério da "Educação" tem feito neste país.

Espero que agora tenha percebido como uma parte substancial da população está completa e absolutamente farta da sovietização das escolas públicas e até dos colégios privados (e sei bem do que falo), na funcionalização dos professores e na tentativa de evitar que as sinapses dos alunos se desenvolvam!!!!

Ana disse...

Se os exames do 9o ano continuarem tão "difíceis" como tenho constatado que são, é um milagre se os repetentes com mais de 15 anos conseguirem passar...mas, como veremos, milagres acontecem às carradas eheheh (se é que me entendem).

Não há lei, facto objectivo, ou medida que justifique a ABERRAÇÃO em que este ensino se tornou. Daí que eu acabe com adultos que perguntam porque é que não se vai buscar petróleo aos peixes (já que estes ficam contaminados com o petróleo, entenda-se...).

E, infelizmente, aquilo a que chamam de eduquês já chegou ao ensino secundário. Ou não teriamos mestrandos a perguntar se o controlo de uma experiência (a que carinhosamente chamamos de "branco") se faz com leite, ou que cheguem ao final de um curso de ciência e não saibam calcular a concentração de uma solução. É o bolonhês! :p

Anónimo disse...

Sr. Martinho da Silva

1. Pelo que diz, deve solicitar já o fim da escolaridade obrigatória. Assim deixamos de ter problemas. Apenas a elite terá o seu lugar e todas as escolas terão bons alunos e bons resultados. Os alunos que são mais fracos saem da escola, ou não passam dos primeiros anos de escolaridade, tal como acontecia à 30 anos atrás. As ideias de Darwin aplicadas à escola...
AH... as fábricas que iriam precisar de mão de obra barata já fecharam, foram para a China, ou utilizam robôs de última geração...
2. Nunca concordei com os ideais do comunismo soviético (nem de perto, nem de longe). No entanto, muitos dos problemas que enfrentamos agora, de um modo global, têm a ver com a desregulamentação geral que se assistiu desde os anos 80 do século passado, nos países anglo-saxónicos (EUA e Grã-Bretanha) em resultado da aplicação das ideias do neoliberalismo. Deixa-se fazer tudo, o mercado faz o que quer, sem regras, e vejam no que deu... Agora apliquemos as mesmas ideias na educação e iremos ver no vai dar...
AP

Anónimo disse...

Se não aconteceu... podia ter acontecido?!... JCN

Ana disse...

Por secundário, entenda-se superior. Sorry pelo lapso...provavelmente estava a pensar q qq dia é tudo a mesma coisa...

Precisamos de novos modelos, urgentemente. Económicos, sociais, educativos, de mobilidade, de ruralidade, de desenvolvimento sustentável, políticos, etc e tal, a lista é infinda. Não precisamos de comunismos, socialismos, capitalismos, liberalismos, blá blá, todos falhados até hoje.

Mas o que é certo é que o sustentáculo de qq civilização é a educação. Mas, como o controlo das massas passa pela deseducação e desinformação...é dividir para reinar e controlar. Big Brother is watching you...

Fartinho da Silva disse...

Caro AP,

Não sei de como pode concluir que sou neoliberal ou que defendo isto ou aquilo.

Defendo uma coisa muito simples, defendo uma escola a sério, defendo uma escola que transmita o conhecimento e a cultura conquistas pelas gerações anteriores, onde os professores estudam e ensinam, os alunos estudam e aprendem e os encarregados de educação se encarregam da educação dos seus educandos. Simples e eficaz!

Parece simples, mas em Portugal... como podemos ver, as coisas simples são completamente impossíveis de colocar em prática, porque há lobbies a alimentar e todos sabemos que lobby domina este sector em Portugal.

Emanuel Mendonça disse...

Não seria melhor, aquando do nascimento, efectuar logo um sorteio do doutoramento a atribuir ao recém-nascido? Poupava-se uma carga de trabalhos e a criança tinha muito tempo para brincar e assim preparar-se convenientemente para a vida.

O Sr. Fartinho da Silva disse que o sistema soviético faliu. Felizmente! Mas teve uma coisa boa. Uma boa formação escolar e hoje isso vê-se. Vejam os emigrantes de leste. E já agora também a Ásia (sei que não era toda comunista, mas tem a atitude certa). Se na Índia tivessem ministros da educação como os nossos, será que teriam o sucesso que têm?

Fartinho da Silva disse...

Tem toda a razão, Caro Emanuel Mendonça. Quando me refiro à União Soviética, refiro-me ao planeamento hiper-centralizado, à imposição de uma ideologia única e à tentativa de transformar todos os homens num homem novo e igual a todos os outros.

Anónimo disse...

Caro Fartinho da Silva

Concordo inteiramente consigo quando diz "defendo uma escola a sério, defendo uma escola que transmita o conhecimento e a cultura conquistas pelas gerações anteriores, onde os professores estudam e ensinam, os alunos estudam e aprendem e os encarregados de educação se encarregam da educação dos seus educandos. Simples e eficaz!"
Apenas questiono: Como fazer isso atendendo à diversidade cultural dos alunos portugueses, ao seu "background", à falta de interesse e autoridade de muitos pais/encarregados de educação, à tendência para o "zapping" nas actividades escolares (desistência rápida de muitos alunos em concluir tarefas e passagem rápida para outro assunto, de preferência não escolar), à falta de tempo e ambiente propício ao estudo em casa...
Apesar de tudo, acredite que a maioria dos alunos adquire os conhecimentos mínimos e existe uma grande franja de bons alunos, tal como sempre. A diferença de hoje relativamente àquilo que acontecia à 30 anos tem a ver também com a própria evolução da sociedade, a começar pelo impacto crescente dos novos meios de comunicação.
AP

Fartinho da Silva disse...

Caro AP,

Como fez a Alemanha, Finlândia, Canadá, etc.; ou seja como fizeram os países que ignoraram o eduquês e seus derivados.

Há povos que dão mais importância ao conteúdo que à forma ao contrário de nós. E os resultados estão à vista de todos.

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