sexta-feira, 11 de junho de 2010

PATENTES DE GENES?


Minha crónica no "Sol" de hoje:

A notícia correu mundo. A 20 de Maio último a equipa do norte-americano Craig Venter (na imagem), líder de um instituto que tem o seu nome, publicou na revista Science um artigo em que anunciava uma grande proeza da biologia moderna: a síntese in vitro do genoma de uma bactéria, acrescentando algumas modificações (que incluíam os nomes dos cientistas e um endereço de e-mail), e a sua inserção numa outra bactéria, que se conseguiu reproduzir rapidamente como se fosse um organismo normal. Mal comparado é como se se obtivesse uma receita de um prato a partir dele, se alterasse esta pontualmente, e, a partir de produtos químicos avulsos, se conseguisse criar um novo prato muito parecido com o primeiro.

Venter não perdeu tempo e solicitou já várias patentes relativas à experiência realizada, uma vez que ela abre perspectivas a numerosas e lucrativas aplicações. Mas poderá ele obter uma patente do genoma codificado (que mais não é do que um código feito de quatro letras)? De facto, apesar de não estarem autorizadas patentes de organismos vivos, cerca de vinte por cento do genoma humano, descodificado com a ajuda do próprio Venter e muito mais complexo do que o de uma bactéria, encontra-se patenteado. Por estranho que possa parecer há mesmo patentes de genes. Mas esse tipo de procedimentos pode ter os dias contados…

Dois meses antes do anúncio da “vida sintética”, um juiz federal de Nova Iorque deferiu uma acção apresentada pela União dos Direitos Civis Americanos e pela Fundação de Patentes Públicas no sentido de cancelar as patentes dos genes BRCA1 e BRCA2 (as iniciais são de Breast Cancer), cuja mutação é responsável por certas formas hereditárias de cancro da mama e dos ovários. A posse dos direitos pela empresa Myriad Genetics e por uma fundação ligada à Universidade de Utah permitia a exclusividade da realização de testes genéticos. Qualquer pessoa tem de lhes pagar três mil dólares para saber o seu factor de risco. O juiz considerou que as patentes tinham sido atribuídas “de forma imprópria” por os genes fazerem parte do DNA humano e estar envolvida uma “lei da Natureza”. As partes prejudicadas pela sentença vão recorrer. Mas, se a batalha jurídica for ganha por quem agora ganhou a guerra, entrar-se-á numa nova era do direito da biomedicina.

Esta questão das patentes na biotecnologia é extraordinariamente quente. De um lado está o interesse público e do outro o interesse de empresas particulares. Parece simples, mas não é. As empresas reclamam que o progresso da ciência e da tecnologia ficará prejudicado se os inovadores não forem devidamente recompensados. Aguardam-se os próximos capítulos desta novela científico-legal.

2 comentários:

Ana disse...

Hoje, patentes de genes, amanhã de organismos? Segue-se o quê, clones humanos patenteados? Uma coisa é atribuir uma descoberta a uma equipa ou equipas, um prémio pelo mérito e inovação. Outra coisa totalmente diferente é patentear vida. Ciência sem consciência, não!

Ana disse...

Por essa ordem de ideias, Francis & Crick tb poderiam ter reclamado a si a patente da molécula de DNA. And so on... hoje, há a luta por punhados de terra, amanhã por partes da vida?...

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