quarta-feira, 23 de junho de 2010

Não era o fumo...

Primeiro vi a notícia numa daquelas revistas que só com muito boa vontade se designam por cor-de-rosas, depois vi uma entrevista num canal de televisão generalista. E o que vi foi algo que se não lido nas palavras de João Bénard da Costa, eu teria alguma dificuldade de entender. O melhor é explicar…

Imagine-se que em título, na tal revista, se lia: “Filho fuma e a mãe, que já o viu fumar, não se importa”.

Ainda que o filho fosse maior de idade com certeza que nos indignaríamos. Que mãe não se importaria que o seu rebento fizesse perigar a sua saúde!? E se o caso fosse à televisão seria certo e sabido que umas tantas associações viriam exigir pelo menos o mesmo tempo de antena para, em primeiro lugar, reclamar o destaque que a comunicação social dava a um comportamento de risco, abeirado do pecado, e, em segundo lugar, para listar todos esses riscos, deixando no ar a promessa de que, uma vez evitados, era possível encontrar a salvação (que sendo apenas carnal, não deixa de ser salvação!).

Felizmente a notícia em causa não se reportava ao comportamento de fumo, é muito menos preocupante: reportava-se apenas e só a caso de um filho que decidiu fazer filmes pornográficos e a mãe, que já viu a sua representação, não se importa. Instruiu-nos o apresentador de televisão que se trata de uma opção de vida, e que ninguém deve atirar pedras ao ar porque telhados de vidros todos têm.

Foi aqui que me lembrei de uma deliciosa crónica de Bénard da Costa intitulada Era o fumo, publicada no espaço que ele tinha no jornal Público e que se chamava A casa encantada. Contava ele em 22 de Abril de 2007:
Aqui há uns anos, num congresso da Federação Internacional de Arquivos de Filmes (…) houve um simpósio em que cada cinemateca apresentou singularidades das suas colecções.

Belgrado por exemplo mostrou uma colecção de filmes pornográficos dos anos 20 e 30, encontrada no castelo de um arquiduque servo-croata (…) que apreciava orgia e apreciava ainda mais filmá-las. De modo que tinha uma vasta colecção que “documentava” autênticos bacanais, com os convidados a mostrar as suas habilidades (…)

Na mesma sessão, uma cinemateca americana mostrou uns filmes publicitários de antanho, desses que passavam nos intervalos dos cinemas (…) Eram uns filmezinhos de uns cinco minutos se tanto, que contavam uma espécie de história como chamariz para o produto que se queria vender. O que projectaram publicitava os cigarros Philip Morris.

No fim da sessão, em conversa a propósito do que víramos, alguém comentou que os organizadores tinham sido atrevidos ao exibir a pornografia jugoslava. Respondeu-lhe um outro: “…daqui a uns anos o filme dos cigarros nem em congressos muito especiais os vamos ver mais”.

Na altura, anos 80, achei uma boa piada. Hoje tiro o chapéu à clarividência. Ai de quem viesse em público defender a proibição de filmes pornográficos (…) Mas ninguém, nem o mais ousado distribuidor, se atrevia a projectar mesmo para adultos com sólida formação moral o filme da Philip Morris. Quem o censurasse não corria o risco de lhe chamarem nomes feios. Estava a proteger a nossa preciosa saúde e a dos nossos ascendentes e descendentes. Censura? Qual censura, qual carapuça. Com a saúde não se brinca (…).

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

O convés, cheira à óleo queimado e tacho de cobre engraxado.

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