segunda-feira, 7 de junho de 2010

Em Portugal, avalia-se mal


Artigo de Nuno Crato (Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática):

Temo-lo dito inúmeras vezes: seria bom que o Ministério da Educação promovesse uma avaliação honesta, rigorosa e consistente dos alunos e que desse liberdade aos professores e às escolas para orientarem, responsável e livremente, os processos de ensino. Aparentemente, ninguém o contesta, mas na prática passa-se exactamente o contrário. O Estado controla ao pormenor o ensino público e privado, contrata e coloca centralmente os professores, preocupa-se em normalizar as durações das aulas e dá orientações de pormenor sobre os métodos de ensino. Mas pouco avalia. E, quando avalia, avalia mal.

Um exemplo do controlo centralizado seguido pelo Ministério é a forma como estão a ser postos em prática os novos programas de matemática do Ensino Básico. Começou por ser encomendado um simples “reajustamento” dos programas. Mas a equipa que fez esse “reajustamento” passou pouco depois a falar em “novos programas”. E agora, que a anterior ministra homologou as alterações — no meio de críticas gerais, nomeadamente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) —, a equipa ou parte dela está a coordenar uma “formação” centralizada sobre esses programas. Por todo o país são destacados professores que irão formar outros professores. Há reuniões regulares, pedem-se relatórios de implementação e questionam-se os que não convencem devidamente os seus colegas.

Imaginar-se-ia que se estaria a explicar por que se insiste mais na Geometria e como se pode introduzir o raciocínio dedutivo. Mas não. Montou-se uma gigantesca operação de conversão dos professores a uma crença pedagógica. O que parece ser central é saber se os formadores dos diversos pontos do país conseguem ou não convencer os seus colegas a adoptar uma antiquada ideologia, que é apresentada como se fosse nova. A preocupação é saber se os professores adoptam ou não a crença de que a máquina de calcular deve ser colocada nas mãos de crianças que ainda não sabem a tabuada, de que a matemática deve ser toda ensinada com base em actividades dispersas, de que dessas actividades surgirá interesse pela matéria e de que é, sobretudo, a partir de “actividades de exploração e de investigação” e de “problemas não rotineiros” que os alunos “constroem o seu conhecimento”.

O problema, claro, é que estes exageros são altamente nocivos. Os bons professores sabem há muito que esta crença pedagógica não funciona. Mas os mais novos ficam confusos. Outros fingem acreditar. A realidade é que toda a investigação da psicologia cognitiva moderna tem vindo a revelar o contrário: a aprendizagem deve ser bem estruturada, o ensino directo tem um papel importante e a escola torna-se muito ineficiente se usar predominantemente actividades dispersas, passando a ser difícil, se não impossível, aprender matemática. Os mais prejudicados, como sempre, serão os alunos com mais problemas e sem recursos alternativos. Todos vêm isso, menos os que estão fora das salas de aula e perderam contacto com a realidade.

A juntar a tudo isto, recomenda-se uma nova notação para a geometria (felizmente, é apenas uma recomendação!). Mas as alterações de notação e de terminologia apenas devem ser feitas quando isso é indispensável, e devem ser coordenadas de forma a evitar incongruências de ano para ano e de escola para escola. Não é o caso. A dita “nova notação” é tudo menos consensual — e é infantilizadora. Por isso, legitimamente, muitos manuais decidiram não a adoptar. E muitos professores decidiram manter a notação consagrada pela prática. A larga maioria está em desacordo com a mudança.

A propagação desta ideologia pedagógica é o resultado de um revoltante abuso de poder. Usurpou-se uma tarefa de reajustamento de conteúdos curriculares, logrou-se uma indiferença do Ministério e aproveitou-se a ocasião para tentar uma propagação autoritária de uma crença ideológica sectária. Além dos problemas éticos, é duvidoso que não haja em tudo isto uma flagrante ilegalidade.

O problema seria ultrapassável, embora a prazo e com prejuízo de gerações de estudantes, se o Ministério fizesse o que devia, que é promover a avaliação dos alunos de forma rigorosa, independente e consistente. Se isso fosse feito, rapidamente se veria que estes exageros da antiquada pedagogia romântica conduzem ao desastre.

Mas a avaliação foi transformada numa caricatura. Não há exames externos até ao 9.º ano de escolaridade e, mesmo nesse, a nota de exame representa apenas 30% na classificação final. Antes disso, há umas provas ditas de “aferição” que não têm peso nas notas, com excepções das raras escolas em que os professores assim o decidem. Mais grave ainda: essas provas, que antigamente eram feitas por amostragem e de quase nada serviam — sendo apenas usadas por alguns responsáveis para tentar “mostrar” que não vale a pena aprender a fazer contas —, foram transformadas em provas gerais sem serem devidamente adaptadas. Antigamente, poderiam ser normalizadas (“norm-based”), tendo perguntas muito elementares para aferirem o real estado do ensino. Mas, quando foram generalizadas e publicitadas, tornando-se inevitavelmente em provas de referência, deveriam ter alinhado o seu nível de dificuldade com os programas, os manuais e as práticas (“criterion-based”), para poderem solidificar, confirmar, ou mesmo elevar os níveis de exigência da escola. Isso não aconteceu, de forma que se tornaram num instrumento de desmoralização pedagógica, perguntando a alunos de 6.º ano de escolaridade quanto é cinco mais dois ou quanto é oito a dividir por quatro, com recurso à máquina de calcular.

No meio de tudo isto, torna-se praticamente impossível avaliar os resultados das práticas lectivas. Como tudo seria diferente se, em vez de controlar processos, o Ministério promovesse a avaliação de resultados! Como tudo seria mais justo se os professores pudessem ajustar com liberdade os métodos que melhor funcionam e se, ao fim dos anos, fosse visto, pelos resultados dos alunos, quais são as melhores maneiras de progredir! Mas não: em Portugal controla-se muito, mas avalia-se mal.

Nuno Crato

3 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Pois, Dr Nuno Crato. Agora temos de multiplicar o problema da matemática pelas outras disciplinas todas.
Se bem que algumas (que podem nem ser disciplinas, veja-se o caso de Área de Projecto...) não sabe a gente para que servem, e, no mínimo, deviam ser facultativas. Para quem lhes achasse utilidade...

Fartinho da Silva disse...

Em Portugal existe um poderosíssimo lobby que tudo tem feito para evitar que se descubra aquilo que os alunos realmente sabem. Este lobby tomou conta de quase todos os órgãos de regulação deste sector e até das associações de professores (basta ver o a Associação de Professores de Matemática diz do "novo" programa de Matemática e das novas "notações"...). Duvido que este lobby permita a realização de exames nacionais sérios e a todas ou a quase todas as disciplinas desde a antiga 2ª classe. Como sobreviveria depois do país se deparar com a realidade? Assim, mantém bem viva a Alegoria da Caverna de Platão, é seguro e garante a sobrevivência, pelo menos, enquanto ninguém olhar para trás e ver o... Sol!

Nan disse...

E haviam de ver o novo programa de Língua Portuguesa! Garanto que mete medo!

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