sexta-feira, 18 de junho de 2010

As vuvuzelas sul-africanas e as carpideiras portuguesas

“A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido, não na vitória propriamente dita” (Mahatama Gandhi,1869-1948).

No último “Prós & Contras”(14/05/2010), em que se debateu o Campeonato Mundial de Futebol 2010, um professor universitário de marketing teve o uso das vuvuzelas como fenómeno cultural do povo maioritário da África do Sul. Sem entrar nesta discussão, para a qual me falecem os conhecimentos do domínio antropológico cultural e social, remeto-a para os respectivos especialistas.

Já sob o ponto de vista da sua acção sobre a concentração necessária a jogos altamente competitivos e desgastantes sob o ponto de vista nervoso de uma competição a nível mundial ninguém poderá pôr em dúvida a sua acção nefasta . Mas não são as vuvuzelas a essência deste meu post. São as carpideiras nacionais a anunciar o pessimismo nacional de um povo habituado a um triste destino propalado aos sete ventos, em choros convulsivos mesmo antes de tempo.

Carlos Queiroz é a figura central de uma tragédia pré-anunciada, e que muitos gostariam de ver consumada como prova da sua razão. Portugal empatou com a equipa da Costa do Marfim como se essa equipa não fosse a mais forte do continente africano pejada de atletas de grande porte físico e uma técnica apurada. Se as cores nacionais tivessem ganho por um golo logo viriam os profetas da desgraça dar conta de um desaire por Portugal não ter ganho por dois, três ou mais golos...

Mas não termina aqui o fadário de Carlos Queiroz. Aproxima-se o jogo decisivo com a Coreia do Norte e o seleccionador nacional encontra-se na incómoda posição de ser preso por ter cão e preso por não ter. Atente-se no “caso Deco”. Se o puser a jogar e Portugal perder (“vade retro Satanas”!) logo virão as críticas: “É um fraco, depois das declarações que ele fez depois do jogo com a Costa do Marfim nunca o deveria ter posto a jogar”. Encaremos agora a mesma derrota sem o Deco: “É um vingativo, não perdoou as suas declarações e o desaire ficou-se a um torpe desforço”.

Entretanto, é esquecido que o primeiro golo do Brasil contra a Coreia do Norte foi um golpe de sorte, como de azar foi o remate potentíssimo de Cristiano Ronaldo contra um dos postes da baliza da Costa do Marfim. Mais é esquecido que as indicações de Tony a Ericson foram preciosas na denúncia das fragilidades da equipa das quinas. Finalmente, sem esgotar o tema, é esquecido que Deco e Simão Sabrosa já não são os jogadores que foram no último Campeonato da Europa em que fomos finalistas tendo perdido com a Grécia. Entretanto, é esquecido…

Carlos Queiroz tem atrás de si um invejável currículo que nenhuma esponja de má vontade pode apagar: treinador, seleccionador e vencedor de dois campeonatos mundiais de sub-20, donde saiu uma plêiade de jogadores portugueses havidos entre os melhores do mundo, treinador adjunto de Sir Alex Ferguson de quem mereceu os maiores elogios, convidado para treinar a Selecção Mundial de Futebol da FIFA, etc.

Seja como for, Carlos Queiroz quer fracasse, quer vá longe neste campeonato mundial não merece o ódio visceral ou a paixão assolapada de massas volúveis. E muito menos ser crucificado na praça pública para dar trabalho às carpideiras nacionais. No final, nas mesas de um possível fracasso ou inesperado sucesso da selecção nacional de futebol, uns irão banquetear-se com ódios que não tenho; outros empanturrarem-se com apoios apaixonados que não tiveram na divida altura. Não me sentarei em nenhuma das mesas.

10 comentários:

margarida disse...

Provavelmente o texto mais sensato que já li sobre o assunto. Obrigada pela clarividência serena.
Como também não me quero sentar em nenhuma das duas, 'bóra' lá dar um passeio e desfrutar da natureza de que ainda dispomos.
Jogos são jogos, vida é vida.

Rui Baptista disse...

Prezada Margarida:

Grato pelas suas amáveis palavras.

Mas numa época de crise em que o governo manda apertar o cinto às classes baixa e média, por uns tantos privilegiados usarem suspensórios, e lhes diz, quase diariamente, ter duas notícias para dar, uma boa e outra má (a boa é que não vai aumentar os impostos, a má que os vai aumentar!) as suas palavras – “jogos são jogos, vida é vida” – definem um efémero estado de graça (com a duração do Campeonato Mundial de Futebol ) num estado de desgraça que já nos aflige e nada de bom augura para um futuro de maior crise económica, social e política.

O futebol, neste dealbar de milénio, continua a ser o ópio do povo, em substituição do circo romano de que nos fala, na passagem do 1.º para o 2.º século d.C., Juvenal nas sua “Sátiras” :”Panem et circenses”. Hoje, pão e futebol: pouco pão e muito futebol.

jpt disse...

Está na natureza das coisas que o seleccionador de futebol seja sistematicamente criticado. Queiroz, que já o foi várias vezes, sabe-o bem. Não me parece grave.

Não está na natureza das coisas que um professor de marketing fale das vuvuzelas como algo característico do "povo maioritário" de um qualquer país. Reside apenas na ignorância do professor de marketing. E de quem lhe dá voz na televisão, já agora.

Rui Baptista disse...

Caro jpt:

Carlos Queiroz está a ser o cepo das marradas da frustação de um povo que se vê obrigado a apertar o cinto, e que, como tal, gostaria de ver, pelo menos, a equipa nacional de futebol não ser o espelho de uma "apagada e vil tristeza".

Quanto às vuvuzelas elas são tão irritantes para quem assiste ao jogos de futebol na televisão que a Meo (passe a propaganda) já beneficia os seus clientes com a supressão desse ruído irritante. Povos diferentes, manifestações culturais diferentes...

Ana disse...

Discordo que o futebol seja o ópio do povo por excelência, :). Essa "honra" cabe à religião.

O futebol é, sim, o rei do entretenimento, pelo menos em alguns países, que não só tem comparação com o circo romano, como, arrisco a acrescentar, com os torneios medievais, artificios destinados a acalmar os instintos guerreiros e territoriais dos homens e a mantê-los em forma e alerta, em tempo de paz. Pudessem todos os conflitos ser resolvidos num relvado...

Quanto ao destino da selecção portuguesa, basta ver o trabalho de equipa (e individual) dos jogadores do Brasil para temer pelos representantes de Portugal, eheheh. :)

As vuvuzelas...ai as vuvuzelas! confesso que não me incomodam, ehehehe, mesmo nada, pelo que sou suspeita para falar ;-). Mas decerto que a concentração dos jogadores não será a mesma debaixo do chinfrim que dizem que é. E não deixa de ser cómico ver os esforços dos treinadores para comunicar com os jogadores, ou dos comentadores a tentarem ouvir-se uns aos outros. Nada que não se resolvesse com uma bela leitura labial, eheheeh, mas não deixa de ter o seu lado cómico.

Rui Baptista disse...

Cara Vani:

O futebol é um dos ópios do povo, logo não é único.

Quanto aos sul-americanos, principalmente os brasileiros e os argentinos, são ímpares no malabarismo com a bola.O Brasil é, pois, um perigo para as cores portuguesas.Igualmente, os norte-coreanos. Mas haja esperança!

A Língua Gestual Portuguesa, plenamente de acordo, seria uma boa solução para o ruído infernal das vuvuzelas.

Os nossos jogadores conhecem bem um gesto eternizado por Rafael Bordalo Pinheiro. Mas em certas situações não chega. Até porque o futebol deixou de ser uma escola de virtudes.Enfim, sinais dos tempos...

Cordialmente,

Anónimo disse...

Não percebem nada da bola. Pobres setecurianos!

Ana disse...

Pois não, não se percebe nada de bola neste canto...nada de nada, aliás...

E no entretanto, pobres coreanos! A sério, sabe-se lá como o "grande lider" os irá receber. Espero que Portugal esteja fora do alcance dos misseis intercontinentais da coreia do norte...ehehehe...

Rui Baptista disse...

Errata: Na última linha do último §, onde está na "divida", rectifico para "devida".

Anónimo disse...

Tenho uma vuvuzela preparada
para quando o governo for corrido
lhe fazer, à partida, com ruído
uma tremenda e grande surriada!

JCN

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