capacidade de indignação
perde a própria razão de ser”
(Miguel Torga).
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Como costumo dizer, quando se é novo têm-se os olhos postos no futuro, na meia idade preocupamo-nos com o presente, na velhice (mas haverá mesmo velhice, quando Francis Bacon nos diz que “velhos são os que têm mais quinze anos do que nós”?) damos connosco a recordar o passado.
Por me enquadrar no terceiro exemplo, de quando em vez dou comigo a folhear uma pasta onde arquivo um extenso acervo de recortes de jornais de artigos de jornal da minha autoria, publicados ao longo dos anos, como acontecido hoje num dia chuvoso que convida à melancolia. E se “o algodão não mente”, como dizia o anúncio da televisão, são esses recortes prova da veracidade da respectiva transcrição.
Assim, para memória futura, julgo ter algum interesse um extenso artigo de opinião, publicado vai para mais de vinte anos, em que eu dava conta de verdadeiras asneiras, autênticos buldozers a abrir caminho para dislates futuros bem mais graves. Dele transcrevo uns tantos excertos:
“O ministro da Educação [Roberto Carneiro] não se assume aos olhos dos portugueses como detentor da verdade (são palavras suas: ‘Acredito imensamente no diálogo porque ninguém é senhor da verdade’) e muito menos como sequaz de um absolutismo que o autorize a afirmar: A reforma educativa sou eu. E, logo, acrescenta: ’Se as pessoas não comunicam, se as pessoas não falam, não há educação. Por muito empedernidas que sejam as pessoas, é impossível dizer-se que não aprendem nada com a comunicação com as outras pessoas’.
Consequentemente, acredito no maestro e na partitura o que não invalida as dúvidas que possa ter (e que tenho) sobre alguns instrumentistas que dão as suas fífias. (…) Isto porque qualquer Lei de Bases do Sistema Educativo [recorde-se que ela foi publicada num clima de intolerável pressão entre o ministro da Educação e 30 associações sindicais e afins, em que se transformaram anões em gigantes e gigantes em anões], por melhor que seja, é desvirtuada das suas intenções e, o que é mais grave ainda, sujeita-se ao descrédito da gargalhada pública quando servida por despachos normativos que, em vez de a bem consubstanciarem, a transformam em frágil esqueleto humano suportando grotesco antropóide!
Mas como é consabido, qualquer reforma educativa deverá fazer convergir a sua principal atenção sobre o educando, todavia, o elemento mais difícil de uma transformação sensível porque ela depende substancialmente de condicionalismos culturais e socioeconómicos vários quase impossíveis de modificar numa única geração. Portanto, a ductilidade e a eficiência de uma reforma educativa está mais na formação dos docentes, nos programas, nos compêndios, na carga horária e nas instalações escolares. Foi talvez essa a intenção inicial que presidiu à criação das Escolas Superiores de Educação (ESE) .
E se daqui aplaudo a melhoria que elas vieram trazer [hoje, face à má preparação dos alunos, de uma forma geral, saídos do 1.º ciclo do ensino básico, ponho em questão o meu aplauso de então] à formação dos professores do Ensino Primário, dos educadores de infância – até aqui a cargo de escolas de ensino médio – e, principalmente, dos professores de Trabalhos Manuais, habilitados, tão-só, com os cursos das extintas escolas industriais e comerciais, doem-me as mãos para o fazer no que concerne à formação dos futuros professores do 2.º ciclo do Ensino Básico (actual Ciclo Preparatório), a maioria dos quais habilitados até então com uma licenciatura universitária.
As ESE pululam por este país fora, majestáticas, luxuosas, arrogantes. São herança que nos veio da estranja e que passa de mão em mão, de governante em governante, sem que os seus legítimos administradores devam deixar de passar um dia sem agradecer a dádiva… mas quando aplicada na melhoria (e nunca no retrocesso) das habilitações científicas e literárias necessárias para a docência, porque ‘nem mesmo tratante se pode ser sem alguma instrução ou tirocínio’, como escreveu Ramalho Ortigão. [E isto aconteceu numa altura em que o número de licenciados em Letras no desemprego era já muito numeroso].
Como podem as ESE formar docentes capazes para as disciplinas de Português e Matemática, por exemplo? E com essa tremenda prolixidade formativa darem a garantia de o fazerem tão bem como a Universidade com as suas faculdades específicas devidamente preparadas e apetrechadas, através dos anos ou até dos séculos, caso da Universidade Coimbra, com estruturas humanas (professores, assistentes e investigadores) e materiais (bibliotecas, laboratórios, centros de investigação, etc.)?
Será cada uma das ESE, por si só, uma super-universidade? [Uma consulta ao cursos ministrados, actualmente, numa escola superior de educação do ensino politécnico dá-nos uma listagem de, nada mais, nada menos, de uma dúzia de cursos, que vão desde a Educação Básica - inicialmente unicamente para a formação de professores do 1.º ciclo do básico - à Animação Socioeducativa, Comunicação Social, Música, Teatro, Turismo, Gerontologia Social, etc.].
Admitindo-o, teremos que admitir que as universidades sobrecarregam desnecessariamente o erário público. Morte, portanto, à formação de professores nas Faculdades de Letras e de Ciência, e vivam as ESE, porque a politica parece ser a de dar pouca importância futura ao ensino imediatamente sequente à aprendizagem das primeiras letra, deixando de competir, assim, à Universidade a formação académica dos respectivos docentes!
E de cacetada em cacetada, de aviltamento em aviltamento, de desonra em desonra (o mal é começar), vislumbre o leitor, hoje pai, amanhã avô, as gerações actuais e vindouras a saírem das nossas escolas com nove anos de escolaridade com pouco mais do que escassos e insuficientes conhecimentos dados por um diploma de estudos do ensino primário de há décadas atrás [quando as palavras escritas de maneira incorrecta eram havidas como erros de ortografia e para fazer simples contas de somar não eram necessárias máquinas de calcular].
Pobre de matérias primas, sem cérebros, mas soberbo das suas reformas educativas Portugal será no futuro um país cavernícola! (“Diário de Coimbra”, 21.Abril.1988).
Escreveu Ernst-Wolgang Böckenforde, professor universitário e juiz do Tribunal Constitucional de Karlsruhe: “Na vida de um indivíduo dão-se situações em que uma intervenção pelo direito e pela justiça, o alcançar a reposição da justiça causa perturbações nas oportunidades da vida. Há situações em que se é remetido para a indulgência, religiosamente ao perdão, de ser remetido para a renúncia a exigir o próprio direito, para desse modo ganhar novo terreno”.
Na educação, mesmo a denúncia pública de quem tem dito que o rei vai nu de nada tem valido para que a uns tantos erros se não acumulem a outros tantos cada vez mais graves. Seja como for, é uma acção, quase diria, patriótica denunciar que o ensino em Portugal se transformou num embuste tremendo de facilitismo, ou mesmo em doxomania ministerial, para apregoar, urbi et orbi, que o nosso país tem uma percentagem de literacia que nos coloca em cómoda ou, mesmo, invejável posição.
Embora com poucos ou nenhuns resultados, é este um dever de cidadania (incómoda cidadania) de que não abdico, embora sabendo ser um simples soldado raso de uma campanha em que outros ganharam as estrelas do generalato.
6 comentários:
Quem ganha as batalhas, meu caro Dr. Ruy Baptista, não são os generais, mas os soldados rasos, muito embora não fiquem com as honras. JCN
Meu Caro Professor: Na verdade ficam com as honras e o soldo (nome que se dá aos vencimentos dos oficiais), mas mesmo pago, como soldado, não abdico de ser uma peça menor de um combate sem quatel pela melhoria do Ensino. A juventude merece-o, o país exige-o.
Cordiais cumprimentos.
Errata: Na penúltima linha do meu comentário (18:08)onde está "quatel", emendo para quartel.
Generais ou soldados, o que importa é lutar(mos). E não desistirmos da (boa) luta.
E em matéria de luta, honesta, persistente e rigorosa, em meu sentir, Rui Baptista é já Marechal.
Mas um Marechal do peito, que eu sou pouco de armas que estropiam e matam.
Como o eduquês, somado à acção de diversos interesses, vem matando o ensino.
Muito bem atribuída... a promoção! JCN
Meu Caro José Batista da Ascenção:
Obrigado pelas suas palavras amigas a que me obrigo aceitar para não cair numa falsa modéstia que, não poucas vezes, mais não é que uma atitude que oculta a pior das vaidades.
Sabe bem ler palavras amigas “do peito” de um camarada de armas por uma luta que acabará por sair vencedora no dia em que o clarim da revolta ecoar na planície dos indiferentes a que nos recusamos a pertencer, porque irmanados num mesmo espírito de inconformismo.
Como nos ensina o adágio, quem cala consente, sendo,assim, como escreveu Ramalho, “ não um combatente que fica firme no seu posto: é um soldado que cai; e a cerrada turba dos beligerantes passa-lhe por cima e segue avante”.
Mobilizemos, portanto, a legião dos professores que estão contra uma injustiça que, em nome de uma igualdade perversa, oprime os professores mais válidos em garras de mediocridade que se apossou, também, de um ensino que não ensina.
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