sexta-feira, 18 de junho de 2010

Num tom de humor (?)

Continuando num tom de humor (negro), aqui reproduzimos uma crónica de Henrique Raposo, recentemente publicada no Expresso, que incide no (suposto) humor do nosso Ministério da Educação e que tão bem sintetiza questões em que temos insistido no De Rerum Natura.

I. Nas últimas semanas, o humor do ministério da educação começou no grau de exigência das provas de final de ano. Numa prova do 6.º ano, os alunos foram confrontados com este desafio brutal: ordenar palavras por ordem alfabética. Repito: a prova era para o 6.º ano.

Uma prova de matemática, também do 6.º ano, tinha perguntas complicadas como esta: "quantos são 5 + 2?". Tal como disse a Sociedade Portuguesa de Matemática, 14 perguntas deste teste de aferição do 6.º ano poderiam ter sido respondidas por alunos da primária. Em nome das suas estatísticas, os pedagogos da 5 de Outubro estão a destruir qualquer noção de empenho e rigor. Isto até seria cómico, se não fosse realmente grave.

II. Há dias, o humor chegou à própria arquitectura das escolas. Um génio da Parque Escolar decidiu que a sala de aula já não pode ser o centro da escola, porque isso representa o passado, porque isso representa um ensino centrado, imaginem, no professor. A Parque Escolar quer "uma escola descentrada da sala de aula, em que os alunos se espalham por espaços informais, com os seus computadores portáteis, cruzando-se com os professores na biblioteca e discutindo projectos". Alguém tem de explicar à Parque Escolar que uma escola não é um campo de férias. Alguém tem de explicar à Parque Escolar que o centro da escola é mesmo o professor. O aluno está na escola para aprender.

III. Já agora, aproveitando esta onda de humor involuntário produzida pela pedagogia pós-moderna, eu queria deixar uma proposta à Parque Escolar e ao ministério: que tal acabar de vez com o professor? Que tal substituir o professor por babysitters? Porque nesta escola moderna os professores são isso mesmo: babysitters.

Uma salva de palmas para a 5 de Outubro.

8 comentários:

Anónimo disse...

Palmas ou palmatoadas? JCN

joão boaventura disse...

A 5 de Outubro é o epicentro de muitos terramotos, e as zonas mais afectadas pelo sismo são as escolas.

É o maior terramoto intermitente porque consegue afectar toda a zona envolvente que vai do Algarve ao Minho. Os cientistas consideram que, dada a magnitude deste sismo nacional, os tsunamis também devem ser extensivos aos da terra, pelo que ponderam estas novas designações: tsunamis marítimos e tsunamis terrestres.

Como qualquer sismo perturba e assusta as pessoas não preparadas, estão explicadas as singularidades dos exames para que os sismos cheguem atenuados a todos os alunos.

José Batista da Ascenção disse...

Henrique Raposo, mais um nome a acrescentar à lista das mentalidades retrógradas..., que não entendem que "pouca aprendizagem (...) resultará, se o professor (...) permanecer agarrado à sala de aula tradicional..."
Pois não se via há muito que o problema é da mentalidade dos professores e das salas de aula tradicionais? E dos estrados, e de outras coisas, não é?
Como é que um aluno podia aprender bem com um estrado na sala?
De resto, as pessoas que se julgam importantes e sabedoras, e que nos dizem como devemos proceder, não tiveram aulas em salas tradicionais, pelo menos não haviam de ter estrado. Ora essa! Já os professores deles também tinham todos concepções avançadas em matéria de pedagogia...
Só pode.

Rui Diniz Monteiro disse...

Não me restm muitas dúvidas que a profissão de professor, professor mesmo, está em vias de extinção. Para já, saindo da protecção do Estado, a profissão pouco valor tem no mercado e está a ter cada vez menos:
- em qualquer centro de explicações, o preço ilíquido por hora de explicação (não de preparação, que nem sequer é contabilizada) pago a professores anda pelos 7,50 euros (quantia aqui em Olhão, mas também oferecida em Torres Vedras a uma amiga minha professora universitária);
- os colégios particulares têm um ou dois professores permanentes de pulso firme, e o resto é tudo gente nova a quem se paga pouco e que se despede anualmente, a fim de se poder continuar a receber apoios do Estado.
São precisos mais sinais para ver o óbvio?
Desculpem a falta de sentido de humor... :)

joão boaventura disse...

Falta agora explicar a involução do Parque Escolar, usando as armas de Umberto Eco, para explicar como na actualidade não há nada de novo que não se tivesse passado na Idade Média. Começo a tornar-me repetitivo por, volta e meia, falar nisto. Mas, como vem a propósito, significa que os temas também são repetitivos. Somos assim ecos de nós mesmos e dos outros.

O que se pretende introduzir na arquitectura escolar é o ambiente dos ginásios e palestras da antiga Grécia.

O sítio onde se encontram os vestígios do Liceu de Aristóteles, descobertos em 1996 no centro de Atenas, será em breve um parque arqueológico aberto ao público, anunciou o ministro grego da Cultura, Antonis Samaras, em 29.04.2009, acrescentando que "O Liceu de Arsitóteles e a Academia de Platão são as primeiras universidades do mundo", acrescentou Samaras.

A diferença entre o Liceu de Aristóteles e a Academia de Platão, residia no pormenor de o primeiro se desenrolar ao ar livre, em espaço aberto, e a Academia, em espaço fechado. Isto para dizer, em termos comparativos que as actuais escolas secundárias, por fechadas, configurariam as antigas Academias platónicas pelo que o Parque Escolar pretenderia rasgar-lhes as paredes e torná-las Liceus de Aristóteles e fazer dos alunos os peripatéticos (os que passeiam) do século XXI.

Acontece que Liceus e Escolas Secundárias têm a mesma configuração deformada do Liceu de Aristóteles. Sendo assim teremos que encontrar outras fontes que possam justificar o arquitectónico critério de fazer dos corredores das referidas escolas uma espécie de debate público entre professores e alunos, como pretende o Parque Escolar.

O Ginásio grego que transformou as escolas alemãs e brasileiras em cursos gimnasiais, era um recinto onde os atletas se treinavam fisicamente, tendo ao lado a Palestra, uma cobertura com colunas, onde se caminhava e discutia, para o treino intelectual.

Roma transformou os Ginásios em espaços destinados às relações sociais e culturais, e na Idade Média (cá está a apologia de Umberto Eco) os conventos, embora fechados, encontraram nos claustros os vetustos corredores da antiga Palestra para dialogarem sobre os problemas de Deus.

Isto para dizer que o Parque Escolar terá considerado, como Goethe, que “à arquitectura chamo música congelada”, pelo que pretende descongelar os imóveis escolares e transformá-los em espaços sociais e intelectuais, os célebres corredores da Palestra. E como os cidadãos lusitanos se atropelam com as falas em cima das falas (como se aprende nas Academias do Parlamento, dos Prós e Contras, e dos Frente a Frente), porque gostam mais de falar do que ouvir, resta-nos cantar com a Doris Day Que Sera, Sera (Whatever Will Be, Will Be).

Foi da Palestra que nasceram os mesmos espaços sociais de convívio chamados jardins, hoje suplantado pelos corredores dos hipermercados. Portanto, com tantas Palestras que povoam o nosso país, só faltava preencher as escolas de Palestras Aristotélicas.

joão boaventura disse...

A propósito do Parque Escolar:

TOPOGRAFIA
Há capitéis ritmados
nos quadrantes
do espaço desimpedido.

DÉDALO
O céu aberto
de múltiplas muralhas 'stá coberto
Envolve o labirinto o movimento
e o voar é certo
e o sentimento.

RUÍNA
O tempo não tem re/ cantos
Mas os cantos tempo são
No som de cada re/ canto
Há um canto em erosão.

(autor desconhecido)

Anónimo disse...

Acaso o autor... teve vergonha de se dar a conhecer? O caso... não é para menos. JCN

joão boaventura disse...

Caro JCN

A propósito do anonimato dos versos.

Tinha-os num papel já rasgado, sem a indicação do autor, e fiquei a pensar que o melhor seria pesquisar o nome do poeta, no que me senti coadjuvado também pelo seu interesse.

De pesquisa em pesquisa encontrei a indicação do autor que compartilha com o JCN a paixão pela Hélade, pelo que vamos apreciar mais poemas do brasileiro Paulo Ferreira da Cunha, e uma pequena biografia, nas Escadas do Liceu, embora não o Liceu de Aristóteles.

Cordialmente

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