Novo texto de João Boavida:
Estávamos num grupo de estudantes de mestrado, ainda dos antigos, a tentar compreender o que se passa no ensino e à procura de uma explicação para o que se diz ser um descalabro – uma enorme ignorância sobre quase tudo, que inúmeros alunos hoje manifestam, com uma arrogância muito senhora do seu nariz.
Estávamos num grupo de estudantes de mestrado, ainda dos antigos, a tentar compreender o que se passa no ensino e à procura de uma explicação para o que se diz ser um descalabro – uma enorme ignorância sobre quase tudo, que inúmeros alunos hoje manifestam, com uma arrogância muito senhora do seu nariz.
Enfim, procurávamos uma fresta de luz que nos permitisse compreender, para tentar encontrar hipóteses de recuperação. Dramaticamente necessárias e urgentes.
A ideia surgiu de um trocadilho rápido, daqueles espontâneos, que aparecem sem darmos por isso, ou melhor, quando damos por ela já rimos a bom rir. E o trocadilho veio a propósito dos actuais currículos dos ensinos básico e secundário que, segundo parece, se caracterizam por estarem cada vez mais vazios de matérias, pelo menos em certas áreas, mais anémicos de informação científica e de conteúdos culturais.
Como se quanto mais os conhecimentos crescem e influenciam a nossa vida menos os jovens e os futuros cidadãos deles precisassem. E, face a este estranho fenómeno, a pergunta tinha sido sobre a hipótese, que alguns críticos colocam, de que este esvaziamento dos currículos seja propositado. Escolarizando embora toda a população, criam-se, por este processo, grandes massas de analfabetos diplomados para serem os novos proletários, de que o capitalismo, a política e o consumo da era global precisam.
Isto é, (de)formam-se os alunos de propósito na ignorância e na estupidez presumida e satisfeita, para melhor os ter à mão, condicionar e explorar. Em suma, ignorância e incapacidade com um pouco de verniz para que a verdadeira humanização e a efectiva competência, que a boa formação dá, sejam só para alguns.
E então o problema que se colocou foi o de saber como, e para quê, manter um sistema educativo onde tudo vai deixando de se ensinar até qualquer dia já pouco ou nada haver para aprender.
Poder-se-á ainda falar de sistema de ensino? Se eu achava bem um ensino que, em breve, provavelmente, seria só para desenvolver capacidades. Falam de competências abstractas, a desenvolver por aprendizes de feiticeiro inábeis, e, pior, muitas vezes inconscientes da sua inabilidade? Mais ou menos... Claro que não concordava. É difícil desenvolverem-se competências no vazio.
Além disso, se tiro conteúdo ao ensinar tiro-o também ao aprender e acabo por não aprender nada; além de esvaziar a cultura e a ciência, que são indispensáveis para tudo e que os nossos antepassados foram construindo com tanto esforço. Não há forma sem conteúdo, sabe-se desde Aristóteles. Se não tenho conteúdo para encher uma forma esta não chega a existir porque só fica a casca.
Imaginem pôr-me eu a fazer belos embrulhos cheios de nada, enviados a alguém que, nunca recebendo coisa alguma, acaba por ficar vazio; isto é, um remetente esvaziado e a criar invólucros de nada, não é coisa nenhuma nem, no final, vai encontrar ninguém.
Ou seja, o rei vai nu, disse um deles. Ou, melhor dizendo, neste caso, o correio vai nu. O correio vai nu?! Soa ao mesmo e é mais apropriado, não acham? De uma encomenda com vácuo, remetida por ninguém e destinada ao vazio poder-se-á dizer que é um correio que vai nu.
Tal como o rei, mas agora todos percebem e não só o finório rapaz da história.
João Boavida
5 comentários:
Ora muito bem, teorias da conspiração à parte! Não serão as massas ignorantes e estupidificadas muito mais fáceis de controlar?...
:) Big brother is watching you...
Obrigado, por este texto Dr João Boavida.
Sem o referir, ele explica extraordinariamente bem o que é o eduquês. E o que o eduquês pretende.
E fez-me lembrar de um professor que tive em Coimbra, lá pelos idos de 83-84, de nome João Boavida, a falar de "métodos e técnicas de educação", numa das salas-anfiteatro do edifício das matemáticas. Ele era um professor da área da educação, mas não tinha nada a ver com as fundamentações/fundações do eduquês.
Por isso o recordo.
Comentário de João Boavida
Caro Dr. José Batista da Ascenção
Tenho andado, desde há muito, a apreciar os seus comentários inteligentes e sentidos sobre as questões educativas. Os problemas são muitos, como sabe, os diagnósticos multiplicam-se e frequentemente erram. Este Blog tem sido um extraordinário campo de informação, análise e debate, de todos estes problemas que, muitas vezes, nos ultrapassam. A sua evocação de um professor de há 30 anos, que tinha o mesmo nome que eu, anima-me a pensar que, apesar de tudo, há ideias importantes que permanecem e é preciso continuar a defender.
Entretanto, em 30 anos, muitas coisas mudaram na socied ade e na cultura portuguesa e as respostas educativas já não podem ser as mesmas. Mas há ideias fundamentais de que a educação não pode abdicar, ou corre o risco de deixar de o ser. Se repararmos a comunicação social e as
ideias correntes estão cheias desses discursos que destroem o educativo, pensando que não. Alguma coisa de importante anda a escapar a muita gente; no Ministério e fora dele.
Não me lembro de si, mas lembro-me do seu nome. Sempre que o vejo aqui, penso: este nome não me é estranho. Quem sabe, talvez afinal não tenhamos andado a trabalhar em vão.
Um abraço,
João Boavida
Caro Dr João Boavida
Se porventura dava aulas teóricas de "métodos e técnicas de educação" a várias licenciaturas da FCTUC (eu era apenas um aluno de biologia) nos anos que referi, então foi meu professor. E eu admirava-o. O que me ensinou não foi em vão.
Outro professor, que leccionava psicologia educacional, era o Dr Raposo.
Quanto a este espaço, posso afirmar que é o único, desde há muitos anos, onde me sinto inteiramente livre e superiormente acompanhado. Nele tenho matado alguma secura da esperança, a qual me esforço por não deixar morrer no fundo da alma.
Com estremecimento li as suas palavras.
Sentidamente, retribuo o abraço.
José Batista da Ascenção.
Caro João Boavida,
Em primeiro lugar, parabéns pela forma lúcida como descreveu o eduquês. Agora permita-me fazer uma breve reflexão, se em Portugal sempre de deu mais relevo e importância à forma do que ao conteúdo, porque é que neste sector haveria de ser diferente?
Como respondeu um engenheiro sueco que por cá passou durante 3 ou 4 anos à questão "Qual a grande diferença que encontra entre um português e um sueco?", "O sueco começa a fazer a casa pelas fundações, o português pelo telhado. Mas, há outra diferença muito importante, o sueco quando planeia fazer um investimento faz sempre contas à construção e à manutenção do equipamento, o português faz os cálculos apenas ao investimento. Talvez, o português considere mais importante a forma do que o conteúdo, ou talvez seja apenas um pouco desorganizado, sinceramente ainda não percebi bem. É pena, porque o português tem uma imaginação notável."
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