domingo, 27 de junho de 2010

Há reprovações no construtivismo?

Arriscaria afirmar que, nas últimas duas a três décadas, quando nos reportamos às reformas educativas em Portugal, a corrente pedagógica que mais se destaca é o construtivismo.

Mas o que é o construtivismo? É uma teoria científica? É uma filosofia? É uma ideologia? É um conjunto de pressupostos que se abrigam numa designação? É uma metodologia? É uma forma de ver a educação? É isto tudo? Não é nada disto?

A verdade é que os mais diversos autores que se têm pronunciado ponderadamente sobre o assunto não arriscam uma resposta inequívoca. É o caso de Prawatt (1996) que diferencia o construtivismo em função de dois tipos de ancoragem epistemológica – pós-moderna ou moderna – e da orientação psico-pedagógica que lhe subjazcognitivista ou social e pessoal.

Esta dupla diferenciação permite-lhe apresentar uma lista de seis “tonalidades” construtivistas, advertindo para o facto de elas não esgotarem o que se diz e o que faz em termos de ensino. Mais diz, que essas "tonalidades" podem apresentar contradições evidentes.

Assim, podem duas pessoas definirem-se como construtivistas e defenderem princípios educativos e modos de os operacionalizar distintos, opostos, até.

Nesta lógica se compreende a publicação de um pequeno livro que me chegou às mãos e que se intitula Construtivismo: grandes e pequenas dúvidas. São "setenta pontos trocados por miúdos", para esclarecer sobretudo os educadores brasileiros, aos quais é, em primeiro lugar destinado. Um desses pontos é o que se segue:

54) Há reprovações no construtivismo? Em caso positivo, o fracasso não seria do professor?

É verdade que ainda há “reprovações” no construtivismo, mesmo quando dissimuladas. Embora o fracasso e os altos índices de reprovação marcantes nas décadas de explosão construtivista, tenham mobilizado para a adesão a um projecto alternativo, continuam ocorrendo fracassos preocupantes (...)

É preciso não relaxar com aparente sucessos (…) Temos acumulado indicadores nacionais e internacionais preocupantes no que diz respeito à proficiência em leitura e escrita, em níveis de ensino que já deveriam apresentar essas capacidades consolidadas. Os baixos índices de alfabetismo funcional, ao término do ensino fundamental, são exemplos desse insucesso.

(…) as “promoções automáticas” são tão maléficas quanto as reprovações, pois alertam para os fracasso dos professores e do sistema. Elas foram fortemente responsáveis por estas estatísticas de sucesso de sistemas de ensino, ocultando fracassos singulares dos nossos alunos. E é exactamente essa prerrogativa importante que precisa ser retomada com consciência – a avaliação do desempenho dos alunos, para que as escolas e os sistemas reavaliem suas condutas pedagógicas e reorientem processos e decisões em sintonia com o sucesso.
Referências completas:
- Bregunci, M.G.C. (2009). Construtivismo: grandes e pequenas dúvidas. Belo Horizonte: Ceale, pp. 42-43.
- Prawatt, R. S. (1996). Constructivisms, modern and postmodern. Educational Psychologist, 31 (3/4), pp. 215-225.

6 comentários:

ana disse...

Possivelmente o construtivismo é a falência do sistema.
Li há algum tempo o livro de Margarida Miranda: "Código Pedagógico dos Jesuítas, Ratio Studiorum da Companhia de Jesus"
É um livro que dá que pensar. Às vezes interrogo-me:
- Será que os jesuítas é que tinham razão?

Quanto às "promoções automáticas" elas são um desmerecimento.
No entanto, os moldes actuais da avaliação são incoerentes, inconsistentes, arbitrários e de nenhuma forma justos.
Julgo que para haver seriedade e alguma justiça tem que haver um corpo externo às escolas que avalie a actividade docente. Aí sim, não haveria compadrios, conhecimentos, escolas simpáticas e escolas austeras. A multiplicidade do acto acaba por levar ao acaso e à sorte... Será isto uma avaliação consistente e formativa?
Desculpe, a extensão do comentário.
Bom dia!

Carlos Albuquerque disse...

Ou seja, atacar o construtivismo como se fosse a fonte de todo o mal não faz sentido.

Helena Damião disse...

Se seguirmos as regras do raciocínio científico, o leitor Carlos Albuquerque tem razão. Porque essas regras mandam que, quando se submete algo a crítica, se domine com precisão, os pressupostos em que assenta. Ora, quando apenas dispomos da expressão "construtivismo" não podemos saber, de imediato, quais são esses pressupostos. Assim, tenho percebido que qualquer discussão em que ela surja não vai além de uma tentativa, geralmente mal sucedida, de clarificação de um ou dois desses pressupostos. O que, convenhamos, é muito pouco para que se possa apreender o sentido da educação escolar.

ana disse...

Nota- O Código Pedagógico dos Jesuítas é a tradução da Ratio Studiorum com prefácio da autora da tradução.

Anónimo disse...

A Professora Helena Damião usa, e por vezes abusa, de entradas em que faz críticas veladas a determinadas abordagens pedagógicas como se fosse um isco para que, posteriormente, os comentadores residentes do blogue no qual escreve poderem disparar sobre o "eduquês" e outras eventuais causas das desgraças da educação. Desta vez foi o construtivismo. Afirma que o construtivismo não é uma corrente unitária, ao nível científico, sendo susceptível de conduzir a práticas pedagógicas muito distintas. A pergunta que lhe faço é se outras correntes científicas com implicações pedagógicas não sofrerão do mesmo "mal". Existem várias sensibilidades, por vezes conflituantes, no construtivismo (para uma excelente revisão sobre este tópico recomendo a leitura de um excelente artigo que pode ser encontrado em http://zipaquira-cundinamarca.gov.co/apc-aa-files/33383564656335333966393533336464/Constructivism_1.pdf).
O construtivismo aplicado à educação pode ser mal usado ou bem usado, como de resto sucede com qualquer abordagem pedagógica (sobre este tópico ver Gordon, V. (2009). The misuses and effective uses of constructivism teaching. Teachers and Teaching, 15, 737-746). Se for bem usado é necessário saber se é eficaz. E alguma investigação sustenta a sua eficácia (a título de exemplo ver o artigo publicado na Research in Science & Techonological Education, 2003, 21, 3, 209-227).
Por outro lado, o texto que cita fala da relação entre construtivismo e reprovações/aprovações automáticas. Esta relação é espúria pelo simples facto de o construtivismo enquanto teoria de desenvolvimento psicológico, e mesmo como inspiradora de determinadas abordagens pedagógicas, não propor que os alunos transitem de ano sem os conhecimentos necessários. Se alguém o faz penso que o faz de forma abusiva. Abordagens tolas e pouco fundamentadas sobre educação ou qualquer outra área do conhecimento e acção humanas
não podem servir para desacreditar toda uma teoria ou uma praxis.

PJ

Helena Damião disse...

Estimado leitor PJ
Agradeço o seu comentário e peço desculpa pela demora.
Desde finais do século XIX que a educação escolar tem sido influenciada por correntes psicológicas (deixemos de parte as sociológicas cuja influência não será menor). O construtivismo é uma delas, mas não podemos deixar de parte o behaviorismo e o cognitivismo. Também estas duas correntes não são unitárias, porque constituídas por várias abordagens, mas todas partem de um pressuposto claro, a saber: a função do professor é ensinar e a do aluno é aprender, ainda que apresentem abordagens específicas para a concretização dessas funções. Ora, dá-se o caso de as correntes construtivistas, apresentam um leque de opiniões muito diferentes, algumas vezes até antagónicas (disso falei no texto http://dererummundi.blogspot.com/2010/02/teorias-de-ensino-e-de-aprendizagem.html ). Por esta razão, em boa hora, surgem livros como o que referi no presente texto, na medida em que tentam esclarecer aspectos que levantam dúvidas a educadores e professores, tanto do lado de lá do Atlântico como do lado de cá. No caso em concreto, a autora encontrou setenta aspectos dignos de esclarecimento. Sendo ela construtivista isso é razão para se admitir que todas as teorias devem ser faladas, discutidas.
Acrescento mais uma nota: se as críticas ao behaviorismo são abundantes, bem aceites e, até, politicamente correctas, o mesmo não se pode dizer das críticas ao construtivismo, que quando se afloram provocam, de imediato, reacções como: "mas não é isso que o construtivismo pretende/defende..." ou "não entende o que significa construtivismo". E isto acontece pela razão que referi, estamos perante uma corrente que não se deixa apreender facilmente e, logo, a crítica que faz avançar a ciência, é difícil ou, segundo alguns, impossível.
Cumprimentos,
Maria Helena Damião

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