quinta-feira, 7 de maio de 2009
A carestia dos estudos superiores em Portugal
Novo post sobre educação da autoria de Rui Baptista:
“Os homens são sempre sinceros, apenas mudam de sinceridade” (Tristan Bernard)
A informação que nos chega todos os dias cria em nós um ruído de fundo que faz com que, por vezes, nos percamos sobre a origem das respectivas fontes. Vem ao caso, apenas, o título que retive de uma notícia recente, que não localizo de momento, sobre os custos que impendem sobre o ensino superior nacional só superiorizados pelos que ocorrem na Inglaterra.
Não posso deixar de aproveitar o mote para abordar uma questão que me baila na cabeça há bastante tempo: a carestia do ensino em geral. Ocupando-me do ensino anterior ao ensino superior , não posso deixar de falar do primeiro ciclo do ensino básico onde se requer a aquisição de dispendiosos livros escolares, onde os lápis de cor são substituídos por material de pintura mais adequado a um candidato ao ensino das belas-artes, onde os mais abastados têm máquinas de calcular que fazem a inveja de quem se dedica a estudos superiores de engenharia, onde as explicações se fazem a torto e a direito, onde à simples consulta de livros na sala de aula ou na biblioteca se dá o nome pomposo de “investigação”, etc.
Dando um salto rápido para o ensino secundário, para não tornar muito extensa esta análise, o panorama amplia-se na razão directa da idade dos alunos. Encontramos compêndios que mudam de ano para ano, não possibilitando a sua passagem de um aluno que tenha transitado de ano para um seu irmão que inicie esse mesmo ano. Vemos, na disciplina de Geografia, por exemplo, que se muda de livro apenas por ter mudado o nome da capital de um determinado país, ou por ter havido a sua deslocação para outra cidade, como se não bastasse anotar no próprio livro essa informação. Deparamos com uma correria louca à reprografia da escola para encher a mochila de papéis que atentam contra o alinhamento das vértebras juvenis e que podem originar dores nas costas, atitudes corporais viciosas ou mesmo cifoses. E o que dizer de trabalhos de grupo em que a simples aparência do trabalho contribui para a respectiva valorização? Para não maçar quem me lê, só acrescento que, se o curso pretendido for o de Medicina, os pais ver-se-ão obrigados a pagar um verdadeiro rol das antigas lavadeiras com lençóis de explicações.
Chega enfim o dia jubiloso da entrada na universidade ou no ensino politécnico. Quem não se posicionou no pelotão das melhores classificações, obrigando os que queriam ir para Medicina (até há pouco com emprego garantido à partida e um futuro risonho de um exercício clínico bem remunerado) a desviar a rota dos seus sonhos para a enfermagem, por vezes apenas por uma escassa décima de valor... Mas rapidamente o sonho se torna em verdadeiro pesadelo se não encontra resposta suficiente no sacrifício de um agregado familiar que tendo residência, por exemplo, no Algarve se veja obrigado a mandar o filho estudar para Coimbra onde foi colocado. Começa no ensino superior uma outra saga, com o aluguer de quartos a estudantes que consomem uma parte substancial do vencimento mensal do agregado familiar. E a alimentação? E as propinas? E os livros? E o dispêndio com os trabalhos de licenciatura agora concluídos no 3.º ano de estudos bolonheses, um caminho seguro para o espectro do desemprego? E a necessária continuação de estudos para o mestrado, com vista a obter um trabalho, ainda que preso por arames, correspondente a um total de anos de estudo das antigas licenciaturas com a duração de cinco anos? E a compra da capa e batina tradicional das margens do Mondego e que se fez tradicional noutras paragens académicas em que também se festeja a “Queima das Fitas”?
Mas tudo bem, alguns conseguem. Com este “statu quo” colhem-se dados estatísticos que aumentam a percentagem de estudantes do ensino superior quando comparada a tempos anteriores a 25 de Abril, ainda que à custa impiedosa do extraordinário aumento das despesas familiares, havendo já estudantes universitários que segundo as notícias dos jornais, estão em risco de desistir dos seus estudos, com a provável desculpa governamental de que a culpa foi motivada pela crise económica internacional. Que diabo! Não se pode ter tudo neste mundo... Valha-nos a consolação de ocuparmos o pódio à direita da Velha Albion no campeonato europeu dos países onde a frequência do ensino superior fica mais dispendiosa!
Rui Baptista
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10 comentários:
Posso continuar o rol:
Depois reitores e governo com desculpa de que as universidades precisam de dinheiro aumentam as propinas quando as mesmas são uma parte pequena nos orçamentos das universidades. A propina máxima já está pelo 950 euros ou mais, mas isto nem seria o pior, se em troca houvesse condições nas universidades.
Eu falando pelo que vivi e sei de experiência própria posso descrever algumas situações: Pólos de estudo podres a cairem aos bocados onde os alunos tinham que ter cuidado para não cairem pelo chão do 1º andar abaixo e virem parar ao res de chão, pólos fora da cidade sem carreiras urbanas a horas decentes, sem refeitórios, bar, maquinas de comida, etc.. sem ar condicionado, sem espaço nas salas para as turmas, sem cadeiras ou mesas suficientes.
Alunos cujas disciplinas práticas requeriam determinado uso de computadores em aula onde as aulas não tinham os computadores necessários para todos.
Alunos sem reagentes e sem simples pares de luvas para usarem nas disciplinas práticas de laboratórios, cuja avaliação era feita na hora e a falta de material a fornecer pela universidade mas que faltava prejudicava o aluno podendo levar à reprovação por não fazer a parte prática.
Entrando em Bolonha, ou melhor burlonha, planos de estudos que contemplam um conjunto alargado de disciplinas optativas cuja maioria não abre porque os professores ou não estão formados para as mesmas e a universidade não vai contratar nenhum de propósito, ou então porque os docentes fazem pressão junto de quem faz os horários para serem encaminhados para as suas disciplinas para terem mais horas por semana e logo ganharem mais, esta não é novidade, já acontecia antes de bolonha e mesmo no secundário.
Aulas em regime de tutoria que são uma palhaçada, em que os alunos chegam a ter menos de 3 aulas no semestre, recebem um molho de fotocópias e são mandados estudar para terem 1 avaliação teórica e assim se fazem as cadeiras, mas no entanto os docentes estão a receber como se estivessem a dar as aulas que não foram dadas e as propinas são pagas de igual forma.
O engraxanço e o esfreganço que há com professores e alunos, em que os piores tem as melhores notas e vice -versa, em que os professores fazem todos os anos a ladainha que cada vez vêm pior do secundário, mas no entanto não os reprovam e permitem a licenciatura a tanto incompetênte.
Cursos que se querem práticos onde os alunos quase nem prática têm durante o curso e agora com Bolonha tanto pior.
E isto é a ponta do icebergue, já nem vou falar das contratações dos docentes nem dos rios de dinheiro que secam assim que chegam à universidade e ninguem sabe para onde vão porque não se vêem resultados.
Fala-se que é preciso pagar, e eu concordo com a propina em si, não com o valor, mas é preciso dar algo em troca, é preciso dar condições físicas e condições pedagógicas aos alunos, permitir que saiam bem formados e isso não está a acontecer.
Continua-se a ir para a universidade por causa do canudo, porque todos sabemos que há cursos em que não se aprende nada.
Experimentem os autores deste blogue irem para uma universidade aleatória num curso aleatório como alunos e não professores, só para verem como funcionam as coisas e iam meter as mãos à cabeça.
Para finalizar, só digo que há muita mas muita gente a ganhar muito com estas situações no ensino superior em Portugal, que não passam de autênticas imposturas intelectuais.
Prezado Armando Quintas: As suas peças de roupa acrescentadas ao rol da lavadeira, foram preciosas. Embora bastantes para poluirem o rio da vergonha do que se passa no sistema educativo nacional não contemplam por completo o ´número sem conta de disparates que se andam a fazer com a intenção premeditada de acabar com uma escola digna, do básico ao ensino universitário, sem que a opinião pública em uníssono grite, alto e bom som: BASTA!
Raramente estou de acordo com o Rui Batista mas desta vez confesso que estamos na mesma "sintonia FM" além de que o post levanta um assunto interessante e que deve ser debatido de forma séria e portanto os parabéns pelo assunto escolhido.
Armando Quintas sublinho o que disseste na totalidade; só quem não anda pelas universidades públicas é que não sabe da verdadeira miséria( dos gatunos, compadrios entre professores, dirigentes, alguns alunos) e tanta coisa mais que cheira a podre meus senhores e desta vez não é o governo que deve ser o único e principal culpado mas antes a cambada de chupistas que ganham dinheiro com este ensino superior que mais parece uma fábrica com linhas de montagem de canudos.
A irresponsabilidade dos reitores, coordenadores de curso, conselhos, alguns professores e tanta gente a sugar-nos até ao tutano e como dizia o outro "eles comem tudo"
artur
É bem verdadeira a panorâmica (ainda que parcial) do estado a que chegou o ensino superior deste sitio cada vez mais mal frequentado.
Acrescento apenas a autêntica palhaçada que foi o ano de entrada do processo Burlonha:
- destaco nos politécnicos as abruptas interrupções de cursos de 5 anos que, de um momento para o outro, passaram para 3 anos, sem projecto final e sem mestrados integrados;
- os troncos comuns (pré e pós Bolonha) que impossibilitaram as normais aulas práticas, tão necessárias (software criativo), por não existirem nem espaço físico, nem docentes devidamente diplomados.
Assim, em ambiente completamente caótico graduaram-se jovens lic. sem a devida preparação e para além de tudo o que aqui já foi exposto, para cúmulo a grande maioria não vê possibilidades de integração em mestrados noutras instituições, dado que o 2º ciclo na mesma vertente não arranca por falta de inscrições e/ou verbas, ou porque simplesmente não existe interesse na continuidade.
Mal preparados, inseguros, procuram integrar-se em empresas que oferecem apenas e só ESTÁGIO NÃO REMUNERADO, com duração de 6 a 12 meses. Mais uma vez, os pobres jovens que já se arrependeram há muito de terem investido tempo, dinheiro e energia num curso superior, são empurrados para o eterno e desfalcado apoio familiar, porque nem a esmola do erário público conseguem. Assim, são confrontados com a crónica chico-espertice dos empresários nacionais que a troco de "valências" usam e abusam destes jovens.
Qual o futuro da juventude portuguesa?
Infelizmente, porque a maioria não tem cunhas, apenas vislumbra no seu futuro "profissional" TRABALHO NÃO REMUNERADO na área em que se formou, ou mais uma "cadeira" involuntária num qualquer CALL CENTRE/Hipermercado.
É assim que se incentiva à inovação, num país pobre que dá milhões por software proprietário mas, que não investe um cêntimo nos recursos humanos treinados para fazer o mesmo, ou melhor que a poderosa MICROSOFT!
Temos pena de ter nascido aqui...!
Olá outra vez, Rui Baptista
A pobreza nas escolas é chocante, tanto mais quanto mais novas e familiarmente desprotegidas são as crianças.
Também me preocupa o mal que o peso das mochilas, o stress e a má alimentação anda a produzir nas crianças. A hiperactividade não é mais do que a resposta duma criança inteligente ao stress que lhe é imposto com enorme violência.
Tanto mais a dizer...
- mas não resisto a acrescentar ao rol do Armando Quintas os WC pré-históricos das nossas escolas...
E o Processo de "Burlonha" (eh,eh,eh)
Bom-fim-de-semana
Anónimo: Grato pelas suas achegas.Na verdade, como bem escreve, a panorâmica dos dislates que se vão seguindo em catadupa nos diversos graus de ensino tornam impossível um rol desses disparates. Contentemo-nos, portanto, com migalhas que todos nós que nos preocupamos com os complexos problemas do nosso ensino e o futuro dos nossos filhos ou netos não queremos varridas para debaixo do tapete com a vasoura dos ministérios responsáveis por este "statu quo" que me escuso de adjectivar.
Por saber que o tema deste meu post foi apenas um simples aperitivo, acabo de enviar um novo post sobre esta temática em que as más notícias não se esgotam: alimentam-se umas às outras. Obrigado pelo seu contributo. Tenhamos esperança: "Água mal em pedra dura tanto dá até que perfura". Pode ser, por isso, que entre no bestunto dos nossos governantes umas gotas dessa água!
Prezada Helena: É sempre muito agradável e estimulante saber que os meus modestos post's, apenas com o mérito de serem a expressão de uma voz inconformada, têm merecido a sua atenção. Bem-haja, uma vez mais!
Na minha resposta a "anónimo" (8:48)deverão ser feitas as seguintes rectificações:
1. Penúltima linha do 1.º §: Vassoura.
2.Antepenúltima linha do último §: água mole.
Olá Rui!
Sou uma brasileira estudante de medicina. O ensino superior no Brasil passa por problemas semelhantes aos que você relatou. Aqui,no geral, as faculdades públicas são consideradas melhores que as faculdades particulares, apesar delas sofrerem frequentemente com falta de verbas governamentais. Como o nosso governo não tem condições financeiras de aumentar o número de univeridades ou de vagas, ele é conivente com a abertura de faculdades particulares, a maior parte delas com ensino duvidoso, e que não possuem o mínimo de infra-estrutura para oferecer um ensino digno aos seus alunos.
Nos últimos anos o Brasil tem tido um aumento absurdo no número de faculdades de medicina particulares, sendo que a maior parte delas nem possuem hospital-escola! Apesar de estudar em uma das melhores faculdades de medicina do meu país, temo pela credibilidade da minha futura profissão quando esses profissionais entrarem no mercado de trabalho. Com certeza o número de casos de erros médicos aumentarão.
Espero que você não tenha tido dificuldades com meu português brasileiro :) Até mais!
http://arsmedicina-fmusp.blogspot.com/
Olá Talita:
Lamentavelmente,só hoje tomei conhecimento do seu comentário que muito agradeço. Lá (no Brasil) como cá (em Portugal) más fadas há. Este um ditado lusitano que não sei se é aí utilizado.
Gostaria de saber se tomou conhecimento desta minha resposta ao seu lúcido comentário. Cordialmente, Rui
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