domingo, 21 de outubro de 2007

Racismo e o efeito corrosivo da filosofia

Ao ler o postal da Palmira sobre Watson ocorreu-me que a filosofia é uma coisa mesmo irritante. Ao contrário do que muitas pessoas parecem pensar, a filosofia não é uma espécie de cobertura de chocolate para enfeitar o bolo que já queremos comer. Ou seja, a filosofia não dá cobertura às nossas ideias preferidas, e que preferimos não avaliar cuidadosamente. Pelo contrário, a filosofia avalia criticamente as nossas ideias — todas — e pondo em causa os lugares-comuns em que todos acreditamos sem pensar muito nisso, fruto do tempo em que por acaso vivemos.

Como qualquer outra pessoa, fico alarmado, como a Palmira, com o possível racismo de Watson. Mas logo a filosofia faz das suas e me ponho a fazer perguntas chatas, e que valeram a Sócrates uma viagem forçada para a outra vida, em que ele firmemente acreditava, mas eu não. Eis algumas das perguntas chatas que a filosofia me fez formular: qual é exactamente o problema de ser racista? E o que é exactamente ser racista?

Comecemos pela primeira. Se ser racista é apenas ter a crença de que certos grupos de seres humanos são, estatisticamente, mais ou menos qualquer coisa, parece absurdo ficar escandalizado com o racismo. Afinal de contas, seria um pouco como ficarmos escandalizados por alguém acreditar que a Terra é redonda. Se não gostamos da ideia de que a Terra é redonda, temos de ficar é escandalizados por ela ser redonda e não por alguém acreditar, seguindo todas as informações disponíveis, que é redonda. Por isso, qual é o problema de pensar que, por exemplo, os seres humanos de origem caucasiana são menos inteligentes do que os asiáticos, como aparentemente a psicologia cognitiva nos ensina? Pode ser irritante que isso seja verdade, mas com certeza não é escandaloso acreditar nisso, se for verdade.

Podemos argumentar que o problema é tal coisa não ser verdadeira. Mas isto é idiota. Também não é verdade que a Terra é quadrada, mas aposto que ninguém ficaria escandalizado por descobrir que alguém acredita que a Terra é quadrada. Nem mesmo um cientista. Afinal, um cientista não tem direito a ter crenças falsas? Mais importante é investigar que razões tem tal cientista para ter tal crença — em que informações se baseia? Em que estudos? Mas despedir alguém por causa de ter uma crença falsa só porque é uma crença politicamente incorrecta parece-me o cúmulo do pesadelo orwelliano.

Em conclusão, o racismo, para ser escandaloso, não pode ser uma crença factual sobre as capacidades dos seres humanos. Será então uma crença moral? Uma crença sobre o que devemos fazer aos seres humanos que são menos ou mais inteligentes? Será isso o racismo?
Historicamente, é isso que caracteriza o racismo: trata-se de um grupo de crenças morais, ancoradas em falsidades empíricas sobre as pessoas. Mas o que faz de tais crenças inaceitáveis é o facto de retirarem de falsidades factuais monstruosidades morais, e não o facto de se basearem em falsidades factuais. Imaginemos, por exemplo, que era mesmo verdade que determinado grupo de seres humanos tinha deficiências cardíacas genéticas. Uma pessoa com mais de três neurónios conclui daqui que as pessoas desse grupo têm direito a cuidados de saúde acrescidos. Uma besta racista declara que, por causa disso, mais vale matá-los todos que não fazem cá falta.

Regressando ao tópico incómodo da inteligência, é obviamente verdade que alguns grupos de seres humanos são mais inteligentes do que outros. Tal como é obviamente verdade que alguns grupos de seres humanos são mais altos que outros. E poderá ser ou não verdade que estas diferenças médias de inteligência estão correlacionadas com as origens genéticas das pessoas. Quer esta correlação exista quer não, não poderá ser proibido pensar que existe. E não se deve pensar que daí se segue imediatamente qualquer posição moral racista — que as pessoas de tais grupos não devem poder ir para a universidade, por exemplo. Isto não se segue, em primeiro lugar, por uma questão puramente estatística.

Mesmo que seja verdade que em média os asiáticos são mais inteligentes do que os europeus, daí não se segue que qualquer asiático é mais inteligente do que qualquer europeu. Por exemplo, em média os homens são mais rápidos na corrida do que as mulheres. Mas daqui não se segue que qualquer homem é mais rápido do que qualquer mulher a correr. Na verdade, as mulheres mais rápidas a correr, como as que participam nos Jogos Olímpicos, são muito mais rápidas do que a maior parte dos homens que estão em casa sentados no sofá a ver futebol enquanto enchem a pança de cerveja e caracóis e adormecem os neurónios. Acontece apenas que elas são mais lentas do que os homens mais rápidos.

Em segundo lugar, não se segue por outra razão. Imagine-se que era mesmo verdade que a menos inteligente das mulheres era mais inteligente do que o mais inteligente dos homens. O que se segue daí moralmente? O salto lógico idiota que as pessoas costumam fazer é que então as mulheres devem poder oprimir os homens como lhes apetecer. E como pensam que esta idiotice se segue facilmente, procuram proibir alguém de pensar que a menos inteligente das mulheres é mais inteligente do que o mais inteligente dos homens. Mas isto é apenas isso mesmo: um salto lógico idiota; a conclusão não se segue de modo algum da premissa. Do facto de as mulheres serem mais inteligentes em absoluto do que os homens não se segue que devem poder oprimi-los. Na verdade, segue-se que devemos criar protecções legais para evitar que os homens sejam oprimidos pelas mulheres. Afinal, é precisamente isso que fazemos com as crianças: porque são menos autónomas, têm menos força, menos experiência, menos conhecimento e são menos inteligentes do que os adultos, há toda uma malha de protecção legal das crianças. Admitir isto é uma forma de discriminação infantil? Claro que não.

Em conclusão, Watson pode estar a ser vítima do “politicamente correcto”. Hoje é proibido pensar que as pessoas podem ser diferentes umas das outras em capacidades cognitivas, sendo tais diferenças correlativas às suas origens genéticas. Tal como é proibido dizer que o aquecimento global não é provocado pelos seres humanos. A proibição em si é grave, pois mostra até que ponto estamos em pleno pesadelo orwelliano. Mas o que me impressiona mais é o lodaçal conceptual que rodeia esta conversa toda. São confusões atrás de confusões. Ora, o obscurantismo começa sempre, historicamente, com a tentativa desesperada de ocultar verdades incómodas, e quase sempre com base em confusões infantis deste género. Afinal de contas, talvez o pensamento claro e disciplinado da filosofia sirva mesmo para alguma coisa?

40 comentários:

JoaoMiranda disse...

Excelente.

Anónimo disse...

Brilhante.

Anónimo disse...

Desidéro, desculpa lá, mas apesar de comprender porque escreveste este post, acho que vais ter que te explicar melhor.

Anónimo disse...

Desculpa o erro Desidério

João Pinto e Castro disse...

Historicamente, como não pode ignorar, o racismo não assenta só em falsidades empíricas mas também em verdades empíricas. Por essas e por outras, classificar o seu próprio post de "pensamento claro e disciplinado" parece-me, como direi? um exagero.

Anónimo disse...

Texto claro e conciso. Maravilhoso.

Quanto ao grunho... caluda, nharro !!

Elisabete Joaquim disse...

Mas Desidério Murcho,

Há uma diferença clara entre ter crenças pessoais (sejam elas sobre o que for) e ter crenças cientificamente comprovadas.

O que todos as críticas a Watson parecem condenar é a impropriedade com que este usa dados da genética para fundamentar crenças que não se deduzem directamente de tais dados, a não ser que o façamos apoiados num cadeirão conceptual que Watson não assume.

A sua analogia da crença na Terra quadrada está portanto incompleta. O que chocaria seria se um astrónomo (não esqueçamos que Watson tem o estatuto de homem de ciência) dissesse que a Terra é plana, e o fizesse aparentemente (já que não há comprovação empírica da crença)em virtude das suas crenças pessoais religiosas, por exemplo.

Afinal de contas, «o pensamento claro e disciplinado da filosofia» não deveria servir para apontar cadeirões conceptuais em que cientistas se sentam, ainda que não estejam conscientes desse acto?

Anónimo disse...

O cabotinismo intelectual a mim incomoda-me pouco. Denuncio-o, mas não vou 'proibir' uma pessoa de ser cabotina. Watson é cabotino e Desidério também.
São os modernos sofistas.
No meio disto, está um problema sério que é o da responsabilidade de homens (e mulheres) célebres: eles/elas têm uma responsabilidade moral acrescida, pois sabem perfeitamente que as suas opiniões serão avaliadas, ponderadas, copiadas, reproduzidas, por muita gente.
O facto grave é que Watson, com a sua auréola, vai ser realmente utilizado pelos racistas e acho que Desidério está a prestar também um mau serviço à filosofia (que tanto eu estimo como ele) ao afirmar que é inócua, em si mesma, uma convicção racista.
Note-se, inócua, hoje em dia... não só com o avanço científico, mas também com o conhecimento de muita história dos horrores causados por tais crenças!
Seria inócua, se não houvesse todo um sistema de pseudo-valores que empurra certos humanos a realizar friamente os horrores que infelizmente conhecemos!!!!!!!

Manuel Baptista

P.Maria disse...

os tipos que anularam a conferencia em londres nao pensarao o mesmo que Watson?

Anónimo disse...

Estou de acordo com o Desidério: se Watson é de opinião que os brancos são mais inteligentes que os negros, esta opinião é legítima mesmo que seja falsa.
Se, baseado nesta opinião, Watson oprimir um negro, este acto é ilegítimo mesmo que a opinião seja correcta.
Se terceiros praticarem actos de opressão baseados na opinião de Watson, serão responsáveis por esses actos: Watson é apenas responsável pelos seus.

Anónimo disse...

Texto muito bom.

A mim o que me causa alguma impressão nesta situação nem são as afirmações, é mesmo a sensação que se tivessem invertido as "raças" ou dito que os negros (ou qualquer outra "raça") era mais atlética, perspicaz, melhor condutora, etc, que os brancos, as críticas não se fariam ouvir tanto, se é que críticas fossem feitas. Volto a dizer que é apenas uma impressão...

A Ciência é algo maravilhoso. O Sr. Watson se quer ser levado a sério apenas tem que provar, apesar de todos sabermos que as condicionantes ambientais têm uma influência preponderante no desenvolvimento de um individuo, o que na minha opinião serve para esbater a alegada diferença genética, caso o Sr. Watson a consiga provar.

Gustavo disse...

Aí está um uso da filosofia: com ela, podemos afastar as nuvens de preconceitos que cegam nossa razão e compreender o que realmente o que está em jogo.

Muito bom texto, Desidério, e ótimo comentário do José Luiz Sarmento.

Anónimo disse...

Este texto é um exemplo do que deve ser um texto filosófico: esclarecedor e escorado por uma argumentação consistente.
Também concordo que a tirania do "politicamente correcto" está-se a transformar num "pesadelo orwelliano". Julgar precipitadamente uma crença politicamente incorrecta como falsa, condenar as opiniões sem avaliação crítica, é um sinal inequívoco de menoridade intelectual e de obscurantismo. Não seria mais frutífero tentar refutar as teorias de Watson e travar o combate no recinto público da razão?

Anónimo disse...

Desidério

Eu concordo com o post, mas a ele escapa a análise de uma frase que Watson usou:
que toda a gente habituada a negociar com negros sabia que era verdade o que ele afirmara.

Parece que de certo modo, não quiseste ir muito longe para evitar condenar explicitamente um homem que admirarás por outros motivos.

A falta de cuidado ou mesmo a irresponsabilidade de afirmações como aquela só pode ser deliberada vindo de um homem de ciências. E se é deliberadamente não fundamentada (ou o é pessimamente), então não há como chamar os bois pelos nomes: Watson é racista, e dos piorzinhos, independentemente de estar a ser vítima do politicamente correcto ou do mérito científico da sua carreira.

Devemos denunciar o perigo do preconceito na ciência, mas não nos podemos coibir de censurar quem insiste no erro, ainda para mais com a responsabilidade que tem. É como o caso do Jónatas Machado, mas esse tem a desculpa de não perceber nada de ciência.

Henrik disse...

Há um problema na presumível ideia de que Watson está a ser «vítima» do «politicamente correcto», é que ele pode estar a ser um veiculador do «politicamente incorrecto». Ora, tudo bem, pode estar em causa uma tendência para a proibição das diferenças - como se as diferenças de QI ou de inteligência tivessem relevância para os direitos de igualdade, o que é ainda mais ridículo - ou seja, podemos efectivamente estar a oprimir evidências com base na ideia de que se não deve ofender susceptibilidades. Além do mais ao ler os múltiplos textos de Watson nem me parece que haja ali um racismo, mas simplesmente um conjunto de afirmações que não parecem ser fundamentadas cientificamente, porém, mesmo que se descubra efectivamente que essas diferenças existem não creio que se possa seguir daí que isso tem quaisquer consequências para a nossa sociedade, e porquê? desde quando é que o ideal de igualdade está dependente da igualdade intelectual? e quando falamos em igualdade estamos a referir-nos ao quê? é que o facto de não sermos iguais é uma evidência, não tem qualquer relevância para fornecermos uma qualidade de vida equitativa. Enfim, parece que podemos derivar daqui o que quisermos mas na realidade não me parece um grande problema haver diferenças entre grupos, problemático será utilizar isso para erradicar essas diferenças, porque o ideal que Watson defende não é mais perigoso por ser racista - pois nem é isso que me afecta - é perigoso porque se julga a ciência como móbil para criar seres humanos «mais perfeitos» mais maquinais «todos belos e brilhantes» e isso sim é um ideal de mediocridade.

Anónimo disse...

A falácia dos genes


Efeito corrosivo da filosofia? De que filosofia está a falar, Desidério? Da filosofia transformada em geneticismo de trazer por casa? Duma filosofia que mais parece um ramo da biologia?
O seu texto pouco deve à filosofia. Devia por isso seguir a sua sugestão e «avaliar criticamente» as suas próprias ideias. Do seu texto o que se retira é a aceitação de determinadas premissas como verdadeiras e óbvias(!), quando o que devia fazer era problematizá-las.
Na sua perspectiva disciplinada, porque reducionista, os genes são o factor determinante na inteligência das pessoas. Esquece-se que para além dos genes há inúmeros factores que contribuem para as capacidades intelectuais dos homens. Aliás, mais do que os genes são a educação e a aprendizagem o que permite desenvolver a dita inteligência. Da mesma forma que ninguém se transforma num bom atleta sem fazer exercícios físicos, ninguém se torna inteligente sem aprender, sem estudar, sem assimilar conhecimentos. O pensar é indesligável da vida.
Na sua perspectiva clara, porque positivista, a inteligência é uma coisa quantificável e que se distribui de forma distinta por raças - seja lá o que isto seja. Esquece-se que o próprio conceito de inteligência é relativo. É relativo a um assunto, a uma questão, a uma problemática. E nunca se reduz ao âmbito lógico-matemático, mas distribui-se por várias vertentes do pensamento. O Watson, por exemplo, até pode ser muito inteligente na área da genética, mas, pelos vistos, é um idiota no que diz respeito ao que é o conhecimento, confundindo as suas crenças pessoais com eventuais descobertas do foro genético. E agora faz-se uma média? 100 + 0 / 2 = 50? O Watson herdou genes inteligentes e genes idiotas a dividir por dois?
Sob a capa da defesa do «politicamente incorrecto», o texto do Desidério é a uma exposição do «filosoficamente incorrecto», já que se apoia em diversas falácias: a da falsa causa, a do apelo à autoridade, a generalização apressada, etc. E não passa de um discurso que só existe enquanto nota-de-rodapé do cientismo que se vai impondo. Se isto é clareza e filosofia...

Fernando Dias disse...

Desidério Murcho, mistura “politicamente correcto” com considerações morais; ditadura e responsabilidade pessoal e colectiva; juízo e liberdade.

James Watson está a ser intelectualmente desonesto porque o que diz em relação ao tema desta conversa é falso do ponto de vista científico, pelo menos até à data.

Então se Watson está a ser o que eu digo, sendo quem é, por que é que o faz sabendo que é um assunto de responsabilidade pessoal e colectiva sensível? Por má-fé? Por mau feitio? Para irritar alguém? Para ser coerente com qualquer convicção política?

E subscrevo o que diz Manuel Baptista e Carlos Daniel.

Unknown disse...

Soberbo.
Raciocínio claro e inatacável.
De resto as discordâncias de alguns comentaristas, já estão dissecadas no poste.

Anónimo disse...

"qual é exactamente o problema de ser racista?"

Méne, Desidério, absolutamente nenhum! E qual é o problema de chamarmos imbecil e filho da puta ao racista e o impedirmos de entrar em nossa casa? Nenhum, também, não é?

caramelo

Anónimo disse...

"Watson é cabotino e Desidério também"

Pois. E qual é o problema de se dizer isto? Há pessoas que são mais cabotinas do que outras, né?

Eu acho que vivemos num mundo sem problemas, no fundo. Relax e bebam um gin tonic. Vocês pensam demais. É a ética e mais não sei quê....bah, cheers

caramelo

Anónimo disse...

"O Watson, por exemplo, até pode ser muito inteligente na área da genética, mas, pelos vistos, é um idiota no que diz respeito ao que é o conhecimento,"

Um idiota, claro. E qual o problema de se dizer isto? Há pessoas mais idiotas do que outras.

caramelo

p.s. A filosofia do Desidério Murcho é divertida.

caramelo

Anónimo disse...

Excelente, Desiderio.

Anónimo disse...

«Aliás, mais do que os genes são a educação e a aprendizagem o que permite desenvolver a dita inteligência.» LP
Para além de subscrever acrescentaria que não se pode falar de inteligência mas de inteligências. Daí que tampouco sei a que se referia Wantson.

«Se ser racista é apenas ter a crença de que certos grupos de seres humanos são, estatisticamente, mais ou menos qualquer coisa, parece absurdo ficar escandalizado com o racismo» Mas racismo é "apenas" isso, «a tendência do pensamento, ou do modo de pensar em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outra.Onde existe a convicção de que alguns indivíduos e sua relação entre características físicas hereditárias, e determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais, são superiores a outros. O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de opiniões pré concebidas onde a principal função é valorizar as diferenças biológicas entre os seres humanos». Se o facto de parte da sociedade reprovar este tipo de pensamento lhe parece absurdo, devo dizer-lhe que o seu pensamento é, como dizer...absurdo.

«Em conclusão, o racismo, para ser escandaloso, não pode ser uma crença factual sobre as capacidades dos seres humanos.» Esta conclusão é sua e apenas sua. Trata-se da desconstrução e reformulãção de um conceito apenas para sustentar a sua teoria.

«Será então [...] Uma crença sobre o que devemos fazer aos seres humanos que são menos ou mais inteligentes? Será isso o racismo?»
Não, isso é claramente discriminação. «Mas o que me impressiona mais é o lodaçal conceptual que rodeia esta conversa toda. São confusões atrás de confusões.»

«Mas logo a filosofia faz das suas e me ponho a fazer perguntas chatas, e que valeram a Sócrates uma viagem forçada para a outra vida»«[...]pensamento claro e disciplinado»

Proponho que antes de se comparar a Sócrates, comece a reflectir um pouco na sua insignificância relativa. Porque nisso somos todos iguais!

Termino citando-o:

«A filosofia avalia criticamente as nossas ideias — todas — e pondo em causa os lugares-comuns em que todos acreditamos sem pensar muito nisso»

FxG disse...

O postal está excelente.

A questão maior que se coloca é o facto de hoje em dia não se respeitar e saber ouvir opiniões diferentes. Saber ouvir, também, nas entrelinhas. E questionar não será mais eficaz para a verdade cancelar, calar ou condenar?

E ainda dizem que a filosofia não serve para nada!

Antonio disse...

Acho que há 2 conceitos que escaparam ou autor, ou então sou eu que estou a ver mal as coisas. Esses conceitos são de xenofobia (=!racismo) e discriminação positiva.

Anónimo disse...

Tanta confusão... não se sirvam da "filosofia" como desculpa para não serem claros. Parecem-me haver muitas ideias e pontos de vista aqui misturados e pouca preocupação em esclarecer cada uma delas. Por ventura acham que o que escrevem se torna mais interessantemente intelectual se não for claro...?

T.E. disse...

Concordo, em abstracto, com a sua análise, mas creio que comete um exagero ao reduzir a complexidade social ao facto científico, uma vez que a sociedade não é matematicamente modelável. Como tal, a frieza com que coloca as várias perspectivas é inverosímil quando estendida a toda a sociedade. Ou seja, tal como é preciso entender a posição do cientista que atira uma ideia para o ar (provada ou não), é preciso tentar perceber as reacções que se lhe seguem. O que me parece uma atitude muito menos orwelliana. Dito isto, apetece-me dizer, qual é o problema de ser sensato e tentar perceber as duas partes?

T.E. disse...

Só mais uma coisa. Da releitura do artigo, pareceu-me que o mesmo é, ironicamente, puramente filosófico...

JSA disse...

Eu vou fugir à quase unanimidade e vou criticar o texto. Faço-o porque o Desidério baseia o seu raciocínio (que, sim, está bem exposto) na lógica de vermos essa potencial afirmação (grupos mais inteligentes, mais rápidos, mais fortes, etc) como verdadeira. A realidade é que, de um ponto de vista genético (para não irmos mais longe), a afirmação de Watson está errada. Vários outros geneticistas disseram-no. Sendo Watson um cientista na área da genética, apresentar uma afirmação destas apenas lhe dá descrédito. Como tal a sua censura pública e o retirar de convites. Alguém que comete erros deste género, independentemente do trabalho que lhe deu um prémio Nobel, não pode dar palestras sobre genética porque deixa preconceitos interferir com a sua ciência. Apenas e só pode dar palestras sobre a cristalografia de raios X usada na descoberta da estrutura da molécula de ADN. Pode dar palestras sobre outros assuntos, sobre qualquer assunto que queira, mas alguém que esteja interessado no rigor científico não o deve convidar para tal.

Vamos então à questão do preconceito. A crença da inferioridade intelectual dos negros é essencialmente isso, um preconceito. Não é comprovada nem por métodos modernos nem por métodos antigos. Nasce da intenção de querer menorizar um grupo antagónico e justificar moralmente o roubo das suas terras e dos seus recursos. Como tal, nasce da vontade de justificar o mal. Dessa forma, só posso ver o racismo como moral e filosoficamente errado. Nasce de premissas erradas para justificar um acto que é moralmente errado. Como tal, creio que a lógica do Desidério, que está adequada para justificar que mulheres não devem competir contra homens nos jogos olímpicos (por exemplo), não funciona para estas afirmações.

Anónimo disse...

Desidério, Desidério, em que mundo vives tu? Demasiada filosofia analítica faz mal à cabeça. E essa necessidade de ir contra a corrente… pareces o Pacheco Pereira da filosofia.

Imagina tu que um grupo de cientistas demonstra que os portugueses são, em média, menos inteligentes que os espanhóis (ou vice-versa). Estatisticamente falando, a média não poderá ser exactamente igual, logo os cidadãos de um país serão mais inteligentes do que o outro. Dizes tu: venha esse estudo, força, viva a ciência, viva o conhecimento. Digo eu: para quê, para que serve? Não deveriam estar estes cientistas a fazer algo mais interessante? Parece-me que o mesmo não servirá para nada a não ser providenciar um eventual fundamento para a anexação com vista à união ibérica.

Desidério, ainda bem que os homens de ciência descobriram que o planeta é redondo. Ainda bem que descobriram que a criança é menos inteligente que o adulto (ah, se não fossem os cientistas). Mas podes-me dizer para que raio servirá um estudo científico que demonstre que, em média, os pretos são menos inteligentes que os brancos? Pensa (outra vez) e tenta pensar que benefício isso poderá trazer. Não queimes o cérebro a pensar nos malefícios, pois não será preciso ler Wittgenstein para lá chegar.

Não poderemos nós criticar o objecto de estudo dos cientistas? Pensa nisso.

Abraços

Anónimo disse...

O lp, o caramelo e alguns outros, já tocaram no essencial: um «pensamento claro e disciplinado» devia começar por avalçiar criticamente a noção de «inteligência», para depois poder aferir ou inferir o sentido da proposição. E isto se nos quiséssemos ater somente a um quadro mental de filosofia analítica.
Porque depois - e sobretudo depois de ler a posta do Dério - é preciso reflectir noutras coisas: nem sempre as melhores razões são defendidas pelos melhores argumentos; nem sempre são os melhores argumentos que convencem mais adequadamente a audiência; e, diga-se o que se disser, há sempre a possibilidade de convencer alguém.

Dito isso, já estou como o caramelo: venha daí esse gin tónico! Ou então, postas mais interessantes.

Q. Rico

MiguelT disse...

Mais do que isso, caro Q. Rico, há talvez até que defender que o conceito de inteligência é inexistente!... :-D

Nuno Castro disse...

Perguntemos então ao Desidério e a todos os que aplaudiram o post, qual é o problema de achar que os judeus são mais selvagens, burros e capciosos, e também menos inteligentes e dotados para mandar, quando isto não leva à sua subjugação?
O problema é simples: é que pode sempre levar e não é com axiologias idiotas que ela se evita. Parece que o desidério teve uma amnésia e de repente esqueceu a história de a construção colectiva do racismo. Vá ver os filmes da alemanha nazi sobre os judeus para perceber que ali só estava a falar a ciência - mais propriamente a craniometria e a antropometria. Ah, o desidério não sabe? Também eram consideradas objectivas, já viu. E se não fossem, e se tivesse havido um sistema de censura talvez se tivesse evitado um holocausto e para cima de 6 milhões de homens e mulheres chacinados. É claro que isto tem muito pouco a ver com um bom raciocínio axiológico. Tem mais a ver com a hsitória e com as traquinices que ela está sempre a pregar.
A verdade é que se você não conseguir provar que o Watson possui razões objectivas para dizer o que disse, o seu raciocínio é pura falácia. Porque sem esse pressuposto, você não tem maneira de dizer que as afirmações do watson são admissíveis. E que apresenta você? A velha tese, de um outro conhecido senhor, também ele uma vítima do politicamente correcto, chamado Charles Murray. Este já foi sobejamente desmentido - entre as críticas mais interessantes encontra-se a de jay gould que escalpeliza bem a idiotice da teoria de Murray.
Quanto a watson, se tem elementos que os apresente, se não, que esteja calado. ~
Ou eu por acreditar que as mulheres são menos inteligentes ou os homossexuais - e acredito que o possa mostrar objectivamente - tenho direito a dizê-lo numa grande entrevista?
Pense nos judeus homem. E à sua pergunta, se a filosofia pode servir para alguma coisa, acho que sim, mas é quando se lhe dá melhor uso. Senão, pode limpar as mãos à parede.

Anónimo disse...

Caríssimo Desidério,
Que grande lufada de ar fresco vens trazer ao - quase sempre presente - coro politicamente correcto dos eufemismos.
Tens toda a razão: a filosofia é extremamente incómoda e os filósofos, como toda a gente sabe,são uns chatos. Sobretudo os analíticos. Metem medo a qualquer um. Já sabemos isso desde os tempos da Faculdade, ou talvez desde épocas anteriores. Neste universo de tantas certezas tão certas e da proscrição sistemática dos que dizem o que verdadeiramente pensam e defendem as suas convicções com efectivos argumentos, o teu texto surge como uma verdadeira pérola de conhecimento e seriedade.
Não me surpreendo, porque tenho o privilégio de te conhecer.

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

O Desidério, como todas as pessoas inteligentes ingénuas, enganou-se numa premissa básica: o comum das pessoas não formula os seus juízos de valor (moral ou de outra ordem) com base na ciência ou na filosofia. Cada um formula-os de acordo com as suas representações da realidade, que dependem dos seus interesses, dos seus gostos, da sua necessidade de serem considerados iguais a quaisquer outros. Esta é a realidade. Por muito que esta realidade construída se baseie em saltos lógicos abusivos e em falsidades factuais, é assim que ela é.
Tem razão (para além da correcção dos raciocínios), toda a razão, numa coisa: por mais disparatadas, baseadas em factos ou não, que sejam as opiniões de cada um, ninguém deveria ser penalizado por as emitir. Infelizmente, as massas, o senso comum, está a borrifar-se para a liberdade de opinião e de expressão. As massas, como turbas irracionais, são muito pouco tolerantes para com o pensamento diverso ou amantes da liberdade. Daí que muito frequentemente aceitem viver em ditadura, sob a alçada de um qualquer déspota iluminado. São elas, aliás, os pilares dos regimes totalitários.

Anónimo disse...

Desidério, mene,

O teu argumento geral parece-me bem: o anti-racismo acrítico tem de
ser criticamente examinado, etc. Mas acho que deve ser acrescentada uma ressalva contextual, sob pena de poderes ser mal interpretado (para além de celebrado, pelo que detectei, pelo adepto médio do politicamente incorrecto).
As declarações do Watson apareceram num contexto específico,
designadamente o do futuro de África, e das possibilidades de
progresso para o continente se ele for deixado nas mãos, digamos, dos
pretos. O Watson é céptico, porque os pretos, defende ele, são em geral demasiado pouco inteligentes para a tarefa. Invoca testes, supostamente o mesmo tipo de testes que dão crédito à hipótese de que os amarelos são mais
inteligentes que os brancos. E invoca também argumentos de caserna, como o de que basta observar a performance do pessoal preto ("pessoal" no sentido de "criadagem") para saber que os pretos são mais estúpidos que, por exemplo, os brancos. Não faço a injustiça de equiparar estes dois tipos de argumentos, mas o contexto todo em que as declarações são feitas, e a referida presença dos argumentos de caserna, vão no sentido de legitimar um racismo primário do género pretos-estúpidos-brancos-mais-inteligentes-conversa-arrumada.
Talvez fosse algo menos básico e mais merecedor de discussão que o Watson queria dizer, mas esta é uma interpretação perfeitamente razoável das declarações: nem pensar em deixar o futuro de África nas mãos dos pretos, porque eles não vão ser capazes, e não vão ser capazes pq são limitados (não porque os países africanos vivem em regimes endemicamente corruptos, etc, mas porque os pretos,coitados, não dão para muito, são fracos de cabeça). Em geral (apesar de haver uns que são "talentosos"), não estão à altura da tarefa. Os criados pretos são piores no serviço da casa, os dirigentes pretos
são piores a dirigir países, etc.
Muitas das reacções que tenho visto às declarações são no sentido de recusar este racismo primário, o que me parece bem. Não são no sentido de infirmar a tua tese. Mas, dada a defesa não qualificada que fazes do Watson, o teu argumento pode ser interpretado como legitimando indirectamente o racismo primário também, o que imagino ser algo que não queres.

Abraço
Pedro

Anónimo disse...

Aqui enuncio uma lei a que ponho imodestamente o nome de

LEI DE SARMENTO:

Dada uma definição arbitrária de «branco», uma definição arbitrária de «preto» e uma definição arbitrária de «inteligência», qualquer das seguintes afirmações pode ser verdadeira:

a) Os brancos são mais inteligentes do que os pretos.
b) Os pretos são mais inteligentes do que os brancos.

Desidério Murcho disse...

Caros leitores

Obrigado a todos pelos comentários.

1) O racismo não pode ser a crença de que um determinado povo é geneticamente menos inteligente, em média, do que outro. Tem de ser a acção moral discriminatória com base nesta crença, que como crença é factualmente verdadeira ou falsa em função da realidade e não em função dos desejos das pessoas.

2) Os anti-racistas prestam um mau serviço ao anti-racismo porque estão demasiado preocupados em esconder o que eles (pensam) que é verdade: que determinados povos são em média menos inteligentes do que outros. É por isso que é hoje em dia proibido fazer qualquer investigação científica sobre a base genética da inteligência.

3) Não tenho a crença empírica de que os governantes (obrigado, Pedro) dos países africanos sejam mais incapazes de resolver os problemas dos seus respectivos países do que quaisquer outros governantes. Mas ter tal crença é, no máximo, um sinal de racismo, mas não o racismo em si. Em qualquer caso, ninguém sabe se tal crença é verdadeira ou falsa.

4) Não pretendi defender Watson, nem tenho qualquer crença sobre se aquela besta é racista ou não, e estou-me nas tintas para isso. Não presto culto a santos, com ou sem pés de barro. Limitei-me a defender que são idiotas as reacções às idiotas declarações de Watson, para não ficar idiota como os idiotas. Mas devo ter falhado porque a idiotice é a constante humana mais bem distribuída no universo.

marcia adriana disse...

Caro Desidério,
li o post da Palmira e agora o seu.
Entendi sua colocação, a achei bastante clara. Pelo q li não acredito que Watson tenha feito a afirmação q fez no sentido de diminuir nenhuma etnia. Concordo q ele pode estar sendo vitima do "politica/te correto" sim. Triste mesmo é ver pessoas aqui atacando com palavras tão grosseiras um trabalhador do seu nível, ao invés de aproveitarem esse espaço pra comentários construtivos.

Anónimo disse...

Óptimo! Desidério Murcho, como representante da Filosofia Analítica, que é coisa que ela própria já nem sabe o que é, tendo-se reduzido a uma técnica parafrásica que qualquer outra filosofia especulativa pode reivindicar como instrumento parcial, é portanto um representante da filosofia mais obscurantista do nosso tempo, a mais afastada da ciência, a nossa escolástica. Se quiserem saber mais, leiam Science and Idealism de Maurice Cornford, que teve como "supervisor" científico o grande cientista e humanista Haldane.

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