segunda-feira, 7 de maio de 2007

INOVAÇÃO


Mais um post convidado. O recente artigo do New York Times que denuncia um certo falhanço das novas tecnologias que pretendiam inovar a educação ("Seeing no progress, some schools drop laptops") levou-nos a pedir um depoimento a Nuno Crato, o matemático, divulgador de ciência e autor de um conhecido livro sobre o "eduquês". O Nuno acedeu logo cedendo-nos uma versão actualizada de uma sua crónica publicada no Expresso intitulada "Inovação".

Há palavras tão gastas que perdem o seu significado. Uma delas é inovação. Parece que basta mudar para progredir. Mas há mudanças boas e mudanças más. Ou será que todas as inovações são boas?

Ontem à tarde estive numa reunião de discussão de programas de ensino. Um dos oradores explicava as suas ideias e repetia de minuto a minuto: «é um programa diferente», «é um programa inovador», «é um programa diferente», «é um programa inovador», «é diferente», «é inovador»...

Disse-o tantas vezes que um dos professores na sala o interrompeu e perguntou «Já percebemos que é diferente. Mas é melhor?» O orador ficou encavacado. Encavacadíssimo. Como se nunca tivesse pensado nesse problema insólito. Balbuciou umas justificações e passou à frente.

Hoje de manhã passei pela Rotunda da Boavista, no Porto, e fui surpreendido com um anúncio de uma escola de línguas. Uma larga faixa estendida no edifício afirmava, orgulhosa: «Aqui não há computadores»!

Curioso! Como se pode ter orgulho em não seguir a moda das novas tecnologias?! Lembrei-me de um laboratório de línguas que existiu durante uns tempos no meu liceu. Tínhamos de falar para um gravador, com uns auscultadores na cabeça, e ouvir a nossa própria voz, para depois corrigir a pronúncia. Na altura aprendia-se francês.

Foi um fracasso, porque se exagerou. Ninguém tinha paciência para ficar muito tempo sozinho às voltas com uns auscultadores e uns microfones. Ao fim de pouco tempo regressámos por completo ao ensino presencial, com uma professora, com diálogos, com leituras, com ditados, com redacções.

Está-se hoje a passar por uma fase semelhante. Há vantagens imensas no uso dos computadores, mas as novas tecnologias têm um papel que não deve ser exagerado. O filósofo pós-moderno Lyotard afirmou, triunfante, que os computadores iam acabar com o trabalho dos professores. Alguns filósofos, sobretudo dessa corrente delirantemente desligada do mundo, dizem qualquer coisa para serem inovadores. Felizmente, a realidade desmente-os. E na Boavista há uma escola que está orgulhosa de ter professores. Daqueles vivos, de carne e osso.

Encontrei depois um amigo e conversámos um pouco. Lembrei-me de um dos segredos da Nokia: os transformadores têm quase todos a mesma saída, de forma que um carregador de um telemóvel serve em outro da mesma marca. É uma ideia positiva. Inovar nos carregadores de telemóvel de cada vez que sai um modelo novo é um hábito desagradável de outros fabricantes.

Mas o meu amigo é filósofo. Retorquiu-me: «Sabes... quando a Nokia decide não inovar, está a ser inovadora.»

Palavras, palavras, palavras!


Nuno Crato (in Expresso Online, adaptado)

16 comentários:

José Luís Malaquias disse...

Graças a Deus, ainda há gente lúcida nesta terra! Bem-haja, Nuno Crato.

Em tempos foi-me pedido que instalasse uma rede de computadores num departamento de física, pois numa avaliação pedagógica tínhamos sido criticados por avaliadores e alunos não disponibilizar computadores a alunos. O primeiro mês passei-o a desinstalar o jogo de Quake que os alunos instalavam no lugar do sistema operativo poucas horas depois de eu sair da sala. Perdi mais dois meses a preparar uma rede sem discos locais, com arranques a partir de um servidor central, para não sofrer mais esse vandalismo. Passou a ser possível, pelo menos, arrancar com o sistema operativo. A aplicação mais popular? O IRC (programa de conversas à distância para os mais leigos). De facto, para alguns alunos, o IRC tornou-se uma tal obsessão que passaram a dedicar-lhes várias horas da sua vida, acabando por perder o ano. E isto era a universidade.

Também tive ocasião para ver in situ o sucesso das "Novas Tecnologias" no ensino básico e secundário, pois fui bastantes vezes convidado a proferir palestras em semanas da ciência organizadas pelas escolas do mais diversos pontos do país. Vulgarmente, é-me oferecida uma visita guiada às escolas e aos seus novos laboratórios e equipamentos. Eu que fiz o meu ensino pré-universitário quase sem tocar numa única montagem experimental, fico maravilhado com o manancial de recursos experimentais, multimédia mas, sobretudo, informáticos. O que encontro mais vulgarmente? Alunos a jogar jogos java num browser. Na última, há umas semanas atrás, mal terminei, vi a assistência correr para um auditório anexo, onde um aluno jogava um jogo "First Person Shooter", num ecrã multimédia com 5 metros de diagonal.
Enquanto isso, encontro professores desmotivados, com as mãos atadas, obrigados a escolher manuais escritos para mentecaptos e sem possibilidade de fazer mais do que preencher mapas, sumários, relatórios e todo o género de burocracia exigida pela 5 de Outubro.

Quero os velhos professores de volta. Aqueles que só tinham de dominar uma tecnologia: o quadro. Aqueles que passavam o tempo extra a preparar aulas e não a escrever relatórios de (não) progressão. Quero um ensino que ensine, a partir da base (português e matemática) e não a partir do topo da pirâmide (aquecimento global, novas tecnologias, comunicação, poluição, etc.), com temas que os alunos não têm bases para compreender.

J. Norberto Pires disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
J. Norberto Pires disse...

:-)

Claro que existe um excesso no uso de tecnologia no ensino, muitas vezes para disfarçar a falta de conteúdo e de preparação. Faz-se um PowerPoint para disfarçar... fica sempre bem!

Mas isso não é culpa da tecnologia. É dos professores e da escola. A ideia é: temos uma matéria para ensinar, e motivar os alunos a saber mais. Ok! Têm de saber isto e aquilo, e posso usar estes meios e aqueles. Hmmmmm! Como vou fazer?

Um professor pensa numa solução e coloca-a em prática. Não recusa a tecnologia. Usa-a, com equilíbrio; tira partido dela. A tecnologia é uma enorme aliada do ensino. Voltar ao papel e lápis, ao giz e quadro, pura e simplesmente, é pouco sensato.

O exagero só acontece quando não existe um plano, falta conteúdo, falta capacidade de motivação, etc. E aí tenta-se disfarçar. E aparecem essas "inovações" tão inovadoras.

E claro que temos de perceber os enganos. Existem muitos e "independentes" por aí! :-D

Em vez de palavras, palavras, palavras... eu diria, caro Nuno:

Desculpas, desculpas, desculpas.

Anónimo disse...

A 5 de Outubro terá muitas culpas neste cartório, sobretudo porque tem passado os últimos trinta anos a "inovar". E concordo com o Nuno Crato, se há "coisa" da qual devemos desconfiar é da inovação. Deitar fora conhecimentos acumulados sem ter a certeza que os modelos que vamos passar a seguir são mais virtuosos, é só perca de tempo.

As redes informáticas ainda mal acabaram de ser instaladas e já são um problema? Não estará o problema num outro lugar? O Norberto Pires "é que a sabe toda": Desculpas, desculpas, desculpas.

Utilizando abusivamente conceitos excelentemente apresentados pelo Desidério no post anterior, há demasiada omnisciência na Educação em Portugal e, satirizando, eu, de carne e osso, prefiro uma bela costeleta de novilho e o giz faz-me um pouquinho de alergia.
Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Uma perca é um peixe que nos merece toda a consideração, eu queria dizer ...é uma perda de tempo.
Artur Figueiredo

maria disse...

Este assunto faz-me lembrar um delicioso conto de Azimov sobre um homem na era da tecnologia intensiva, que vai redescobrir os algoritmos das operações, coisa do passado longínquo, um perigo do passado ao ser retomado tem que ser reprimido.

Bruce Lóse disse...

José L. Malaquias:
(e eventualmente a Nuno Crato)

Sou um observador perplexo da persistência dos sistemas Microsoft nas nossas universidades (quanto mais não seja), e pedia-lhe que me explicasse exactamente quais são os obstáculos à vulgarização da plataforma Linux. Recordo as vantagens:
- sem custos de licenciamento. Qual o mantante para a universidade de que nos fala?
- custos de manutenção improváveis
- segurança em rede
- estabilidade do kernel 2.6
- menor propensão ao "Quake" e afins

Não estou de forma nenhuma relacionado com a tropa do software livre, mas sempre me interroguei por que motivo os divulgadores da ciência não se empenham de uma vez por todas a romper com a hegemonia Guilherme Portões, dadas as vantagens financeiras e didácticas (código aberto) que isso acarreta.

NOTA: Concordo com a ideia de que as tecnologias não podem ser o bode expiatório dos devaneios estéreis das políticas educativas, ou do vazio educacional. Precisamos delas e precisamos de as saber usar.

José Luís Malaquias disse...

Caro Bruce Lóse,

Pessoalmente, não tenho nada contra o Linux. Na verdade, estou a escrever este post a partir de um sistema Linux. Muitos grupos nas universidades também o usam. Simplesmente, quando se trata de instalar computadores Linux, há muitas resistências, porque a maior parte das pessoas não quer aprender um sistema novo, quer usar o que já existe. Para mim, a questão é neutra. Continuo a correr windows numa máquina virtual, pois há programas e dispositivos que não são suportados e eu não tenho tempo para andar a escrever o código que não existe, no momento em que preciso dele (seja drivers, seja um software específico). Por isso, embora preferisse que o modelo Linux triunfasse, adopto uma posição neutra e não vou obrigar ninguém a usar Linux só porque eu quero, embora pudesse ter a vantagem de, no Linux, haver menos "distrações" para os alunos.

Dito isso, reforço a posição do Nuno Crato quando diz que, em muitos casos pioneiros da introdução dos computadores no ensino, os resultados foram desastrosos e foi necessário voltar atrás. O modelo da aula com 20 alunos e um professor, na frente, com um quadro, por simples que pareça, não apareceu da noite para o dia. Foram centenas de anos de evolução convergente que levaram quase todos os países a adoptar esse modelo quase unanimemente. Um modelo assim tão rodado não se muda da noite para o dia. Por isso, há que ter cuidado de não desfazer o que funciona antes de começar a experimentar novos modelos.
Pessoalmente acho o computador e, especialmente, a internet, excelentes quando preciso de fazer um estudo individual, quando quero aprender um tema que não foi alvo da minha educação ou de que já não me recordo tão bem quanto devia.
Agora, o modelo de ensino de computador em que se quer usar colectivamente o computador como ferramenta, não existe. Existem aplicações dispersas que ensinam esta ou aquela matéria. Infelizmente, a maior parte das vezes querem tirar partido das capacidades "multimédia" do computador, para fazer conteúdos mais apelativos e acabam por ensinar, no meio de uma profusão de vídeos e gráficos, apenas uns vagos conhecimentos superficiais.
A matéria de uma disciplina de ciências do ensino secundária cabe num livro de 150 páginas, se lhe tirarmos os gráficos, as tabelas e demais melhoramentos visuais. O aluno tem de ler e compreender essas 150 páginas verbalmente. Os gráficos e as imagens podem ajudar e ajudam à melhor compreensão do conteúdo, mas não são o conteúdo. Para saber o conteúdo, é preciso ler e ler dá trabalho. O aluno não quer ter trabalho e prefere distrair-se com as imagens.
Se alguém me mostrar que, com um computador, é mais fácil levar o aluno a ler as 150 páginas, eu mudo de ideias. Até agora, ainda não vi provas disso.

Anónimo disse...

É, o pior é quando os professores não dão aula, apenas deixam textos na fotocopiadora da universidade, pedem que os alunos leiam em grupo e depois usem o computador para preparar um powerpoint para apresentar.

Em comparação a isso, prefiro o aprendizado informal lendo livros, blogs, listas de discussão e etc.

José Luís Malaquias disse...

Caro Fabiano,
Penso que, ao nível universitário, essa aprendizagem informal de que fala é a melhor aprendizagem que existe. A Universidade não é o secundário e espera-se muito mais autonomia pedagógica do aluno. Se conseguir estudar por esses meios sem pôr os pés nas aulas, dou-lhe os meus parabéns e penso que irá muito longe na sua carreira.
Infelizmente, nem todos pensam assim. O modelo das fotocópias e dos power point é uma desgraça que espero que seja pontual, pois denota um claro desinteresse do professor. Só tive um professor assim e foi, de facto, aquele com que menos aprendi, apesar de ter dado 18 a quase toda a gente, sem que fizéssemos qualquer esforço por isso. Assim, ninguém reclamava.

Como docente, só tive ocasião de dar uma dúzia de aulas teóricas. Foram as mais gratificantes que tive e senti que estava, de facto, a passar conhecimentos.

O resto do tempo andei sempre a dar essa aberração que são as aulas teorico-praticas (como é que uma coisa é teórica e é prática). A atitude dos alunos era completamente passiva. Exposto e explicado um problema, ninguém se mexia. Todos aguardavam que fosse resolvido no quadro para copiarem a resolução, vírgula por vírgula, para o caderno. Mais valia resolver eu os problemas em casa e deixar as fotocópias para os alunos. Era uma perda de tempo para mim e para os alunos. Estranhamente, os alunos adoram essas aulas, raramente faltando, enquanto abandonam simplesmente as aulas teóricas, que consideram inúteis. O modelo é resolver todos os modelos de exercício possíveis, decorar todas as resoluções e depois esperar que no exame saia uma variação de um dos problemas resolvidos na aula. Experimentei, em conjunto com alguns regentes, inclusivamente fazer testes de avaliação só com problemas resolvidos na aula. Os resultados foram desastrosos.
Penso que seria muito mais produtivo reduzir a carga horária para umas 12 horas semanais (correspondendo às aulas teóricas) e deixar o resto do tempo livre para que os alunos façam o seu próprio estudo, acompanhados por tutores. Aí, então, poderia ser útil os alunos usarem os computadores e a Internet para o seu estudo. Mas estamos a falar de outro nível de ensino (o universitário) e de um outro modelo (o do estudo autónomo).

Anónimo disse...

Viva,
àparte as questões técnicas, o texto de Nuno Crato levanta a questão de que as tecnologias ao serviço da educação não podem ser vistas como um fim em si, mas antes como um meio. E se forem vistas como um meio, elas podem ser usadas da forma como muito bem se enetender. Compreendemos muito bem a questão se pensarmos o mesmo em relação aos velhos quadros de ardósia. Agora recuemos no tempo e pensemos na novidade "quadro de ardósia + giz". Seia o mesmo pensar que essa novidade sera a salvação do ensino e do sistema educativo. Creio que o Nuno Crato se referia mais a este aspecto e mais uma do «pensamento mágico» do «eduquês». Agora pensa-se que se equipa as escolas com computadores e toda a parefrenália informática e que os problemas educativos são resolvidos. Faz-me lembrar uma antiga polémica de quando se pensou colocar máquinas de contraceptivos nas escolas para educar sexualemente as criancinhas. O mesmo se passa com os computadores. Mais, a realidade do ensino é outra: uma parte significativa dos professores são ainda inforexcluídos. a prova disso é a quantidade de dinheiro gasto em acções de formação como «Introdução ao Powerpoint» que, penso não estar errado ao afirmar, é um programa intuitivamente fácil de usar e aplicar. Seria o mesmo que fazer uma acção de formação para ajudar a saber usar os talheres!!
Abraço
Rolando Almeida

Anónimo disse...

* onde se lê "parefrenália " deve ler-se "parafernália"
R.A.

Anónimo disse...

Algumas ideias soltas despertadas pelo "post" e os vossos comentários

- Ao "ouvir-vos" falar em professores e em dar aulas, não posso deixar de pensar que me parece, cada vez menos, que as aulas sejam dadas - mas sim, cada vez mais, vendidas.

- Cada vez vejo menos preocupação com a vocação e mais preocupações com o futuro financeiro (por parte de quem aprende, claro).

- Os computadores ligados em rede, permitindo hoje em dia a COMUNICAÇÃO a níveis nunca por mim imaginados, são uma ferramenta poderosissíma para a aquisição e partilha de sabedoria e experiências.

Cumps,
Mário

Anónimo disse...

Sendo a minha formação de arquitectura e planeamento, alguma validade deste comentário virá de ter estado meia dúzia de anos no sistema de ensino e, claro, de procurar estar o mais atento (e participativo) possível ao percurso educativo dos meus filhos.

Concordo inteiramente com o Rolando Almeida no raciocínio sobre as acções de formação de utilização positiva dos talheres (é assim que se vai gastando uma boa parte no nosso pib), e, concordando com alguns aspectos expostos pelo JL Malaquias, recuso-me, por pudor, a trazer aqui algumas estórias sobre conhecimentos informáticos de alguns professores a que também tenho assistido recentemente "ao vivo".

Contudo, elas demonstram que uma parte dos professores dos primeiros ciclos são, simplesmete, "aninformáticos".

Se actualmente o problema já se coloca sobre a validade dos métodos aluno/professor versus aluno/computador é pela persistência de falta de profissionalismo no sector.

Aceitem as minhas desculpas!
Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Sempre comprei Nokias por esse motivo.
O último que comprei mandou os transformadores antigos todos para a sucata.
Já não há motivos para continuar a comprara Nokia: a Nokia inovou.
Agora é diferente... dela mesma.
E é igual a todas as marcas que querem ser diferentes.

Anónimo disse...

Boca foleira: a Nokia inovou dessa forma (acabou com os transformadores únicos) desde que instalou um Centro de Inovação em Portugal.

:-D

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...