terça-feira, 1 de maio de 2007

A ILHA NA LUA - 3 E ÚLTIMA


Como não há duas sem três, deixem-me que reproduza mais um naco da sátira de William Blake. Desta vez a vítima é John Hunter (1728-1793), anatomista e cirurgião do St. Georges Hospital, em Londres, a quem Blake chama "Vira-Tripas". Um resumo biográfico de Hunter encontra-se aqui. Talvez o mais interessante seja a sua perseguição a um esqueleto vivo (ele queria ficar com o esqueleto de um irlandês de grande estatura e conseguiu!) e a espantosa premonição da sua morte (com angina de peito, disse no hospital que quem o contrariasse o matava: à primeira contrariedade, morreu logo).

Mas vejamos o Cap. VI de "Uma Ilha na Lua", onde o Vira-Tripas surge em acção no final (nesses tempos, recorde-se, não havia anestesias):


Foram todos para casa e deixaram os Filósofos. Foi então que Sucção perguntou se Píndaro não era melhor Poeta do que Giotto era Pintor.

"Plutarco não tem a vida de Giotto", disse Tragatrago.

"Não," disse Qualquê, "mas podem estar certos de que era Italiano".

"Bem," disse Sucção, "isso não prova nada".

"Plutarco era um patife vaidoo e ignorante que se fartava, " disse Qualquê. "Detesto esses vossos ranhosos bisbilhoteiros. Olhem que o Aradobe daqui a dez ou doze anos há-de ser um génio muito superior."

"Ah! disse o Pitagórico, "Aradobe há-de ser um espertalhão."

"Ora," disse Qualquê, "penso que qualquer burro nato há-de dar um espertalhão, desde que seja devidamente educado."

"Ah, ora bolas para o teu raciocínio!" disse o Epicurista. "Detesto o raciocinar. Eu guio-me sempre pelos sentimentos."

"Ah!", disse Tragatrago, "eu só queria que o Jack Vira-Tripas tivesse o jeito de Plutarco. Percebe mais de Anatomia do que qualquer dos Antigos. Havia de eneterrar a faca até ao cabo duma só vez, e enfiar o punho em seguida, e tudo no espaço de um quarto de hora. Pouco se importaria com os gritos, ainda que eles gritassem sem parança. Havia de chamar-lhes nomes & mantê-los quietos à força de punho, & dizer-lhes que lhes havia de raspar os ossos se não estivesem quietos & calados. Por que diabo hão-de as pessoas a quem lhos tiram de graça no hospital fazer uma tal chinfrineira?

2 comentários:

Anónimo disse...

...(nesses tempos, recorde-se, não havia anestesias)

Só a propósito disto, que tal recordar que a acunpunctura também tem aplicação prática na anestesia, pelo menos a nível local, sendo já mesmo utilizada na Europa, incluindo Portugal, em certos casos onde a anestesia química pode ser contra-indicada ou nem sequer se justifica?!

O paciente permanece lúcido, naturalmente, o que aliás também pode suceder em operações cirúrgicas ao cérebro, note-se, permitindo inclusive algumas experiências neurológicas a nível da sensação e percepção dos estímulos.

A este respeito, Libet e Feinstein realizaram uma importante descoberta, na década de 70, e posteriormente confirmada em vários outros experimentos, referente ao tempo de "introspecção" ou a percepção consciente dos estímulos. Um pequeno resumo pode ver-se na Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Libet

Para uma discussão muito pormenorizada, há este documento mais recente: http://www.physics.auckland.ac.nz/staff/pockett/
C&C_main_Libet_paper.pdf

O interessante é que as implicações desta descoberta dão para todos os gostos, por assim dizer, desde a negação do "livre arbítrio" e a confirmação de que a consciência é apenas o resultado do funcionamento neuronal, até à confirmação da independência mente-cérebro, obviamente sustentada pelos idealistas... like me! :)

E isto é deveras sintomático, já que uma vez mais a teoria ou axioma base determina a interpretação do mesmíssimo dado experimental... cada qual vê o que quer na ciência de escolher!!!

For the brain is just a measuring machine...

Rui leprechaun

(...a mind triggered "jelly" in between! :))


PS: Já agora, os interessados nestes temas da consciência e mente têm aqui um belo site para pesquisar. Obviamente, Libet também é aí discutido... como Damásio, McGinn e tantos outros... have a ball on this free fall! :)

http://www.consciousentities.com/

Anónimo disse...

Já que trouxe aqui, um pouco acidentalmente diga-se... mera associação selvagem de ideias... o tema das recentes investigações neurológicas acerca da ambígua relação mente-cérebro, repare-se apenas nestes nacos de prosa saborosa acerca da ultra-controversa experiência de Libet:

If there were mental events separate from their neural bases, by the way, that would not only affect precisely the hypothesis of psychoneural lawlike correlation in a theory of determinism and also the theory of the self-conscious mind. It would affect thinking about freedom more generally. [...] What this thought amounts to, put it one way, is that if the mind is ahead of the brain, there is a strangeness or mystery about the mind that does not sit well with determinism, or determinism as we naturally conceive it. There might conceivably be a determinism of or covering the mind in its very surprising independence, but it would be odd indeed. It would be a determinism separated from a determinism of the brain. [...]

There are certain quite general philosophical problems here, but it must appear that the mind-ahead-of-brain hypothesis is in fact false because self-contradictory: it asserts or very strongly implies both that something cannot occur before a certain time - before an explanatory sufficient condition occurs - and that it does. It is true, as allowed above, that if the studies of Libet et al. did actually establish of certain mental and neural items that they were not simultaneous, this would raise a difficulty for, say, the theory of psychophysical lawlike correlation. But it must be false that a mental item occurs before the physical item on whose later existence it depends and which explains it.


Muitíssimo elucidativa esta frase final, que contradiz formalmente as observações experimentais, curioso...

Já agora, este tipo de dados muito controversos e de difícil interpretação - há quem negue e quem afirme o "delay", alguém há-de estar errado! - foi objecto de análise aturada no aclamado livro de Popper e Eccles (Nobel da Medicina, 1963), "The Self and its Brain", que sustenta o princípio do livre arbítrio.

Sir John Eccles era um defensor do dualismo cérebro-mente - "How the Self Controls Its Brain" - uma posição cientificamente muito difícil, devido ao princípio fundamental da conservação da energia, algo que é facilmente resolvido pelo postulado do idealismo monista, no qual o cérebro é apenas o mecanismo biológico de medição que regista os estados mentais quânticos, segundo a novel teoria clássico-quântica da interrelação cérebro-mente, defendida por Goswami.

Esta posição bem radical é tanto mais notável, quanto o idealismo puro não só é inexistente em ciência como praticamente já quase nem existe ao nível filosófico, onde o melhor que se arranja para sustentar o livre arbítrio e a independência da mente face ao cérebro é algum tipo de dualismo mitigado e nada mais, baseado em Platão, Aristóteles e Descartes e por aí. Obviamente, Berkeley está fora de questão... ou não!? ;)

Ora aqui vai mais uma saborosa refeição...

Rui leprechaun

(...mas cuidado! não vá dar indigestão! :))

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