Minha crónica do "Público" de sexta-feira:
Houve quem ficasse admirado com a votação que Salazar obteve num recente programa televisivo. Foi uma maioria silenciosa, uma maioria que não se sabia bem onde estava. A Senhora Dona Margarida Moreira acaba de tornar público o seu voto. E ela está, ai de nós, à frente da Direcção Regional da Educação do Norte.
Era uma portuguesa anónima, justa e merecidamente anónima. Mas hoje sabemos que existe porque levantou um processo disciplinar a um professor destacado naquela Direcção que teria dito em privado uma frase jocosa relativa à licenciatura do primeiro ministro. A Directora, ou melhor a Excelentíssima Senhora Directora (não vá ela levantar outro processo), parece saída de um Portugal que julgávamos passado: o país das paredes com ouvidos, do respeitinho é muito bonito e daquilo que Alexandre O’Neill chamou o “modo funcionário de viver”.
Julgava que a liberdade de expressão era um direito adquirido, mas agora já não estou tão certo disso. A tradição dos caciques locais agradarem aos chefes ainda é o que é. Não tenho quaisquer dúvidas que o governo eleito da nação respeita os valores básicos da democracia, a começar com certeza pelo primeiro ministro. Mas já não estou tão certo que todos os nomeados pelo governo tenham a mesma atitude. Nomeadamente, a avaliar pela amostra, os directores regionais. Mesmo dando de barato que não tenha sido uma graçola mas um insulto (e quem é que vai dizer onde acaba uma e começa outro?), não lembraria a ninguém que se use a máquina do Estado para desagravar o putativo insultado. É que não foi em público, mas entre as quatro paredes de um gabinete.
Como se trata de educação, atrevo-me a pensar que este caso pode ser pedagógico: agora que se volta a falar de regionalização, e da possibilidade de um novo referendo, eu acho que não convém regionalizar à pressa quando o que está regionalizado já funciona dessa maneira tão funcionária. Não tenho nada contra as competências regionais, mas temo só de pensar na proliferação de incompetências que uma regionalização mal feita pode causar. Se, quando ainda não há regiões, tem sido um fartar vilanagem, pergunto-me como será quando as houver. As clientelas partidárias, que se têm alimentado de lugares do Estado, estão sedentas de mais... Atrevo-me até a ser mais radical: se, de hoje para amanhã, se extinguissem as Direcções Regionais, da Educação e do resto (por mim, podem também acabar com os Governos Civis, um resquício do tempo em que não havia comunicações rápidas), o país ficaria seguramente melhor. Além de que seria bastante mais barato.
O facto de ser uma Directora Regional do Ministério da Educação a mostrar serviço de uma maneira tão zelosa indica também, em particular, a necessidade de aliviar a máquina burocrática daquele Ministério. Uma parte dela serve para fazer escutas internas? Registar denúncias? E levantar processos (“procedimentos”, conforme eufemisticamente lhe chamou um Secretário de Estado, a sacudir a água do capote)? Não têm mesmo mais nada que fazer? A educação nacional, com o funcionamento que está à vista, continua doente. Está refém não só de alguns pedagogos, mas também de alguns funcionários. Não basta fechar escolas, é preciso também fechar repartições.
Muitas piadas têm corrido à custa da Universidade Independente e, se o Ministério da Educação as quer proibir, vai ter muito com que se entreter. E, sobretudo, não será um acto inteligente. A falta de sentido de humor é, em geral, uma manifestação de burrice. Eu, como muita gente, sentia-me feliz por a televisão pública transmitir programas humorísticos que faziam referência à licenciatura do primeiro ministro. Mas a Excelentíssima Senhora Directora deu-me sérios motivos para inquietação ao vir lembrar que o respeitinho é muito bonito. Eu tenho muito respeito pelo respeito, mas nenhum pelo respeitinho. Receio agora que os “Gatos Fedorentos” levem com outro processo em cima (já têm um do Pinto da Costa). A sorte deles é não estarem dependentes de nenhuma Direcção Regional da Televisão do Norte.
Houve quem ficasse admirado com a votação que Salazar obteve num recente programa televisivo. Foi uma maioria silenciosa, uma maioria que não se sabia bem onde estava. A Senhora Dona Margarida Moreira acaba de tornar público o seu voto. E ela está, ai de nós, à frente da Direcção Regional da Educação do Norte.
Era uma portuguesa anónima, justa e merecidamente anónima. Mas hoje sabemos que existe porque levantou um processo disciplinar a um professor destacado naquela Direcção que teria dito em privado uma frase jocosa relativa à licenciatura do primeiro ministro. A Directora, ou melhor a Excelentíssima Senhora Directora (não vá ela levantar outro processo), parece saída de um Portugal que julgávamos passado: o país das paredes com ouvidos, do respeitinho é muito bonito e daquilo que Alexandre O’Neill chamou o “modo funcionário de viver”.
Julgava que a liberdade de expressão era um direito adquirido, mas agora já não estou tão certo disso. A tradição dos caciques locais agradarem aos chefes ainda é o que é. Não tenho quaisquer dúvidas que o governo eleito da nação respeita os valores básicos da democracia, a começar com certeza pelo primeiro ministro. Mas já não estou tão certo que todos os nomeados pelo governo tenham a mesma atitude. Nomeadamente, a avaliar pela amostra, os directores regionais. Mesmo dando de barato que não tenha sido uma graçola mas um insulto (e quem é que vai dizer onde acaba uma e começa outro?), não lembraria a ninguém que se use a máquina do Estado para desagravar o putativo insultado. É que não foi em público, mas entre as quatro paredes de um gabinete.
Como se trata de educação, atrevo-me a pensar que este caso pode ser pedagógico: agora que se volta a falar de regionalização, e da possibilidade de um novo referendo, eu acho que não convém regionalizar à pressa quando o que está regionalizado já funciona dessa maneira tão funcionária. Não tenho nada contra as competências regionais, mas temo só de pensar na proliferação de incompetências que uma regionalização mal feita pode causar. Se, quando ainda não há regiões, tem sido um fartar vilanagem, pergunto-me como será quando as houver. As clientelas partidárias, que se têm alimentado de lugares do Estado, estão sedentas de mais... Atrevo-me até a ser mais radical: se, de hoje para amanhã, se extinguissem as Direcções Regionais, da Educação e do resto (por mim, podem também acabar com os Governos Civis, um resquício do tempo em que não havia comunicações rápidas), o país ficaria seguramente melhor. Além de que seria bastante mais barato.
O facto de ser uma Directora Regional do Ministério da Educação a mostrar serviço de uma maneira tão zelosa indica também, em particular, a necessidade de aliviar a máquina burocrática daquele Ministério. Uma parte dela serve para fazer escutas internas? Registar denúncias? E levantar processos (“procedimentos”, conforme eufemisticamente lhe chamou um Secretário de Estado, a sacudir a água do capote)? Não têm mesmo mais nada que fazer? A educação nacional, com o funcionamento que está à vista, continua doente. Está refém não só de alguns pedagogos, mas também de alguns funcionários. Não basta fechar escolas, é preciso também fechar repartições.
Muitas piadas têm corrido à custa da Universidade Independente e, se o Ministério da Educação as quer proibir, vai ter muito com que se entreter. E, sobretudo, não será um acto inteligente. A falta de sentido de humor é, em geral, uma manifestação de burrice. Eu, como muita gente, sentia-me feliz por a televisão pública transmitir programas humorísticos que faziam referência à licenciatura do primeiro ministro. Mas a Excelentíssima Senhora Directora deu-me sérios motivos para inquietação ao vir lembrar que o respeitinho é muito bonito. Eu tenho muito respeito pelo respeito, mas nenhum pelo respeitinho. Receio agora que os “Gatos Fedorentos” levem com outro processo em cima (já têm um do Pinto da Costa). A sorte deles é não estarem dependentes de nenhuma Direcção Regional da Televisão do Norte.
17 comentários:
Este é um caso público e espero que não passe em branco.
Mas é apenas um, entre muitos exemplos de como as direcões regionais de educação estão a atropelar os direitos dos professores e dos alunos, fazendo, inclusivamente ameaças aos conselhos executivos.
Maria Rodrigues
A associação da prepotência da directora regional com questão da regionalização, parece-me imprópria, ou, talvez, uma falácia. A regionalização, possivelmente, poderia evitar situações semelhantes, embora, obviamente, não as eliminasse, a natureza humana é o que é.
A parte interessante deste caso é sem dúvida o facto de acontecer uma coisa típica de regimes totalitários, 33 anos depois do 25 de Abril. As paredes com ouvidos não acabaram, continuam por aí. Aqueles funcionários zelosos, prontos a mostrarem serviço ao "chefinho". Isso é efectivamente muito triste, e mostra bem o país que somos. É desesperante.
Na verdade a coisa espantosa que foi o 25 de Abril ainda não se cumpriu. É penoso ver as comemorações, com sessões solenes, "salamaleques", paradas militares, almoços e jantares. Como dizia APL no Expresso:
“Há demasiados cravas. Beneficiam da riqueza que outros produzem sem o merecerem. É preciso instabilizar esta gente, liberalizando os mercados, expondo, todos por igual, à concorrência e ao risco.
Sob essa pressão, todo o português funciona, supera-se e supera os competidores.
Falta fazer a revolução dos cravas. Alinhar todos pela mesma exigência de vida. Sem flores, só com duas ou três reformas.”
A revolução ainda não aconteceu. Quando acontecer seremos um país solidário, democrático e com FUTURO.
O zelo daqueles que trabalham deve ser elogiado e não vilipendiado a torto e a direito.
Só consigo compreender este ardente zelo em criticar o zelo no exercício de uma função se não se for zeloso.
Existem atropelos à liberdade dos cidadãos (que não se circunscreve à liberdade de expressão) bem mais graves do que qualquer empregado ser dispensado por comentários que não se inserem no exercício da sua actividade.
Se o homem fosse humurista, político, ou jornalista, compreenderia todo este alarde popular em torno desde caso.
O respeito é bonito? Realmente é. Mas é muito mais bonito os cidadãos de forma geral tomarem consciência das responsabilidades que têm numa dada função.
O risco que se corre aqui, e do qual já tive manifestações na crónica de 6a feira passada de Vasco Pulido Valente no Público (e mesmo em alguns comentários anteriores a este post) é de, em questão de denúncias, meter tudo no mesmo saco. É evidente que uma denúncia de uma "ofensa" ao 1º ministro do tipo daquela em questão é risível, e a responsável pela decisão de exoneração do professor Charrua deveria ela própria ser sumariamente demitida.
Agora, Vasco Pulido Valente, e muitos com ele, de uma geração anterior à minha talvez, criados na paranóia do "fascismo" (perfeitamente obsoleta), aproveitaram imediatamente esta ocasião para defender que este caso é uma demonstração de que o "incentivo à denúncia", publicitado pelo governo, começa a fazer estragos. Ora, para mim, essa é uma posição totalmente demagógica e anti-pedagógica. O valor da denúncia e dos delatores, em casos em que realmente isso se justifica (corrupção, abusos de poder, nepotismo, incompetência) é inestimável. E pelo facto de, neste caso, a denúncia ter sido usada de forma pervertida (de resto, prontamente identificada) não deve de forma alguma diminuir o esforço para que a denúncia seja correctamente utilizada em outros casos como arma de limitação de poder. Isso seria fazer a vontade àqueles que gostariam de continuar a gozar de impunidade ilimitada como até aqui, em resultado de os seus potenciais denunciantes se retrairem por vergonha de agir como "bufos".
Vocês não entendem mesmo nada...
Explico:
A Senhora Directora Regional fez uma viagem na máquina do tempo (naquela do Professor Pardal!)para ajudar uma criancinha a fazer um TPC sobre o Antigo Regime.
No regresso vinha tão"apardalada", que nem reparou que estava de novo na democracia.
Vá lá, perdoem-lhe o lapso.
Não vos aconteceria o mesmo?!
:) XD
Uii. Uma coisa é zelo, outra é excesso de zelo. Uma coisa é denunciar situações, outra é denunciar um colega com quem se teve uma conversa privada num gabinete.
E isto das responsabilidades tem dois sentidos.
Parece que o que as pessoas na nossa era gostam é da ditadura do desprezo e do gozo. Passo a explicar. Como qualquer governo não pode ímpor autoridade para si própio (não querendo discutir os prós e contras deste comportamento) pode, no entanto e mesmo com liberdade, dar espaço ao desprezo a quem protesta (um protesto não inquieta ninguém) e à ridicularização por terceiros. Deste modo, quem protesta e tem pouco poder é desprezado e corre o risco de ser ridicularizado por quem tem jeito para isso (como os Gato Fedorento...). Assim, o governo tem o controlo pelo menos das pessoas sem poder. E não precisa de policia política, por isso um modelo bem mais barato. Quanto às pessoas com poder, elas não podem ser desprezadas mas ainda podem ser ridicularizadas o que provoca desgaste também. Por isso existe sempre algum controlo, mesmo sobre estas pessoas. O problema de todo este modelo é que obriga as pessoas a concentrarem-se em "politiqices" e não no seu trabalho de fundo... Este é um tema que pode ser abordado com mais extensão mas há pouco espaço aqui...ficam apenas algumas ideias.
Neste caso em particular. O desprezo do governo e a ridicularização da sociedade sobre o caso estão de modo natural a dar-lhe uma solução. De facto, para um governo em maioria absoluta a democracia é um modelo que oferece bem menos dores de cabeça do que uma ditadura. Só se tem que saber desprezar quem não tem poder e deixar ridicularizar quem tem talento para isso (mesmo que seja o governo alvo disso). Vá lá, até sabe bem ouvir uma piada sobre nós de vez em quando.
Continuamos a viver numa ditadura de manipulação da opinião pública, só mudou o estilo.
Com autorização do C. Fiolhais, esta crónica foi transcrita no SORUMBÁTICO:
http://sorumbatico.blogspot.com/2007/05/o-respeitinho-muito-bonito.html , aparecendo no seguimento do seguinte "pensamento":
Se Guterres se foi embora por causa do "pântano", qual é o espanto que haja correlegionários seus (M/F) a dedicarem-se à DRENagem?
O excesso de zelo não existe. O zelo nunca é excessivo. O conceito de "excesso de zelo" é um conceito tão irritante como o conceito de "perseguição política" (por parte de outros políticos) ou o conceito de "caça à multa" (leia-se, cumprimento escrupuloso da lei). Tais conceitos, totalmente abastardados, são o sinal infeliz da imperfeição da nossa democracia. Evidentemente, o pretenso "excesso de zelo" não deve ser praticado por devoção canina ou lambebotice para com um determinado "chefe", mas sim por devoção ao conceito abstracto de "justiça", consagrado na letra da lei. Infelizmente, por laxismo e desconfiança para com os poderes, estamos ainda muito pouco familiarizados com esta maneira de pensar. Mas, não nos pareceria perfeitamente razoável que se denunciasse um colega com quem se teve uma conversa privada num gabinite se ele nos confessasse que se dedicava a molestar crianças? Pois bem, a um nível menos grave, é certo, a mesma denúncia deveria ter lugar se esse colega nos desse a conhecer a sua fuga aos impostos, ou a sua aceitação de subornos. Contudo, nestes últimos casos, estou convencido de que haveria muitos que se "solidarizariam" (outro conceito totalmente abastardado) como o infractor. É este tipo de situações que cumpre acabar, e o empenho do governo, se entendido neste sentido, é perfeitamente nobre e eticamente correcto.
Quanto à opinião expressa pelo professor Charrua, se ela foi formulada da forma que tem sido divulgada, de facto ela constitui tão-só uma manifestação da liberdade de expressão, e quem deveria ser punido por violação desse direito era a directora regional de educação, como referi anteriormente.
Excesso de zelo é isso mesmo, um excesso que conduz a situações deste tipo atentatórias da liberdade dos outros não significando um melhor cumprimento da sua função. "Caça à multa" é um bom exemplo de "excesso de zelo", pois é feito somente para obter benefícios financeiros sem nenhuma preocupação de educação dos condutores, etc.. Espero que o miguelt nunca sofra destes "excessos de zelo" que não existem, na sua opiniºão.
O 4º parágrafo desta crónica foi "aproveitado" para um pequeno «passatempo com prémio» em que é oferecido o livro de Alfredo Barroso «Contra a Regionalização» (Gradiva).
Está em http://sorumbatico.blogspot.com/
Eu, pelo contrário, espero sinceramente "sofrer" os efeitos do "excesso de zelo", variante "caça à multa", se o MERECER (o conceito de MERECER uma punição parece estar para além da compreensão de alguns... - dizem que o homem de Neanderthal se extinguiu (?) por último na Península Ibérica). Parece-me perfeitamente legítimo, e mesmo de encorajar, que a PSP, Polícia Municipal, ou o Governo, ganhem dinheiro à conta da desonestidade/infracções dos cidadãos. O que seria imoral seria que ganhassem dinheiro de forma ilegal...
É nestas invectivas contra a "caça à multa" (leia-se cumprimento da lei) e também noutras contra as leis do tabaco (propaladas nos media por jornalistas que se acham no direito de intoxicar toda uma redacção) que se vêem as tendências de anarquismo desmiolado e a real face de uma massa demasiado numerosa de "cidadãos". Mais do que desejar a limitação do poder daqueles que abusam dele, estes "cidadãos" desejam eles próprios ser prepotentes com o escasso podem que detêm, e uma vez postos num lugar mais influente, perpetuar os abusos que criticam. Trata-se portanto de gente que se indigna contra as "roubalheiras" e as "ilegalidades" praticadas pelos governos com uma postura totalmente hipócrita.
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