quarta-feira, 23 de maio de 2007

Biodiversidade: 300 anos de Lineu

No dia 23 de Maio de 1707 nascia, numa província do sul da Suécia, Carl Linnaeus, um dos mais importantes naturalistas do Séc. XVIII. É hoje recordado por ter inventado e implementado o sistema binomial de designação das espécies, ou nome científico, na sua obra de referência Systema Naturae (1758). Nós somos Homo sapiens, o pardal Passer domesticus, a margarida Bellis sylvestris. Designações latinizadas e escritas em itálico que permitiram a utilização internacional de um código de designação da variedade do mundo vivo. Os biólogos tendem a ser muito aborrecidos e ciosos sobre os detalhes dos nomes, dizendo que o nome genérico se escreve com maiúscula e o designativo específico em minúsculas, ou referindo um erro qualquer numa letra a mais ou a menos – e alguns nomes são complicados, como Luscinia megarhynchos, o rouxinol – porque a identificação inequívoca de uma espécie é fundamental. A latinização dos nomes era óbvia: tratava-se de superar as barreiras linguísticas de cada nação de naturalistas.

A proposta de Lineu teve o grande mérito de garantir a sistematização da informação recolhida por muitos naturalistas, que, até então, não utilizavam critérios uniformes, o que dificultava enormemente a troca de informação entre eles. Assim, a acumulação de informação que se realizou nos séculos seguintes deve muito ao trabalho de sistematização desenvolvido por Lineu. E não deixa de ser significativo que o sistema binomial de nomes científicos se tenha mantido inalterado até hoje, mais de 250 anos depois.

Mas, Lineu fez muito mais do que limitar-se a propor um sistema de classificação. Foi um esforçado naturalista, que designou e descreveu cerca de 4400 espécies animais e 7700 espécies vegetais. Realizou inúmeras expedições científicas, nomeadamente a sua famosa viagem à Lapónia e incentivou e estimulou muitos outros naturalistas e curiosos a realizarem expedições com vista a um melhor conhecimento da natureza, mantendo com eles uma correspondência regular e sistematizando toda a informação que lhe era enviada. Manteve um grupo extenso de colaboradores que realizaram recolhas para essa monumental e enciclopédica tarefa. Algumas das suas obras mais importantes foram: Systema Naturae (10ª ed, 1758), Genera Plantarum (1737), Species Plantarum (1753), Hortus Cliffortianus (1737), Flora Laponica (1737), Fauna Svecica (1746), Systema Vegetabilium (1774).

Um dos seus correspondentes foi Domingos Vandelli, primeiro director do Gabinete de História Natural e do Laboratorio Chimico da Universidade de Coimbra que adoptou o sistema de classificação de Lineu para sistematizar o seu gabinete de história natural. Podemos observar hoje no edifício do Laboratorio, onde se encontra o Museu da Ciência, um conjunto de sete potes com as designações sistemáticas de classes de plantas propostas por Lineu, mandados construiu por Vandelli. A classificação proposta por Lineu incluía 24 classes, com designações como Monândria, ou Tetradynamia, ou Diadelphia, que se baseava na configuração das partes reprodutoras das plantas, particularmente da posição e número dos estames - a parte masculina. Deste modo, Tetradynamia significava 4 estames longos e dois curtos.

Na realidade o sistema de classificação das plantas acabou por ser abandonado. Mas, teve o mérito de apontar para uma parte relevante da sua classificação que tem a ver com a configuração dos órgãos reprodutores. O ‘sistema sexual’ proposto por Lineu usava extensivamente a metáfora. Ele concebeu o Reino vegetal como o templo da deusa Flora, sendo a flor um casamento de maridos e mulheres em grande liberdade. Deste modo Monandria corresponde a ‘um marido num casamento’, enquanto que Polyandria ‘a vinte maridos ou mais na mesma cama com a mulher’. As exposições de Lineu divertiram uns e escandalizaram outros dos seus contemporâneos.

Lineu, que tinha uma verdadeira obsessão pela ordem, propôs níveis taxonómicos superiores para agrupar os organismos. Além da Espécie e do Género, propôs a Ordem, a Classe e o Reino, níveis taxonómicos que ainda hoje se utilizam, complementados por outros entretanto propostos como o Filo ou a família.

O fantástico trabalho de sistematização de Lineu tinha por base uma lógica de organizar e sistematizar o mundo vivo. Mas, as classificações eram assumidamente arbitrárias. Hoje a nossa interpretação da classificação taxonómica é diferente. O maior parentesco entre as espécies reflecte a sua história evolutiva passada e a partilha de antepassados num dado momento da história da vida no planeta. Por isso, desde 1859, é muito mais fácil decidir da classificação dos organismos, por o critério ser o da sua evolução e não um critério mais ou menos arbitrário. Com o advento da biologia molecular passámos a poder ler directamente o código de instruções de produção de um organismo. E, naturalmente, organismos mais próximos evolutivamente partilham mais instruções. Por exemplo, nós partilhamos cerca de 98% desse código com os chimpanzés, os nossos parentes vivos mais próximos. A análise de sequências do DNA permite actualmente abrir uma janela sobre o passado evolutivo das espécies que os taxonomistas não imaginavam possível há 50 anos atrás.

E as descobertas neste domínio vão continuar.

Por outro lado, o trabalho de classificação e identificação das espécies é fundamental para avaliarmos o que está a acontecer à biodiversidade no planeta. Devido à fragmentação de habitats e à sua destruição estamos a assistir à maior extinção em massa dos últimos milhões de anos. Um estudo publicado na Nature em 2004 estima que, sob efeito do aquecimento global do planeta, entre 15 e 37% de todas as espécies existentes actualmente estarão extintas por volta de 2050, dependendo da sua capacidade de se deslocarem!

Aproveitando os 300 anos do nascimento de Lineu, importa que desenvolvamos acções para limitar a catástrofe.

10 comentários:

LA disse...

Muito boa a matéria. Não conhecia esse Lineu.
Sobre a extinção das espécies realmente é uma tragédia. Eu sempre lembro do pássaro "Dodô" que parecia ser uma ave maravilhosa.
abraços

James Harris disse...

Este texto é excelente, mas tem uma falha bastante frequente em textos de divulgação: foca-se nos (muitos) sucessos de Lineu, mas não refere os fracassos. O sucesso da classificação de Lineu tem muito a ver com esta não ser arbitrária. De facto, quando surgiu a Teoria da Evolução, foi possível ver como esta batia certo com a classificação de Lineu, como é referido no texto.

Mas Lineu também tentou aplicar o mesmo sistema binomial à classificação de doenças, num livro raramente mencionado (Genera morborum, 1763). E esse trabalho não teve qualquer impacto, pelo simples motivo de que o sistema binomial não se presta a esse fim, isto é, não há qualquer base biológica para fazermos uma tal classificação das doenças.

Bruce Lóse disse...

Sempre aprendi que na taxonomia se usa o género e o restritivo específico. Essa do "designativo específico" não conhecia... talvez seja um "regionalismo" que em nada importa para o trabalho de Lineu, de facto, portentoso.

Anónimo disse...

caros amigos, este post é um pedido de ajuda. Não, não vos venho pedir uma doação de medula ossea nem sequer o vosso dinheiro, venho somente pedir um singelo conselho: vou visitar a capital do império do mal, NYC e estou a elaborar uma shortlist dos sitios a visitar em 5 dias, já tenho o MOMa e o Gugga e mais o museu de história natural e as twin towers (he he he). Alguem me pode sugerir mais alguma coisita, please?

satanucho

Anónimo disse...

É interessante notar que Carolus Linneaus era um criacionista tendo sido inspirado no seu trabalho taxonómico pela ideia de que Deus criou as espécies vegetais, animais e humana de maneira diferenciada. A genética tem comprovado Linneaus e não Darwin, mostrando que existem limites claros à variabilidade genética. É bom ver reconhecido o mérito de cientistas criacionistas.

Linneaus demonstra que não é necessário ser naturalista para ser um grande cientista. Na verdade, verificamos que os seres se reproduzem de acordo com a sua espécie, exactamente como a Bíblia ensina. Por outro lado, a lei da biogénese confirma a ideia que a vida só pode ter vindo da vida e nunca de químicos inorgânicos. Só um Deus, vivo e inteligente, pode ser o autor da vida.
Até aqui nenhuma observação científica permite refutar esta afirmação.

As variações a que assistimos dentro das várias espécies não criam informação genética complexa e especificada nova, que dê lugar a estruturas e funções inteiramente novas, antes operam a partir de informação genética pré-existente, tendendo a perturbar a normal realização das funções celulares. Quando muito, pode-se observar troca ou recombinação de informação genética pré-existente. A selecção natural e a especiação vão criando subespécies geneticamente mais pobres. As mesmas podem adaptar-se melhor a um determinado meio ambiente, mas perdem a capacidade de sobreviver a uma alteração abrupta das condições ambientais. As mutações, a selecção natural e as extinções não são um mecanismo viável para a evolução das espécies, na medida em que tendem a destruir e eliminar informação.

Assim, a fé evolucionista resume-se a: “‘Não podemos voltar atrás no tempo e observar a evolução a acontecer, mas embora não tenhamos observado estamos certos de que a evolução aconteceu. Desde logo, porque a nossa ideologia naturalista só admite que a evolução possa ter acontecido. Apenas não sabemos bem como e porquê a evolução aconteceu.”

Resta chamar a atenção que os estudos mais recentes tem apontado para uma substancial revisão em baixa da alegada homologia entre chimpanzés e seres humanos, sendo igualmente certo que um chimpanzé nunca conseguiria entender uma única linha deste post.

Na verdade, mesmo dando por bons os números apresentados, os seres humanos ainda diferem dos chimpanzés em mais de 150 milhões de letras de DNA, sendo que a grande dificuldade é saber como é que essas mutações teriam sido possíveis em tão pouco tempo de acordo com os "relógios" evolucionistas.

À medida que se percebe que todo o DNA é funcional, as diferenças entre chimpanzés e seres humanos tenderão a acentuar-se. Ou seja, tal como sucede com a simples alteração de uma letra numa frase, mesmo "pequenas" diferenças genéticas (que, como vimos não são tão pequenas como isso) podem acabar por fazer toda a diferença!

Anónimo disse...

é espantoso (ou não!) como a teoria da evolução consegue abarcar todo o conhecimento biológico (p. ex. classificação de Lineu) e como sem esta teoria a bilogia deixaria de fazer sentido.

De facto a teoria da evolução permitiu aperfeiçoar a taxonomia de Lineu e torná-la de facto em algo muito mais útil.

Anónimo disse...

"sendo igualmente certo que um chimpanzé nunca conseguiria entender uma única linha deste post"
Ora nem mais. Está-se mesmo a ver que este macaco não percebeu lá muito bem o que leu.

Anónimo disse...

"Só um Deus, vivo e inteligente, pode ser o autor da vida".
Que estreiteza de visão! Que arrogância!!

Anónimo disse...

O interesse despertado é devido a uma citação à Lineu em uma obra de Friedrich Engels, A Dialética da Natureza, e logo entendi o contexto da citação, pois a referência a este é feita para mencionar uma das formas de compreender a natureza. As classificações podem ser compreendidas como transitórias ou eternas, levando em consideração, ou não, o fato da transformação constante da natureza, principalmente pela ação humana nestes últimos séculos.
Os naturalistas se inclinam para qual concepção?

Anónimo disse...

Nós somos Homo sapiens, o pardal Passer domesticus, a margarida Bellis sylvestris e viva a percepção e a biodiversidade de Linnaeus.

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