sábado, 19 de maio de 2007
O TÚMULO DA DISCÓRDIA
Artigo do "Jornal de Notícias" de hoje
Túmulo do rei está situado na Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, uma requintada peça arquitectónica do 2.º período do românico coimbrão ou afonsino
Nelson Morais *
D. Duarte Pio, representante da Casa Real Portuguesa, espera que "não se volte a referir o assunto", mas os investigadores e a reitoria da Universidade de Coimbra não pretendem fazer-lhe a vontade a antropóloga forense Eugénia Cunha revelou ontem que não vai desistir da abertura do túmulo de D. Afonso Henriques e do projecto científico inédito que pretende traçar o perfil biológico do primeiro rei português. Já na próxima semana, prometeu ontem a investigadora, haverá recurso do despacho da ministra da Cultura que proibiu a exumação das ossadas do monarca, cuja tumba está depositada na Igreja de Santa Cruz, Coimbra.
A questão é polémica - esta foi a segunda recusa ministerial - e está a dividir tanto a opinião pública como a comunidade de investigadores.
A proibição decretada pela ministra Isabel Pires de Lima, celebrada com regozijo por monárquicos, fundamenta-se num parecer do Conselho Consultivo do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), mas também nas posições dos institutos portugueses de Arqueologia e de Conservação e Restauro. Eugénia Cunha diz ter argumentos para "rebater, ponto por ponto, todos os pareceres" e acusa os elementos do IPPAR de estarem "desactualizados" relativamente aos avanços da ciência (ver outro texto).
"A ministra tinha uma oportunidade excelente de juntar a ciência à cultura, neste caso à história - e pôs de lado a ciência", critica Carlos Fiolhais, físico e director da Biblioteca Geral da UC.
O conteúdo dos referidos pareceres acentua a necessidade de salvaguardar o valor patrimonial do túmulo do fundador da nação, que ex-ministro Paulo Portas elevou a Panteão Nacional. Mas Fiolhais argumenta com a "idoneidade e qualidade" da equipa internacional e multidisciplinar liderada por Eugénia Cunha - e que inclui, entre outros, Miguel Botella, antropólogo espanhol envolvido investigação do corpo de Cristóvão Colombo, em 2003 - , sublinhando os méritos do projecto "É um estudo científico sério, como se faz nos países mais desenvolvidos, em que se ia ao encontro do nosso passado com as técnicas mais modernas", disse o académico, também conhecido divulgador da história da ciência.
Pelo contrário, o presidente da Causa Real, António de Sousa Cardoso, não reconhece "qualquer argumento ponderoso que justificasse a abertura do túmulo". No seu entendimento, "não ia enriquecer a nossa memória colectiva ou contribuir para um maior conhecimento da história", sustentou, satisfeito com o alegado "bom senso" da ministra. Já Fiolhais vê na decisão "um caso de pensamento de retrógrado". "Saber mais e saber a verdade é positivo, valoriza. Saber menos ou ignorar é negativo e é sempre menosprezar", compara.
Do outro lado da barricada, D. Duarte Pio não vislumbra o interesse de determinar o perfil biológico do rei. Na sua opinião, o projecto não terá "outras consequências que não prováveis danos patrimoniais".
José Mattoso, que acaba de publicar a única biografia de D. Afonso Henriques existente e que integra a equipa de Eugénia Cunha, discorda. "Em Portugal, não conheço nenhum estudo sério, de base antropológica, sobre os restos mortais de um personagem. E, no caso do D. Afonso Henriques, era particularmente interessante fazê-lo, porque há uma série de lendas...", declarou o historiador, em entrevista já publicada no JN.
Controvérsia que se afigura impossível de sanar, quando o interesse de investigadores é classificado, pela primeira figura da causa monárquica, D. Duarte Pio, como "curiosidade mórbida".
* Com Marta Neves e agência Lusa
"IPPAR está desactualizado", alerta Eugénia Cunha
Eugénia Cunha é antropóloga forense e lidera equipa de investigação
A antropóloga forense Eugénia Cunha, que dirige a equipa multidisciplinar que quer exumar as ossadas de D. Afonso Henriques, criticou ontem a alegada "desactualização" de conhecimentos revelada pelo Conselho Consultivo do Instituto Português do Património Arquitectónico (CC/IPPAR) sobre as potencialidades dos testes de ADN. Essa crítica consubstanciará um dos argumentos que a especialista e a Universidade de Coimbra (UC) pretendem apresentar à ministra naquela que será a terceira tentativa de abertura do túmulo do primeiro rei de Portugal.
Segundo afirma o historiador José Mattoso em entrevista da edição de ontem do "Público", o arqueólogo Cláudio Torres, membro do CC/IPPAR, tê-lo-á esclarecido de que a razão "principal" do parecer negativo do instituto é que "a técnica de identificação de ADN não está ainda suficientemente desenvolvida para se garantirem os resultados".
Eugénia Cunha discorda veementemente "Nos últimos dois anos houve grandes progressos nas técnicas de ADN", sustenta, lembrando que, em Dezembro de 2006, a revista científica Nature publicou resultados esclarecedores de testes a ossadas, com 60 mil anos, de um homem de Neandertal encontrado em Vindija, nos Balcãs.
O IPPAR contestou também a exportação de partículas relativas às ossadas de D. Afonso Henriques (o que é designado como "elementos osteológicos"). Também esta questão é desdramatizada por Eugénia Cunha, que esclarece o que está planeado "É apenas o envio de umas poucas gramas de osso para dois laboratórios de França e EUA, pela simples razão de que Portugal não tem laboratórios capazes de executar as análises de Carbono 14 pretendidas".
Outro dos argumentos do Conselho consultivo prende-se com o próprio túmulo do rei e com os danos que o mesmo pode sofrer, ao ser aberto, numa operação entregue à empresa Teixeira Duarte, colaboradora habitual do IPPAR. A investigadora diz que "nada é absolutamente seguro", mas, "durante mais de um ano fizemos planos que garantem que os riscos serão mínimos".
Estes e outros argumentos serão remetidos, na próxima semana, à ministra Isabel Pires de Lima. A investigadora não quer que o documento seja "interpretado como uma forma de pressão". "O que pretendemos é esclarecer, de uma vez por todas, as condições de execução do projecto". NM
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5 comentários:
Como os autores desta notícia tiveram o bom senso de não colocar datas de nascimento ou outras, nem nela se fala do Santo Ofício, não consegui detectar erro nenhum. Mas será que analisei o contéudo do post com toda a atenção?
Uma coisa é certa para a generalidade dos cidadãos, a ideia que fica desta história é que, por medo do desconhecido ou por qualquer outro motivo, alguém não quer correr riscos de a nossa História poder ser escrita de outra forma.
Neste país, pessoas de reconhecida idoneidade, como o historiador José Mattoso, só são de elevada estatura moral e ética quando dizem aquilo que não nos afronta.
Por lapso não deixei o meu nome no comentário anterior.
Artur Figueiredo
o medo do conhecimento sustentado por razões insustentáveis é, de facto perverso e assustador.
Não sabia que existiam tantos velhos do Restelo em Portugal nos tempos que correm. É muito triste assistir a situações deste tipo. Claramente, uma questão de interesses bafientos.
Não estou a par dos detalhes técnicos do projecto, nem da competência técnico-científica dos envolvidos. No entanto, estou muito curioso para saber quem são os outros investigadores envolvidos e quais as suas funções, como por exemplo o papel a desempenhar por Miguel Botella?
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