sexta-feira, 11 de maio de 2007

O PORTUGUÊS, LÍNGUA DE CIÊNCIA


Texto escrito em colaboração com Décio Ruivo Martins, baseado na intervenção que fiz na "Expolíngua" de Praga em 2006, a convite do Instituto Camões:

“O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente a dar por isso”.

Álvaro de Campos

O Português, a sétima língua mais falada do mundo, é, sem dúvida, uma língua de referência da literatura: da poesia ao romance, do teatro ao conto, muitos foram ou são os autores que exprimem a sua arte em português. Alguns deles foram ou são nomes de topo da literatura mundial.

Mas o Português é também, tem sido, uma língua de ciência. Por vezes são os escritores que falam de ciência... O poeta Luís de Camões (que dá o nome ao Instituto que, em Portugal, pugna pela defesa internacional da língua portuguesa) falou de astronomia nos Lusíadas, apresentando o sistema ptolomaico. E Álvaro de Campos, o heterónimo do poeta Fernando Pessoa mais seduzido pelo poder da técnica, chamou a atenção para as semelhanças entre arte e ciência. Outras vezes são cientistas que escrevem em bom Português, num Português literário.

O Português começou a ser língua de ciência quando a ciência moderna despontou, nomeadamente nos séculos XV e XVI. Foi nessa mesma época que os Portugueses empreenderam os descobrimentos marítimos. Foram precisas ciência e tecnologia para descobrir os caminhos do Oriente. A ciência foi precisa para orientar os barcos pelos astros no alto mar. E a técnica foi precisa para aperfeiçoar o barco mais usado – a caravela – e para levar a bordo instrumentos que permitiam a localização no mar – o astrolábio.

Talvez o maior cientista português de todos os tempos tenha sido Pedro Nunes, o matemático e “cosmógrafo-mor” do rei D. João III, que, no século XVI, viveu na Universidade de Coimbra, uma das universidades mais antigas da Europa já que foi fundada no final do século XIII (há um grupo das mais antigas universidades do mundo, que inclui a de Praga, e que se intitula “grupo de Coimbra”).

A obra do português Pedro Nunes, provavelmente um cristão novo (isto é, um judeu que abraçou o cristianismo), era conhecida do astrónomo dinamarquês seu contemporâneo Tycho Brahe, que foi mestre da astrónomo Kepler. Os dois, como é sabido, viveram largo tempo em Praga. Tycho Brahe surge numa gravura juntamente com o nónio de Nunes, um instrumento descrito pela primeira vez no livro De Crepusculis (1542) e que serve para medir ângulos (no caso de Brahe, alturas de astros) com maior precisão.

Nunes escrevia principalmente em latim (o inglês da época no sentido de ser língua franca da ciência), mas também se exprimiu por escrito em Português e Castelhano. O seu crucial Tratado da Sphera, de 1537, que contém duas obras originais sobre navegação, saiu originalmente em Português. Nessas obras apresenta-se pela primeira vez a distinção entre linhas de rumo e círculos máximos, e estudam-se as consequências, para a cartografia, da representação dos rumos por linhas rectas. Tal descrição poderá ter influenciado o globo da autoria do flamengo Geraldus Mercator, que surgiu em 1541, onde aparecem traçadas linhas de rumo, designadas no século XVII por linhas loxodrómicas. Este mesmo tema é tratado com maior profundidade, em 1566, no monumental livro de Nunes Opera, escrito em latim e publicado em Basileia. Essa obra, talvez da mais notável obra de Pedro Nunes devido ao seu enorme impacte internacional, poderá de novo ter influenciado Mercator, que publicou a sua famosa carta ad usum navigantium (“para uso dos navegantes”) pouco tempo depois, em 1569. Nunes está hoje imortalizado por existir uma cratera na Lua com o seu nome, tal como os navegadores portugueses Vasco da Gama e Fernão de Magalhães.

O notável Libro de Algebra (Antuérpia, 1567) não saiu em latim, mas sim em Castelhano: Pedro Nunes afirmou no prefácio que o escreveu primeiro em português, tendo-o depois traduzido (o autor tinha estudado na Universidade de Salamanca, em Espanha). Nunes foi citado por aquele que foi o maior astrónomo entre Copérnico e Galileu, Cristopher Clavius, um jesuíta alemão que foi estudante de Coimbra, dirigiu a comissão papal para a reforma do calendário e confirmou as primeiras observações astronómicas de Galileu. Clavius também tem o seu nome numa cratera da Lua! Em Portugal, o novo calendário gregoriano foi descrito em português pelo professor conimbricense sucessor de Nunes, André de Avelar: Chronographia ou reportorio dos tempos: o mais copioso que te agora sayo a luz: conforme a nova reformação do Santo Padre Gregorio XIII. Apesar de Avelar ter procurado evitar conflitos com a Igreja, nomeadamente ao defender o sistema ptolomaico, não conseguiu evitar o julgamento pela Inquisição e a inclusão do seu livro no Índex Prohibitorum.

Um navegador português do tempo de Pedro Nunes que prestou contribuições fundamentais para a cartografia e para a ciência foi D. João de Castro, fidalgo que chegou a Vice Governador da Índia. Escreveu em Português três célebres Roteiros da Índia, um dos quais se encontra na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Descreveu também o desvio da agulha da bússola em certos sítios da costa onde havia metais, como o cabo das Agulhas em África. O seu nome está hoje perpetuado no Banco de João de Castro, um vulcão submarino nos Açores que no século XVIII originou uma ilha temporária.

Outro famoso cientista português que escreveu em Português no tempo dos Descobrimentos foi o médico e botânico Garcia da Orta. O seu Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia (1563), escrito na língua nacional, é o primeiro tratado de medicina tropical, não admirando por isso que tenha alcançado uma forte repercussão na Europa. Os Colóquios foram rapidamente traduzidos para Castelhano e para Francês. O autor descreve neles espécies botânicas desconhecidas do Ocidente e as suas aplicações farmacológicas. Descreve também pela primeira vez a cólera e outras doenças tropicais. Orta era também um cristão novo: a sua família foi perseguida pela Inquisição de Goa e ele próprio foi queimado depois de morto.

Depois do período de decadência que se seguiu à época dos Descobrimentos, ocorreu no século XVIII um resurgimento da ciência em Portugal. A Universidade de Coimbra foi reformada em 1772 por acção directa do Marquês de Pombal, o poderoso primeiro ministro do Rei D. José I. Nessa altura foi criada uma Faculdade de Matemática e outra de Filosofia (entenda-se Filosofia Natural), a qual devia garantir o ensino experimental. Fundaram-se o Gabinete de Física Experimental (hoje Museu de Física da Universidade de Coimbra), o Laboratório Químico (hoje sede do Museu de Ciência da mesma Universidade), o Museu de História Natural, o Jardim Botânico e o Observatório Astronómico.

Alguns cientistas dessa época do Iluminismo que escreveram artigos em Português foram os matemáticos Anastácio da Cunha (que, curiosamente, também foi poeta) e José Monteiro da Rocha (um padre jesuíta que estudou no Brasil antes de se tornar professor em Coimbra), o médico Jacob de Castro Sarmento (um exilado em Londres, de origem judaica, que foi o primeiro tradutor de Newton para Português), os físicos Teodoro de Almeida (um padre oratoriano, que ensinou na Casa das Necessidades, onde hoje é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, antes de se ver obrigado a exilar para Espanha e França) e Giovanni de Dalla Bella (um professor italiano de Pádua que foi colocado em Coimbra pelo Marquês de Pombal depois de ter ensinado no Colégio dos Nobres em Lisboa, onde hoje é o Museu de Ciência da Universidade de Lisboa). Sarmento e Almeida foram “estrangeirados”, nome dado aos portugueses cultos que foram obrigados a fixar-se fora do país devido a perseguições internas, mas que conservaram uma ligação a Portugal.

Passemos em breve revista as vidas e obras de alguns dos nomes mais importantes da ciência portuguesa da época barroca (quando o barroco florescia não só no extremo oeste da Europa, mas também na Europa Central).

José Anastácio da Cunha, oficial de artilharia e depois professor na Universidade, deixou um extenso livro, os Principios Mathematicos (publicado postumamente), onde procurou apresentar as bases da matemática num todo logicamente coerente. Foi precursor dos esforços oitocentistas no sentido de fundamentar solidamente a matemática. E foi o primeiro matemático a dar e usar uma definição correcta de convergência para séries infinitas, utilizando para esse efeito o que hoje se chama o critério de Bolzano-Cauchy.

Monteiro da Rocha estava no Brasil por ocasião da passagem do cometa Halley, em 1759. Redigiu em Salvador, na Baía, um manuscrito sobre cometas, que concluiu em Março de 1760, quando tinha apenas 25 anos de idade. Neste documento, escrito em Português e intitulado Sistema físico-matemático dos cometas, Rocha analisava a natureza física dos cometas e o modo de calcular as suas efemérides. O manuscrito de Monteiro da Rocha manteve-se inédito na Biblioteca Pública de Évora, até que um investigador brasileiro o encontrou e publicou (em 2000). Por decreto de 1772 Monteiro da Rocha foi nomeado professor, na nova Faculdade de Matemática, da cadeira de Ciências Físico Matemáticas. Mais tarde dirigiu o Observatório Astronómico de Coimbra e publicou as primeiras Efemérides Astronómicas.

A difusão da filosofia newtoniana em Portugal deveu-se, em boa parte, ao exílio de Jacob de Castro Sarmento para Inglaterra. Para fugir à Inquisição, em 1721, Sarmento, que tinha estudado Medicina na Universidade de Coimbra, fixou se em Londres, mantendo, no entanto, uma importante influência em Portugal. Sarmento, doutor pela Universidade de Aberdeen, na Escócia, entrou na Royal Society em 1730. A primeira tradução portuguesa de Newton foi efectuada por Sarmento: Teoria verdadeira das marés, conforme à Filosofia do incomparável cavalheiro Isaac Newton, publicada em Londres em 1737.

Por seu lado, Teodoro de Almeida deu um contributo notável para a renovação da cultura científica não só em Portugal como em Espanha. A sua atitude reformista viria, no entanto, a ser fortemente combatida pelos meios mais conservadores, em particular por alguns membros da Companhia de Jesus, tendo mesmo sido acusado de heresia. O livro Recreação Filosófica ou Diálogo sobre a Filosofia Natural, cujo primeiro tomo foi publicado em 1751, revela a existência na época, em Portugal, de um ensino actualizado e também a preocupação que já nessa altura havia com a cultura científica. A actividade pedagógica e científica de Almeida entre 1745 e 1760 antecipou a renovação do ensino verificada em Coimbra com a Reforma Pombalina em 1772. Muitos aspectos que viriam a ser contemplados com a criação do Gabinete de Física Experimental em Coimbra eram já preocupação de Teodoro de Almeida no início da década de 1750. No Colégio dos Oratorianos na Casa das Necessidades a prática experimental atingiu padrões de boa qualidade internacional. Alguns autores da época referiram se de uma forma elogiosa à qualidade e da quantidade dos instrumentos com que estava equipado o Gabinete de Física das Necessidades, que serviu até para instrução e recreação do rei. Alvo das perseguições pombalinas, Almeida foi obrigado em 1760 a desterrar-se para o Porto, vendo se de novo obrigado a fugir, passados oito anos, desta vez para Espanha e daí para França, só regressando a Portugal em 1778. Em França correspondeu-se com um outro estrangeirado, António Ribeiro Sanches, médico de origem judaica que trabalhou para Catarina II e foi um dos inspiradores da reforma pombalina. Continuou no exílio a desenvolver uma grande influência na cultura portuguesa. Almeida publicou em 1784 uma obra em três tomos, escrita em Português, intitulada Cartas Físico matemáticas de Teodósio a Eugénio. Foi sócio fundador da Real Academia das Ciências de Lisboa, em 1779, que surgiu na sequência da criação de instituições análogas nas principais capitais europeias.

O Marquês de Pombal ordenou em 1772 uma grande renovação da área da Filosofia Natural. A instalação de um Gabinete de Física Experimental no Colégio dos Nobres, em Lisboa, tinha-se revelado infrutífera, apesar da contratação de um professor italiano, Giovanni Dalla Bella, de Pádua. Verificado esse falhanço, o seu equipamento foi transferido em 1773 para o Gabinete de Física Experimental de Coimbra. Dalla Bella transferiu-se também para Coimbra. A instalação do Gabinete de Física de Coimbra, caracterizado pela riqueza dos seus instrumentos (dizia-se que era maior que o da Universidade de Pádua!), foi uma das obras mais relevantes da Reforma Pombalina. O programa de estudos da cadeira de Física Experimental que, com a Reforma, começou a ser leccionada em Coimbra estava a par do que era então ensinado nas melhores escolas europeias. A obra em latim Physices Elementa, em três volumes, de 1789/1790, de Dalla Bella, foi o primeiro livro de Física a resultar da reforma da Universidade, sendo nele bem patente a actualização científica do autor. Dalla Bella escreveu também em Português, nomeadamente Noticias historicas, e praticas ácerca do modo de defender os edificios dos estragos dos raios, saído em 1773.

O “Laboratório Chimico” da Universidade de Coimbra foi, em todo o mundo, um dos primeiros edifícios construído propositadamente para o ensino da Química. Natural do Brasil, Vicente Coelho Seabra licenciou-se em Medicina na Universidade de Coimbra, em 1791, depois de ter sido brilhante aluno da Faculdade de Filosofia (a galeria dos notáveis oriundos do Brasil no século XVIII, além do químico Seabra, incluiu ainda José Bonifácio de Andrada e Silva, o mineralogista que descobriu o mineral do lítio, e ainda Bartolomeu de Gusmão, o construtor e demonstrador de um aparelho voador, a “Passarola”, na corte de D. João V). No mesmo ano em que concluiu os seus estudos médicos foi nomeado demonstrador da cadeira de Química e Metalurgia. Em 1788/1789, quando ainda era estudante de Medicina e tinha apenas 24 anos, Seabra publicou o livro em Português Elementos de Química. Seabra dividiu o seu compêndio em duas partes: a primeira publicada um ano antes do francês Antoine Lavoisier dar à estampa o seu famosíssimo Traité Elementaire de Chimie (1789) e a segunda editada um ano após a publicação deste tratado. É extraordinário que Seabra tenha antecipado as principais ideias da química de Lavoisier, em oposição às anteriores ideias do flogisto, mas infelizmente faleceu pouco antes de fazer 40 anos...

No domínio das tecnologias próprias não se pode dizer que Portugal depois do astrolábio e do nónio tenha conhecido grandes avanços. Os instrumentos dos gabinetes de física e laboratórios de química do século XVIII eram importados de fora ou feitos em Portugal imitando modelos estrangeiros. Mas merece referência um nome português entre os principaia projectistas de instrumentos em todo o mundo: João Jacinto Magalhães, um outro estrangeirado. Magalhães (um descendente do navegador Fernão de Magalhães) estudou no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Depois de ter deixado Portugal em 1756, viveu em França antes de se fixar definitivamente em Londres em 1764. Em Inglaterra colaborou e manteve correspondência com os cientistas europeus mais notáveis da sua época, como Joseph Priestley, Watt e Volta. Além disso, promoveu em todo o continente europeu instrumentos científicos fabricados em Inglaterra. O prestígio científico de Magalhães estendeu se a toda a Europa, desde Lisboa a São Petersburgo, tendo mesmo chegado aos Estados Unidos. Magalhães foi membro ou sócio correspondente de várias sociedades científicas, entre as quais as Academias das Ciências de Lisboa, de Bruxelas, de Paris, de São Petersburgo, de Berlim, a Sociedade Filosófica Americana em Filadélfia, e a Royal Society de Londres. Colaborou com a coroa portuguesa, enviando colecções de instrumentos de astronomia, física, náutica, etc., cuja construção ele próprio supervisionava. Para Coimbra, Magalhães enviou um conjunto de instrumentos de Física e de Astronomia, alguns com melhoramentos técnicos da sua autoria, que hoje se conservam no Museu de Física da Universidade de Coimbra. Escreveu sobretudo em Francês e Inglês, embora seja autor de uma gramática de Grego publicada em Português: Novo epitome da grammatica grega de Porto-Real (1756).

Autor de vasta obra de repercussão internacional, o botânico Félix Avelar Brotero foi talvez o mais proeminente cientista português do século XIX. Após a Reforma Pombalina, foi no ano de 1791 que se verificou a primeira alteração do plano de estudos na Faculdade de Filosofia. Com efeito, foi nesse ano criada a cadeira de Botânica e Agricultura para substituir a de Filosofia Racional do primeiro ano do Curso de Filosofia. Para reger a nova cadeira de Botânica foi nomeado Avelar Brotero, que após a sua graduação entrou para professor da Faculdade de Filosofia. Brotero havia estudado no Colégio dos Religiosos de Mafra, tendo depois concorrido a capelão cantor da Igreja Patriarcal de Lisboa. Emigrou para França na companhia do poeta Filintio Elísio. A sua estada na capital francesa permitiu lhe conviver com os mais eminentes naturalistas franceses da época, em particular Georges-Louis Leclerc (Conde de Buffon), Georges Cuvier e Jean Baptiste Lamark. Doutorou se em Medicina na Universidade de Reims. Depois do seu regresso a Portugal, foi nomeado professor da Faculdade de Filosofia, tendo sido determinante a sua intervenção para mudar o plano de estudos que levou à criação da cadeira de Botânica e Agricultura. A sua acção no Jardim Botânico de Coimbra, fundado por Domingos Vandelli (um italiano colega de Dalla Bella), foi preponderante. Brotero foi membro de diversas academias científicas, entre as quais as Sociedades de Horticultura de Londres e Lineana de História Natural da mesma cidade, a Academia Real das Ciências de Lisboa, de História Natural e Filomática de Paris, Fisiográfica de Lund, e de História Natural de Rostock e Cesareia de Bona. Entre os vários trabalhos que publicou refiram-se os seguintes em língua portuguresa: Compêndio de Botânica, ou Noções Elementares desta Ciência, segundo os melhores Escritores Modernos, espostas na Língua Portuguesa (Paris, 1788) e Compêndio de botânica: addicionado e posto em harmonia com os conhecimentos actuais desta ciência, segundo os botânicos mais célebres... (Lisboa, 1837-1839).

Pedindo meças a Brotero, na cena científica portuguesa do século XIX, talvez só o matemático Francisco Gomes Teixeira, cuja actividade se estendeu à primeira parte do século XX. Gomes Teixeira foi professor da Universidade de Coimbra e depois da Academia Politécnica do Porto. Mais tarde chegou a Reitor da Universidade do Porto, fundada, tal como a de Lisboa, em 1911, depois da implantação da República. Membro de várias academias nacionais e internacionais, defendia que os portugueses deviam publicar os seus trabalhos científicos noutras línguas que não o Português, a fim de permitir maior internacionalização. Da sua obra em Português, ressaltam o Curso de Análise Infinitesimal (1887-1892), que influenciu o ensino da Análise em Portugal, e a História das Matemáticas em Portugal (1934), que é muito boa nos capítulos biográficos (sobre Pedro Nunes, Anastácio da Cunha, Monteiro da Rocha e Daniel da Silva, este último um matemático do século XIX cuja obra não teve em vida o merecido reconhecimento). O seu Tratado das Curvas, escrito em Castelhano, foi premiado pela Academia das Ciências de Madrid (1900). Numa versão melhorada saiu em língua francesa, do prelo da Academia das Ciências de Paris (1917), e é ainda hoje uma das obras de referência mundiais sobre a teoria clássica das curvas, tendo modernamente conhecido reedições em Nova Iorque em 1971 e em Paris em 1995.

No século XX, o nome da ciência portuguesa mais conhecido internacionalmente foi o do nosso único prémio Nobel em Ciências, António Egas Moniz, que começou por ser professor na Universidade de Coimbra e depois se mudou para a Universidade de Lisboa. Ganhou o Prémio Nobel da Medicina e da Fisiologia, juntamente com o médico suíço Walter Hess no ano de 1949, pelos seus trabalhos relativos à lobotomia pré-frontal. Esta técnica, que consistia na ablação de parte do cérebro em doentes mentais, foi na altura popular, mas hoje está absolutamente banida, pelo que a atribuição do Nobel ainda hoje é objecto de alguma polémica. Moniz foi também o autor da muito menos controversa técnica da angiografia, que usava os raios X e a marcação de vasos sanguíneos para diagnosticar doenças do cérebro.. Egas Moniz, que desenvolveu uma actividade política para além das suas tarefas pedagógico-científicas e da sua prática clínica, foi o autor de várias obras, algumas das quais em Português, nomeadamente A Vida Sexual, a sua tese de doutoramento em Coimbra. Foi alvo de numerosas distinções nacionais e internacionais. No fim dos seus dias, ficou deficiente por ter sido alvejado a tiro por um dos seus doentes.

Não cabe aqui falar da ciência recente (cuja história aliás está em larga medida por fazer), até porque os cientistas portugueses modernos usam preferencialmente o Inglês como língua de comunicação dos seus trabalhos. Porém, usam o Português em textos de índole pedagógica ou de divulgação da ciência. Em Portugal tem conhecido forte expansão nos últimos anos tanto a literatura científica em Inglês feita por portugueses como a literatura de divulgação científica em Português. Vários nomes poderiam ser referidos a propósito desta última, mas, só para dar um exemplo de um cientista português que escreve ensaios num bom Português, mencione-se o neurocirurgião João Lobo Antunes, professor da Universidade de Lisboa e vencedor em 1996 do Prémio Pessoa, um dos maiores prémios portugueses (que homenageia o poeta Fernando Pessoa). Ele é o autor de vários livros de ensaios à volta das ciências médicas publicados pela editora Gradiva: Um Modo de Ser, Sobre a Mão e outros Ensaios, Memória de Nova Iorque e Outros Ensaios e Numa Cidade Feliz. É irmão do também médico mas principalmente escritor de fama internacional António Lobo Antunes. É difícil dizer qual deles escreve melhor: o primeiro tem uma escrita exacta mas elegante, ao passo que o segundo tem uma escrita criativa, tendo o seu estilo próprio valido a sua consagração como um dos mais originais escritores portugueses contemporâneos.

As obras dos dois irmãos Lobo Antunes mostram bem como o Português, que é falado por mais de 270 milhões de pessoas, é uma grande língua tanto de literatura como de ciência...

6 comentários:

Anónimo disse...

Tem gente muito bonita, a nossa História!

guida martins

Anónimo disse...

E ainda andam por ai muitos a desvalorizar o nosso país, com tanta gente importante e muitos mais que aqui não cabiam de igual importancia, é assim Portugal um país assim tão miseravel?

Nada disso, é pena que nos ultimos tempos não tenhamos tido politicos à altura das situações, por isso minha gente toca a meter mão à obra e comecemos pelo ensino para melhorar a nossa ciencia e desenvolvimento e se tivermos força de vontade daqui a 10 ou 20 anos começamos a ver os resultados.

Ha que arregaçar as mangas e como dizia Churchil: Labutar Labutar!

Cristina Melo disse...

Não poderia ter começado da melhor maneira !...

Cristina Melo disse...

"de melhor maneira"

Manuel Silva disse...

Ai os lusitanos! Tantos feitos dizem-nos eles repetidamente, em verso e tudo! Mas na verdade a montanha pariu um rato, nem um cientista com contributo decisivo. O espinosa se tem nascido por ca' escrevia uns versos sobre o aristoteles. A douta universidade de coimbra preferia a phisica do aristoteles a' heresia do calculo de newton e leibniz.
A perola do post e' sem duvida esta
"É extraordinário que Seabra tenha antecipado as principais ideias da química de Lavoisier"
A' ganda seabra, ate' os comemos! Ainda vamos conseguir provar que o lavoisier estava em fora de jogo, o cauchy esse malandro fez penalti sobre o anasta'cio. Finalmente devo anunciar aqui em primeira mao que a teoria da relatividade ja' era conhecida na universidade de coimbra pelo menos desde o seculo XVIII. O malandro do judeu einstein numa visita a' biblioteca joanina encontrou tudo escarrapachado num manuscrito.

João do Lodeiro disse...

Ah... era só para dizer que lenam pode estar errado(a)! Infelizmente, a sua posição, neste assunto, revela muito bem a nossa típica e portuguesíssima forma de estar! A resposta está no blogue Natureza Naturada.

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