quinta-feira, 10 de maio de 2007

NANOTECNOLOGIA: COMO E PARA QUÊ

Qual foi o instrumento que permitiu a proeza nanotecnológica de escrever IBM só com 35 átomos? E o dispositivo que permitiu fotografá-la? Trata-se afinal de um e do mesmo instrumento: o microscópio de efeito túnel (“scanning tunneling microscope”, abreviado para STM), que foi inventado em 1982 pelo físico suíço Heinrich Roehrer e pelo físico alemão, seu discípulo doutoral, Gerd Binnig. O aparelho era tão engenhoso que valeu aos dois o prémio Nobel da Física em 1986, escassos quatro anos depois da construção. Raramente a Academia de Estocolmo é tão rápida a conceder a sua alta distinção... E não era caso para menos uma vez que o instrumento que permitia manipular e visualizar os átomos depressa encontrou as mais variadas aplicações.

Um moderno STM fica colocado em grande parte dentro de uma câmara de alto vácuo, uma vez que, para juntar os átomos sobre uma superfície, convém que não haja átomos de oxigénio ou azoto por perto, uma vez que os átomos da atmosfera se ligam facilmente à superfície (os átomos gostam uns dos outros!). A tecnologia desses microscópios tem evoluído bastante desde o primeiro protótipo e continua a evoluir. Tornaram-se mais sofisticados por um lado e menos sofisticados por outro. Como um “spin-off” do grupo de Roehrer foi até criada uma empresa que monta e vende STM portáteis, que são ligados a computadores também portáteis para uma utilização escolar. A diferença para os equipamentos profissionais é que não exigem o ambiente de alto vácuo. Mas, em contrapartida, não funcionam com quaisquer amostras, mas tão só com amostras pré-preparadas como as de grafite, a forma de carbono que existe na ponta dos lápis (a estrutura interna é em folhas, que podem deslizar umas sobre as outras, ao contrário de outras formas de organização do carbono, como o diamante). Esses STM permitem aos alunos observar os átomos ao vivo e não apenas lê-los como palavras à la Demócrito ou vê-los como bolas pintadas num livro, à la Dalton. Os alunos podem, por exemplo, ver os belos “favos de mel” que são as folhas de grafite.

Mas como funciona o STM? Possui uma ponta extremamente afiada, com um ou poucos átomos no vértice, que é controlada por um braço mecânico com um movimento tridimensional (para cima e para baixo, para a frente e para trás, para a direita e para a esquerda). Essa ponta é colocada mesmo por cima da amostra cujos átomos se pretende estudar. Mas, muito cuidado, há um espacinho entre a ponta e a amostra: neste tipo de microscópio a ponta não toca na amostra... Estabelecida uma grande tensão eléctrica entre a ponta e a amostra, os electrões da amostra, que estão obviamente mais concentrados nos sítios onde há mais átomos, são extraídos para a ponta. Uma pequena corrente eléctrica é medida. De acordo com a mecânica clássica essa corrente deveria ser nula, mas não é por obra e graça da mecânica quântica: o fenómeno chama-se “efeito túnel”. A ponta move-se sobre a superfície da amostra, recolhendo sempre a corrente eléctrica, tal e qual um arado que lavra um terreno. O que se está a medir é a densidade de electrões em cada ponto. Representando-a, ao fim de algum tempo de recolha de dados, no ecrã de computador obtém-se uma imagem com uma admirável resolução atómica.












É assim que é possível fotografar não só a grafite, ou “ilhas” de molibdénio colocadas num “mar” de silício (um metal colocado por cima de um semicondutor, tendo essas ilhas um tamanho nanométrico). Pode-se também fabricar coisas muito estranhas, como a molécula que foi chamada “homem molecular”, uma supermolécula feita de moléculas diatómicas com dimensões de 2,5 x 5 nanómetros. Ou como um mapa-múndi feito com átomos de ouro (é fácil adivinhar qual é o continente onde ele foi feito!).

A nanotecnologia responde a questões como: Quantos átomos são precisos para se obter um material com certas propriedades? Por exemplo: Quantos átomos de cloro e de sódio são precisos para se ter o cloreto de sódio (sal das cozinhas)?

As aplicações da nanotecnologia são inúmeras. Uma das mais badaladas é o fabrico de nanocomputadores, isto é, de computadores com transístores à nanoescala. Os transístores são interruptores por onde passam (ou não, conforme o valor de uma tensão eléctrica aplicada) pequenas correntes eléctricas. Um processador central de um computador actual tem cerca de 10 milhões de transístores. Em 1985, a dimensão de um transístor integrado num “chip” de computador era de um micrómetro, o tamanho característico das células vivas, mas vinte anos depois já era de um décimo de micrómetro (100 nanómetros). Essa evolução, apesar de vertiginosa, deu-se sempre na microelectrónica. Mas agora está a bater à porta a nanoelectrónica! Estima-se que seja possível construir nanocomputadores que tenham as possibilidades dos actuais, mas com o tamanho – o computador todo - do décimo de micrómetro, 100 nanómetros. As peças constituintes desses nanocomputadores serão moléculas com um tamanho semelhante ao das proteínas, mas com a diferença de terem sido feitas artificialmente em vez de serem o resultado do longo processo da evolução biológica. Esses computadores serão 2000 vezes mais pequenos do que os actuais porque os transistores que constituem serão 2000 vezes mais pequenos do que os actuais, isto é, os interruptores serão agregados atómicos, moléculas especialmente desenhadas e fabricadas para esse fim pelo STM. Hoje em dia já há em laboratório protótipos de transístores formados por um só átomo e o desafio consistirá em integrá-los e em fazer dispositivos desses em quantidade...

A lei de Moore, que tem descrito o crescimento exponencial dos computadores (todos os dois anos o poder de cálculo passa para o dobro), baseou-se até agora na miniaturização dos transístores à escala do micrómetro. Com a passagem à escala do nanómetro, com novos princípios, novos materiais e novos processos, a lei de Moore poderá ser melhorada. Uma electrónica baseada em nanotransístores poderá ser uma revolução para a indústria informática tal como o transístor foi em 1947 em relação aos computadores que eram então autênticos monstros, feitos de enormes válvulas que demoravam a aquecer e falhavam amiúde. Os PDA dos futuro, apesar de poderem continuar a caber na nossa mão, poderão ser muito mais inteligentes do que os actuais, a ponto de conseguirem manter connosco uma conversa decente...

A nanotecnologia tem, portanto, a ver com a informática. Mas ela é altamente interdisciplinar, recebendo contributos da Física do Estado Sólido, da Química Supramolecular (colóides, polímeros, etc.), da Física Molecular (simulações moleculares) e da Biologia Molecular (biotecnologia, tecnologia do DNA, etc.). A actual Biologia Molecular, cujas raízes remontam aos criadores da mecânica quântica Bohr e Schroedinger, é um dos caminhos para a nanotecnologia: em vez de se reunirem átomos um a um, podem-se usar os blocos já feitos pela Natureza que se encontram na matéria viva. A física vai assim ao encontro da biologia.

O nano começou anão mas está a crescer exponencialmente. Tal facto é comprovado pelo crescimento do número de artigos que tem a palavra “nano” no título. O nano cresceu não só na ciência como na literatura de divulgação científica: um dos seus maiores divulgadores tem sido Eric Drexler, um visionário que tem dedicado a sua vida a proselitar o admirável mundo novo. E cresceu também no número de patentes registadas e no número de empresas emergentes que procuram explorar as novas possibilidades. O futuro vem aí!

Aliás o futuro já começou: Muitas aplicações do nano já aí estão... Novas moléculas e novos materiais, já disponíveis, estão a mudar as nossas vidas. Há, portanto, motivos para esperança. Com a explosão de novos negócios estão a surgir novos ricos, mas também novos riscos, que estão a ser escrutinados (o romance de ficção científica de Michael Crichton “Prey”, fornece matéria assustadora, ao ficcionar nanorobôs desordenados). Há, por isso, motivos para medo. Sempre foi assim com quaisquer novas tecnologia: o medo e a esperança sempre estiveram juntos e é tarefa humana aumentar as razões para a esperança e diminuir as razões para o medo.

Um optimista dirá que há mais motivos para esperança do que para medo. O nano, que tem conhecido grandes iniciativas nacionais nos Estados Unidos, no Japão e nalguns países da Europa (em Portugal foi já anunciado um Instituto Ibérico para Nanotecnologia, com sede em Braga) poderá servir para curar. Já existem biosensores com capacidades de detecção à nanoescala, que permitem identificar certas moléculas e actuar sobre elas. E já se fala em sensores que detectem tumores numa etapa muito inicial do seu desenvolvimento. Mais: fala-se até na possibilidade, por enquanto apenas de ficção científica, de nanorobôs percorrerem os nossos vasos sanguíneos e limparem obstáculos ao fluxo normal de sangue. O físico Richard Feynman ofereceu um prémio de mil dólares pela primeira proeza nanotecnológica. Na tradição de Feynman, eu sinto-me tentado a oferecer um prémio de mil euros ao primeiro fulano que construir uma máquinas dessas...

17 comentários:

Anónimo disse...

O problema não é do conhecimento e da tecnologia. O problema é de quem domina as tecnologias. A roda parece-me que não assustou por aí além. No entanto a nanotecnologia e o seu potencial atraem os predadores do costume: grandes empresas interessadas apenas no lucro, grandes países interessados na dominação imperial e poderosas organizações do sub-mundo que não deixarão de aproveitar estas tecnologias tão poderosas quanto discretas. A nanotecnologia nas mãos erradas farão do "terror" dos nossos dias ( que põe em causa a sobrevivência da vida no nosso planeta )uma brincadeira de crianças.

Os cientistas e a ciência não podem deixar as suas criaturas "andar por aí".Elas, e ao que por enquanto sabemos, actuam ao serviço de quem as controla e não de quem as criou.

Anónimo disse...

:-D

Anónimo disse...

Caro Dr. Fiolhais,
Só oferece 1000 euros ao "primeiro fulano"? E se for "uma fulana", não leva nada?

:-)

Anónimo disse...

Carlos Fiolhais,
Agradeço-lhe o texto. Uma preciosa síntese que irei distribuir aos meus alunos que me colocaram questões sobre a nanotecnologia para as quais eu não tive respostas.
Obrigado
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Não sei se é assim tão fácil ver átomos num STM! Para limpar uma amostra gastam-se às vezes dias, ou mesmo semanas, e é mesmo preciso ter pressões de UHV (ultra high vacuum - ultra alto vácuo), tipo 10E-11 mBar, para o conseguir, porque o tempo que leva a formar-se uma monocapa de lixo molecular, na amostra, é muito pequeno, cerca de 1 segundo à pressão ambiental, em "altas" pressões. Sem UHV, o normal é que se consiga uma resolução próxima do nanometro, só dá para "ver" moleculas grandes.
Já agora, o microscópio com melhor resolução é o STEM (Scanning Transmission Electron Microscope), que chega a ser menor do que o Angstrom, cerca de 0,5 Angstro.

Estas coisas dos físicos de partículas virem meter o nariz na física de superfícies dá nisto, acabam por meter água!
luis

Anónimo disse...

«A nanotecnologia responde a questões como: Quantos átomos são precisos para se obter um material com certas propriedades?»

Isto é muito simplista e não é verdade. Não é a nanotecnologia que responde a estas questões; é teoria de bandas, mecânica quântica, etc.. Numa nanopartícula de ouro há níveis discretos de energia; o espaçamento dos níveis e as propriedades dependem das dimensões das nanopartículas.

«Por exemplo: Quantos átomos de cloro e de sódio são precisos para se ter o cloreto de sódio (sal das cozinhas)?»

Esta é ainda pior! Não há átomos no sal de cozinha, há iões.

E o artigo passa a ideia errada que nanotecnologia é STM, o que não é verdade.

Anónimo disse...

O jplc é um ignorante armado aos cágados.

Man, nunca percebi estes tipos com a mania das espertezas.

"Não há átomos no sal de cozinha, há iões."

Olhe para a pergunta colocada por CF e tente usar alguns dos átomos e iões que deveriam existir no interior da sua cavidade craneana. A não ser que lá não exista nada disso, mas tão somente VAZIO.

"Não é a nanotecnologia que responde a estas questões..."

Agora isto responde-se por áreas. É preciso ter pachorra para estes tipos.

O artigo, como teria facilmente percebido se soubesse ler e interpretar textos, usa o STM para introduzir nanotecnologia. E faz bem pq o STM deu dois PN da Física. Merece o destaque, e é sem dúvida uma boa forma de introduzir este assunto.

Ah! e para a próxima procure assinar as suas crónicas, para que todos possamos admirar as suas qualidades científicas e técnicas. Assine e deixa o seu endereço na WEB. Era capaz de ser um FARTOTE de RIR.

Anónimo disse...

Constato com pesar que até aqui o nível de comentário se situa no insulto e na grosseria.
Não consigo entender - é mesmo uma incapacidade minha - como é que alguém, num blogue destes, usa as linguagens e as actitudes que testemunhamos e se sente bem consigo mesmo.
O meu modesto apelo é que os autores do blogue continuem o seu trabalho, continuem a ousar errar muito, para que todosn beneficiemos.
Sempre foi a curiosidade e o erro que fez andar este mundo.
E semprte foi a grosseria e o insulto que foi colocando países como Portugal na triste situação em que estão.
André

Anónimo disse...

O anónimo André é que disse o mais importante...

Carlos Fiolhais disse...

Não respondo a anónimos nem respondo a questões que não valem a pena. Mas talvez valha a pena esclarecer as poucas pessoas qie não sabem que o mundo é feito de átomos e não de iões (Demócrito e Lucrécio já disseram isso há muitos anos!).
Quando se junta um átomo de cloro com um átomo de sódio forma-se uma ligação iónica, isto é há uma transferência electrónica e surgem dois iões que estão sujeitos a atracção eléctrica. Eu tinha um professor que dizia que a ignorância é muito atrevida...
Carlos Fiolhais

Fernando Martins disse...

Caro Doutor Fiolhais:

O Doutor Eric Mazur vai dar dar uma Conferência na Casa de Serralves - Porto, em 15.05.2007. Vai estar lá? E haverá aqui descrição da mesma? é que li na GF uma entrevista (penso que sua...) ao Doutor Mazur e estou com curiosidade sobre a actividade...

J. Norberto Pires disse...

Este blog não merece certos comentários anónimos.
norberto

Anónimo disse...

Qual é a definição de anónimo que se usa neste blog? Não ter um blog?! É que vocês para mim são tão anónimos como eu sou para vocês!! É que é muito fácil eu montar um blog com o nome Norberto Fiolhais e onde digo que vivo em Coimbra!
Quem é afinal o tal Norberto Pires que vive em Coimbra? Os comentários não vêm assinados nem com o número do BI! Quantos não haverá com o mesmo nome na lista telefónica de Coimbra?
E o Carlos Fiolhais, será mesmo o tal, o especial? Acredito que sim, mas nunca se sabe...

Não acho certa esta descriminação só porque não tenho um blog, acho uma falta de ética! Desidério, que é que achas?

Se eu fosse atrevido até dizia o meu nome, assim...
luis anónimo

Anónimo disse...

Eu sou Anónimo e sem blog mas assino os meus comentários sempre com o meu nome.
Se aparecerem outros comentários anónimos com assinatura igual à minha, cá estarei para esclarecer que não fui eu que disse aquilo.

Com este princípio, estas caixas seriam infinitamente mais esclarecedoras para os frequentadores habituais deste blogue.

Penso eu!
Artur Figueiredo

Carlos Fiolhais disse...

É claro que o nome (nomeadamente, nome próprio e apelido) serve para identificar as pessoas. Quem não os usar é anónimo. Temos publicado comentários de anónimos, mas preferimos que os autores se identifiquem. Poderá haver quem use nomes falsos, mas garanto que o meu é verdadeiro. Se alguém não acreditar nisso, não poderei fazer nada... Paciência!
Carlos Fiolhais

Anónimo disse...

Luís Anónimo,
Essa questão já foi aqui discutida. Na altura também fiz alguns comentários. Na internet como no espaço "real", usamos nomes mas podemos mentir, somos honestos ou desonestos e por aí fora... Não há qualquer razão para estabelecer uma diferença entre estar na internet ou no espaço físico. Ou haverá alguma entre estar á janela no 5º andar ou no rés do chão a insultar um matulão maior que nós? Além desta diferença, não vejo outra possível. De resto, o espaço virtual pode ser visto como o prolongamento do espaço físico.

Abraço

Rolando Almeida

Anónimo disse...

Carlos, afinal sempre há respostas para os anónimos!
Não vejo diferença nenhuma entre assinar luis, ou Luís Monteiro, ou Luís silva, etc. É mais ou menos uma coisa ao estilo de: Sting, ou Prince!
Como não tenho a intenção de vir para aqui insultar ninguém nem dizer disparates, não vejo a necessidade de ter a minha assinatura reconhecida.
Eu só fiz uma observação sobre as pressões a que o STM funciona bem. Não vejo razão para não se responder a uma pergunta sobre o tema só porque está assinada: luis.
luis

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