Com a devida vénia ao autor, não resisto a transcrever na íntegra o Editorial de José Manuel Fernandes no Público de 23 de Maio de 2007.
Aqui vai.
A escola que é um manifesto contra o "eduquês"
23.05.2007
É privada, escolhe os professores, recebe todos os alunos do concelho, dos pobres aos ricos, ensina a tabuada, tem quadro de honra, não vai em modas. Fica em Arruda dos Vinhos e perceber como lá se ensina desfaz muitos mitos sobre como deve ser o sistema de ensino
Fica em Arruda dos Vinhos, concelho rural dos arredores de Lisboa. É a única escola desse concelho que tem terceiro ciclo do ensino básico e, por esse concelho ter sido o único onde a média a Matemática nos exames nacionais do 9º ano foi positiva, o PÚBLICO visitou a João Alberto Faria. A reportagem foi publicada segunda-feira, mas vale a pena voltar ao tema.
Porque essa escola é um manifesto vivo contra o tipo de políticas que têm degradado a qualidade do ensino em Portugal.
Primeiro: naquela escola entende-se, e citamos, que "a massificação do ensino levou a um menor grau de exigência, mas a Matemática não se tornou mais fácil e mantém as dificuldades próprias da disciplina"- o que requer "esforço e trabalho".
Segundo: naquela escola não se embarca em modas, prefere-se cultivar a exigência. Por isso "o grupo de Matemática é pouco atreito a algumas inovações pedagógicas", por isso defende-se que "saber a tabuada é mais importante do que saber utilizar a calculadora", por isso interditaram mesmo a sua utilização no 2º ciclo.
Terceiro: como sem bons professores não há boas escolas, na Alberto Faria todos os professores são entrevistados antes de serem contratados, explicando-se-lhes qual a filosofia da escola e avaliando se os candidatos estão à altura do que se lhes vai pedir.
Quarto: não há nenhuma relação inelutável entre os bons resultados de uma escola e o nível sócio-económico da região onde se insere. Arruda dos Vinhos está longe de ser um dos concelhos com mais poder de compra e na João Alberto Faria não se seleccionam os alunos, recebem-se todos, mais ricos ou mais pobres.
Mais: recebem-se também alunos de concelhos vizinhos, porque, como explicou um aluno do 10º ano que quer ir para Medicina, nela "o nível de exigência dos professores pode ser compensado pelos resultados nos exames, que normalmente tendem a ser melhores". Quem responde bem à exigência possui também o estímulo de figurar no Quadro de Honra da escola.
Quinto: uma direcção escolar focada em disciplinas como Matemática ou Português levou a que o tempo lectivo destinado ao Estudo Acompanhado fosse dedicado só a essas disciplinas.
E quando acabam as aulas do 9.º ano os docentes estão disponíveis para dar aulas extra de preparação para os exames de Português e Matemática e ainda todas as que sentirem necessárias para o esclarecimento de dúvidas dos seus alunos.
Tudo o que atrás fica escrito permite que os bons resultados daquela escola se prolonguem no ensino secundário, tendo o ano passado ficado em 32º lugar nos rankings feitos a partir dos resultados a Matemática dos seus alunos no 12º ano. Uma boa posição, se nos lembrarmos que falamos de uma escola que não foi feita para alunos de elite.
Contudo, para o quadro ser completo, é necessário sublinhar outra: esta é uma escola privada. O seu nome completo é Externato João Alberto Faria. Mas os seus alunos não pagam para a frequentarem, pois, como é a única do concelho, tem um contrato de associação com o ministério.
Estes contratos de associação são relativamente raros no país, havendo mesmo assim quem defenda que o Estado devia construir escolas públicas ao lado de estabelecimentos privados como este. Mesmo que tal saísse muito mais caro. E resultasse numa menor qualidade de ensino. Só que a Alberto Faria mostra como fazer o contrário pode resultar muito melhor.
Conclusões? Que se as escolas escolhessem os professores, se os alunos escolhessem as escolas, se o Estado se limitasse a dar orientações gerais, em vez de dirigir, e desse um cheque-ensino aos alunos menos abonados que quisessem ir para uma escola mais exigente, ou melhor, privada e paga, ganharia a qualidade de ensino e o ministro das Finanças agradeceria. Só os interesses instalados se revoltariam.
José Manuel Fernandes
3 comentários:
E assim se vê como se por detrás do eduquês há determinados princípios ideológicos, por detrás do anti-eduquês esses princípios também estão bem à mostra. Ou não fosse o autor da crónica um dos liberais e suspeitos do costume: o JMF.
O artigo ressalta um dos problemas mais profundamente enraizados do ensino em Portugal, a qualidade dos docentes. O interesse dos alunos pelas disciplinas e pelas matérias vem mais que nada pela experiência na sala de aula. Ora acontece que no Ensino Superior os cursos com via pedagógica são muitas vezes o que têm médias mais baixas, servindo de escapatória aos alunos mais fraquinhos. Os alunos que não têm qualquer interesse em aprender ou não têm método para estudar... Depois serão essas as pessoas que sairão da universidade e ingressarão numa qualquer instituição perpetuando um ciclo vicioso de mediocridade. Como é que alguém que não gosta de aprender pode saber ensinar?
Como sempre, José Manuel Fernandes tem toda a razão no caso que expõe mas depois tenta enfiar outras agendas atrás desse caso.
Sou o primeiro a concordar com o desmantelamento do edifício do eduquês. Regresse-se ao ensino da tabuada. Volte-se a ensinar a decompor frases. Regresse-se até a um ensino mais de memorização, pois paradoxalmente as pessoas aprendiam mais a raciocinar quando as obrigavam a memorizar do que agora, com métodos pedagógicos virados para a "autonomia do pensamento" (Uma explicação possível é que não serve de nada raciocinar se não tivermos informação sobre a qual raciocinar. É como ter um computador com um super-processador mas sem um disco rígido onde armazenar informação para processar).
Até aqui, estamos todos de acordo e a escola referida é, de facto, um exemplo a seguir.
Mas há dois pormenores nesta escola que são cruciais: Nenhum aluno paga para lá andar e a escola não pode recusar alunos, sejam ricos ou pobres, bons ou maus alunos, disciplinados ou indisciplinados.
A seguir, JMF vem defender o cheque ensino, o maná pelo qual aguardam as escolas privadas de elite, nomeadamente as da responsabilidade das confissões religiosas.
É que nessas escolas não entra quem quer. Têm um apertadíssimo "controlo de qualidade" à entrada que garante que uma maioria de alunos sejam logo à partida de elite, facilitando assim a tarefa de criar uma escola de elite. Além disso, essas escolas podem, em qualquer momento, dispensar um aluno que crie problemas de disciplina, despejando para cima das escolas públicas aqueles alunos indesejados que desestabilizam qualquer escola, pública ou privada.
Mais ainda, essas escolas não são gratuitas, nem os pais das crianças que as frequentam as querem gratuitas, pois não querem os filhos misturados "com tudo o que é cão e gato". Assim, com o cheque educação, elas teriam uma fonte de receita adicional, pois os pais pagariam uma propina ALÉM do cheque educação e não EM VEZ do cheque educação.
Assim sendo, o cheque educação não seria mais do que uma forma de o estado subsidiar escolas de elite e, por essa via, as instituições religiosas e seculares que lhes estão por trás, continuando os seus portões fechados à grande maioria da população.
Assim, eu não teria problemas com um sistema de ensino privado, subsidiado pelo estado, desde que se realizassem três premissas:
1) A escola não poderia rejeitar nenhum aluno que a ela se candidatasse, nos mesmos moldes em que uma escola pública não o pode. Também não se poderia ver livre dele, caso desse problemas, nos mesmos moldes em que uma escola pública não pode.
2) A escola não poderia cobrar nenhuma propina extra para além daquela que é atribuída pelo estado no seu contrato de associada. Impedia-se assim a elitização do acesso por via financeira.
3) A escola não poderia, a coberto da sua autonomia, incutir valores culturais e religiosos que se afastem daqueles que são vulgarmente transmitidos no ensino público. Com isso, impedir-se-ia a formação de correntes fundamentalistas de uma determinada minoria étnica ou religiosa que iriam aumentar os fossos culturais e religiosos da sociedade. Assim, por exemplo, uma escola criada pela IURD não poderia ensinar o criacionismo, uma escola islâmica não poderia instilar o desprezo pelos valores dominantes da nossa sociedade ocidental, uma escola da Opus Dei não poderia fazer uma lavagem cerebral aos seus alunos sobre os "méritos" de Monsenhor Escrivá.
Com essas três condições reunidas, penso que o ensino privado poderia ser uma boa arma de combate ao eduquês. No entanto, duvido que a maioria das escolas que são apontadas como referência pelas suas pontuações nos exames nacionais estivessem interessadas em juntar-se a um sistema semelhante, pois tirava-lhes muitas das alavancas que podem usar para manter o seu estatuto de elite académica mas também socio-económica.
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