quarta-feira, 16 de maio de 2007

A ACADEMIA DAS CIÊNCIAS


Apesar de relativamente desconhecida, é uma das casas mais preciosas que temos. Dá o nome à própria rua, a rua da Academia das Ciências, uma rua no coração de Lisboa, para os lados do Bairro Alto, transversal à rua do Século. O edifício, antes de passar a ser em 1833 a Academia das Ciências, foi o Convento de Jesus. Hoje o que mais impressiona ao visitante é o seu imenso salão nobre, pejado de livros desde a base até ao tecto e com belos tectos pintados. Não chega a pedir meças à Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, mas não falta muito. De resto, a Biblioteca da Academia de Ciências de Lisboa é uma das maiores e melhores bibliotecas portuguesas, devido tanto ao seu funcionamento durante muito tempo como depósito legal como ao seu rico espólio antigo, que inclui documentos extremamente valiosos. A Academia inclui um interessante Museu, o Museu Maynense, que também é relativamente desconhecido (nele trabalhou Rómulo de Carvalho). No seu todo, a Academia das Ciências de Lisboa, fundada em 24 de Dezembro de 1779, no reinado da rainha D. Maria I, e que realizou a sua primeira sessão pública a 4 de Julho de 1800, é uma casa com estilo, um lugar que conserva o chamado “espírito do lugar”!

Na altura da sua fundação – a época do Iluminismo – começavam a proliferar pela Europa as academias de ciências. A Academia de Lisboa, apesar de antiga, não foi das primeiras. Antes dela já tinham sido fundadas a Accademia dei Lincei, em Florença, em 1603, a Accademia del Cimento, em Florença, em 1657, a Royal Society de Londres, em 1660), a Académie des Sciences de Paris, em 1666, e a Academia das Ciências de Berlim, em 1700. A Real Academia de Ciências de Bruxelas é de 1772, precisamente o ano da Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra. O Reitor-reformador da Universidade de Coimbra, D. Francisco de Lemos (que além de Reitor foi bispo substituto de Coimbra, dado que o bispo residente tinha sido encarcerado na prisão da Junqueira às ordens de Pombal, só tendo sido libertado quando D.José morreu e o marquês caiu), exressou nos documentos da Reforma a sua admiração pelo labor em prol da ciência desenvolvido pelas academias estrangeiras. D. Francisco de Lemos desejava fazer perdurar o século XVIII através da profunda reformação dos estudos científicos na Universidade de Coimbra. Mas não só à Universidade estaria guardado o dever de tão ambiciosa tarefa. Para o Reitor Reformador também estava destinada uma acção preponderante a uma Academia das Ciências. Escreveu:

"A quem deve Inglaterra e França a sua opulência, e o florente estado das Artes da Paz, e da Guerra, se não à Sociedade Real de Londres, e a Academia Real das Sciencias?"

Tal como Paris e Londres, também Lisboa deveria ver a sua Academia das Ciências contribuir para o progresso científico do país. E entre os primeiros sócios da secção de Ciências da Academia encontravam-se precisamente dois notáveis professores italianos que o Marquês de Pombal tinha ido buscar a Itália para ajudar na reforma dos estudos de ciências: o físico Giovanni Antonio dalla Bella e o naturalista Domingos Vandelli. Encontrava-se também o jesuíta Monteiro da Rocha, um dos reformadores dos estudos de matemática em Coimbra. Mas, na primeira sessão da Academia, quem fez a oração de sapiência foi o padre Teodoro de Almeida, um oratoriano que tinha sido pioneiro da Física Experimental em Portugal (a primeira sessão da Academia das Ciências não se realizou no sítio onde funciona hoje, o Convento de Jesus, mas sim no Palácio das Necessidades, onde funcionou o Colégio dos Oratorianos e onde é hoje o Ministério dos Negócios Estrangeiros). E o primeiro presidente foi o segundo duque de Lafões, D. João Carlos de Bragança de Sousa Ligne Tavares Mascarenhas da Silva (1719-1806) – um nome cujo comprimento é por si só um verdadeiro atestado de nobreza. Foi ajudado na elaboração dos estatutos e na definição dos fins da Academia por José Francisco Correia da Serra (1750-1823), mais conhecido pelo nome de Abade Correia da Serra. Correia da Serra foi o “segundo secretário” da Academia (o primeiro secretário foi o 6º Visconde de Barbacena, Luís António Furtado do Rio de Mendonça e Faro, 1754-1830).

Quem foi o Abade Correia da Serra? Nascido em Serpa a meio do século XVIII (tinha, portanto, vinte e nove anos à data da fundação da Academia: é pois um pouco injusto dizer que as academias são um “lugar de velhos”), estudou em Itália, onde professou ordens religiosas (e onde conheceu o estrangeirado português Luís António Verney, o autor de “O Verdadeiro Método de Ensinar”). Depois de ajudar a fundar e de secretariar a Academia esteve em Paris e Londres, para depois ser designado embaixador português na então jovem nação americana, de 1813 a 1821. Foi a sua presença junto dos pais fundadores dos Estados Unidos que lhe trouxe a maior fama. O Abade Correia da Serra foi muito amigo de Thomas Jefferson, um dos primeiros presidentes americanos. Jefferson disse de Serra que era “o homem mais ilustrado que ele conheceu” (o que, conhecendo-se a biografia de Jefferson, não era dizer pouco). Jefferson tinha sempre reservado na sua casa de Monticello, na Virgínia, um quarto para o abade seu amigo, que lhe dava o prazer de pelo menos uma visita anual. Ainda hoje o turista pode ver na casa de Monticello o “Abbé Corrêa’s room”, pronto como sempre a receber o visitante.

Correia da Serra foi botânico e geólogo. Como botânico ficou conhecido pelos seus estudos de sistemática: contactou no estrangeiro o alemão Humboldt e o francês Cuvier, correspondeu-se em Portugal com Avelar Brotero. Como geólogo, fez observações no Norte dos Estados Unidos, nomeadamente no Kentucky. Recebeu um convite, que como diplomata teve de declinar, para professor da Universidade da Pensilvânia, que lhe teria dado sem dúvida o lugar de primeiro professor português numa universidade dos Estados Unidos (hoje há, como se sabe, vários, a começar pelo mais mediático, António Damásio). Já muito se sabe sobre Correia da Serra, devido nomeadamente aos estudos de Rómulo de Carvalho, o infatigável historiador das ciências portuguesas no século XVIII. Mas faltará, como para outros personagens da ciência portuguesa, saber mais.

Voltando à Academia das Ciências de Lisboa (que, apesar do nome da cidade de Lisboa, tem carácter nacional, como mostram os nomes dos académicos que a constituem – ver a lista na Internet - que provêm de todo o país; embora tenha havido o "Instituto de Coimbra" a funcionar como uma academia coimbrã, hoje não há academias científicas noutros lados). A sua divisa está escrita em latim:

“Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria”,


que significa, para quem não sabe latim:

“Se não for útil o que fizermos, a glória será vã”.


Pois a Academia das Ciências de Lisboa, pouco depois de ter lançado o “Dicionário A língua Portuguesa Contemporânea” (2001), em dois pesados tomos, lançou também uma obra também muito útil, que lhe tem trazido e certamente trará “glória não vã”. Trata-se das “Obras Completas de Pedro Nunes”, da responsabilidade de uma comissão académica, encabeçada pelo professor catedrático jubilado de Matemática da Universidade de Lisboa Fernando Dias Agudo e de uma comissão científica, encabeçada pelo jovem físico e notável historiador de ciência Henrique Leitão. Tanto o “Dicionário da Academia” (como é, em geral, conhecido o referido dicionário de português) como as “Obras Completas de Pedro Nunes”, que sairão em oito volumes, beneficiaram do alto patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian.

A história da edição das obras completas de Pedro Nunes pela Academia das Ciências é longa e recheada de peripécias. Quando se iniciou a série recente tinham saído do prelo da Imprensa Nacional quatro volumes (o 1º, 2º, 3º e 6º), que ocasionalmente ainda se encontram nas livrarias da Imprensa ou em alfarrabistas. Como faltavam alguns volumes do plano inicial era mister uma nova edição, embora a comissão científica tenha decidido basear-se em larga medida no trabalho antigo, em grande parte devido ao professor da Universidade de Coimbra Joaquim de Carvalho (a Academia mostra no corredor principal, em lugar de honra, o busto de Joaquim de Carvalho). O prestígio da velha Academia, o apoio da Fundação Gulbenkian e, principalmente, o entusiasmo e a competência da comissão científica têm-nos garantido a bom ritmo vários volumes do cosmógrafo alentejano (Nunes nasceu em Alcácer do Sal, sendo portanto alentejano, tal como o Abade Correia da Serra). Estamos à espera que a obra fique completa...

1 comentário:

Anónimo disse...

Linquei este blog. E deixo uma sugestão que decerto vos interessará:

Parcus scientia est periculosa

em

http://oortogal.blogspot.com/

Obrigado e até sempre.

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