Há algum tempo que queria fazer um texto sobre um dos cientistas cujo pensamento mais me fascinou e influenciou. Creio que chegou a altura.
E, não, ainda não li ‘God Delusion’.
Richard Dawkins é principalmente conhecido como notável divulgador científico. Alia a um pensamento brilhante, cristalino, um estilo de escrita verdadeiramente empolgante, chegando a parecer fácil. Usa abundantemente metáforas e é o maior construtor de frases-síntese que alguma vez li. Frases como a do título deste texto. Ou ainda: “We are survival machines – robot vehicles blindly programmed to preserve the selfish molecules known as genes”. Isso fez dele um best-seller, não de um, mas de inúmeros livros. Nenhum outro cientista terá chegado junto de tanto público.
Mas, os livros de Richard Dawkins, são mais do que de divulgação. Têm frequentemente o carácter de uma tese; constituem argumentos científicos, com frequência inovadores, apresentados na sua primeira forma. E isso talvez seja um outro elemento do seu sucesso: o de sentirmos que estamos a acompanhar a exposição racional de um argumento em primeira-mão. E Dawkins nunca é trivial. Os seus textos tiveram uma enorme influência sobre importantes áreas da Biologia. Toda a nossa compreensão do comportamento animal sofreu uma viragem radical com o “Gene Egoísta”. O mesmo sucedeu com a revolução do ‘gene’s eye view’ em todo o pensamento evolutivo, uma abordagem iniciada por William Hamilton, por muitos considerado o maior evolucionista depois de Darwin, mas generalizada e tornada evidente pela obra de Dawkins. Igualmente, um artigo publicado em co-autoria com John Krebs virou os estudos sobre comunicação animal completamente de pernas para o ar. O conceito de ‘meme’ deu origem a uma área de investigação só por si – ainda que em declínio recente. O programa de ‘biomorphs’ apresentado no Relojoeiro Cego teve enorme impacto nas abordagens de algoritmos genéticos, mas particularmente numa área de investigação hoje designada por ‘vida artificial’.
“O Gene egoísta”, escrito há 30 anos por um jovem biólogo de Oxford, pode hoje parecer teoria evolutiva ‘mainstream’. Mas, tratou-se de uma muito arrojada proposta que propunha olhássemos para a evolução numa perspectiva diferente: a perspectiva dos genes procurando assegurar a produção do maior número possível de cópias de si próprios e em competição com outros genes. Naturalmente, os genes não se replicam sozinhos. Precisam de organismos: os seus veículos. Essa perspectiva revelou ter um valor explanatório muito maior que as anteriores. E é actualmente essencial para se explicarem fenómenos como a sistemática prática de infanticídio em espécies de primatas, incluindo a nossa, ou a evolução do altruísmo nos animais, para citar apenas dois casos. A Natureza afinal não era cooperação, era competição. Lorenz afirmava, em ‘A Agressão’, que os leões não lutavam até à morte por que isso era prejudicial à espécie. Esta era uma forma de raciocínio comum. Os modelos que melhor explicam porque é que os leões não o fazem são os que se baseiam no balanço entre os custos de poderem morrer e o que podem ganhar individualmente, ou para os seus genes.
A proposta era tão arrojada que foi bastante mal acolhida por largos sectores de opinião pública e científica da época. Esse fenómeno foi bem visível entre nós. Por exemplo, O Prof. Germano Sacarrão, da UL, que foi talvez o maior evolucionista português, escreveu um libelo contra o que ele designou como a Biologia do Egoísmo, atacando a sociobiologia como uma reinvenção do darwinismo social, que justificaria uma espécie de ordem social biológica. “A meu ver, esse egoísmo dos genes, essa sua “ânsia” de competir e correr para o sucesso é algo de metafísico, de misterioso” (1982). O Prof. Sacarrão estava errado. O seu texto pode ser lido como um sinal daquele tempo e de como os nossos preconceitos nos podem impedir de ver mais além. Ironicamente, não poderia ser menos metafísica a proposta de Hamilton-Dawkins. Ela decorre da mais pura lógica mecanística do processo evolutivo.
Recordo-me de então ver universitários a saírem abruptamente das salas, exclamando “determinismo biológico”, como se tivesse visto algo parecido com um diabo, sempre que se falava de genes e comportamento. Mistura explosiva. 30 anos depois, as propostas difíceis de Dawkins tornaram-se quase triviais, por terem sido confirmadas vezes sem conta. Eu recomendo a sua leitura a qualquer interessado em biologia do comportamento, como literatura base.
Vale a pena referir o importante papel editorial de Guilherme Valente e da Gradiva, que editaram não só o Gene Egoísta, como a maior parte das obras de Dawkins. A esse propósito, refira-se a recente reedição de “O Relojoeiro Cego”, a mais consistente desmontagem do argumento do Criador da malta do desenho inteligente. Pegando na expressão do Padre anglicano William Paley, de que tal como um relógio pressupõe a existência de um relojoeiro, também a natureza pressupõe a existência de um criador, Dawkins demonstra com clareza que, a existir, esse relojoeiro só poderia ser cego, tal a quantidade de más concepções e imperfeições que encontramos nos organismos. Por exemplo, o olho Humano tem a sua estrutura de pernas para o ar, relativamente ao que seria um bom desenho.
Dawkins tem-se ainda empenhado num combate intelectual contra todas as formas de charlatanismo intelectual, mas também de misticismo e obscurantismo, incluindo o religioso. O seu argumento de que a religião constitui um conjunto de ideias com um elevado poder ‘memético’, isto é, que têm uma extraordinária capacidade para se fixarem e estabilizarem nos nossos cérebros, é muito interessante e merece atenção.
Um outro combate intelectual que Dawkins tem travado é contra uma forma elaborada e subtil de ataque ao racionalismo, designada por relativismo cultural, com importantes cultores entre nós. Nas inimitáveis palavras de Dawkins: “mostrem-me um relativista cultural a 30 mil pés e eu mostro-vos um hipócrita. Os aviões construídos de acordo com os princípios científicos funcionam. Mantém-se no ar e levam-nos onde queremos. Os aviões construídos de acordo com especificações tribais ou mitológicas, tais como as cópias de aviões dos cultos à carga em clareiras de floresta, ou as asas enceradas de Ícaro, não”.
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14 comentários:
“We are survival machines – robot vehicles blindly programmed to preserve the selfish molecules known as genes”.
Esta frase é apenas um exemplo de algo que considero curioso, em Dawkins e em muitos outros autores, incluindo muitos dos «posts» deste blogue (por exemplo: The Imagination of Nature is Far, Far greater than the Imagination of Man). Trata-se de uma «querida» «mecanização» dos seres humanos (já em Descartes...) e «antropologização» das máquinas ou de elementos que não constituem por si mesmos «substantividades» humanas.
Assim, nós «somos» máquinas; por sua vez, as máquinas ou outros elementos «materiais» adquirem características humanas. As máquinas podem «ter» uma «inteligência artificial»; os genes ou as moléculas podem ser egoístas; a natureza tem imaginação...
Esta simples constatação pode levar a muitas e interessantes reflexões:
- o poder da metáfora nas ciências (e como isso fascina em Dawkins, testemunha o «post»);
- a elevação da máquina a válido interlocutor do ser humano;
- a limitação do ser humano aos aspectos «mecânicos» (é interessante o que se passa nas mal chamadas «ciências cognitivas»);
- uma certa «circularidade» homem-máquina que alimenta um velho e tremendo problema da metafísica ocidental, a saber, a entificação do real e a logificação da inteligência;
- etc.!
Estaremos a nivelar por baixo?
Alef
Caro JerusAlef,
Mais uma vez, não nos deixou nem uma pinga de molho para as batatas! As suas leituras são eficazes e normalmente concordo consigo. Vou ficando cada vez mais intrigado com a sua dimensão religiosa, porque não é a ciência que exclui a fé. É a prudência nas suas palavras.
Li há muito o Gene Egoísta, Desconstruindo o Arco-Íris, O rio que vem do Eden e estou agora a reler o Relojoeiro Cego na edição da Gradiva. Considero fascinante. Depois dele nada ficou como dantes. Isto não significa que aceite todas as suas metáforas explicativas em detrimento de uma ou outra que me pareça melhor. É impossível estar certo em tudo. Mesmo assim temos de refrear o nosso instinto de pôr tudo em causa, para não pôr em causa pelo menos a razão. Seja como for devemos fugir do endeusamento, mesmo de Richard Dawkins.
Os efeitos de um determinado gene estão interligados a muitos outros genes, pelo que na maior parte dos casos não é possível diferenciar os efeitos de genes individuais. O meio onde os genes se expressam é muto variado e deve ser visto no contexto de todo o ciclo de vida e da ecologia de um animal. Para além dos genes, não podem ser desprezados os outros factores que operam na evolução. A subvalorização disto foi um ponto fraco de Richard Dawkins.
A selecção não diz como tem de ser, mas abandona o que não é compatível com a sobrevivência e a reprodução. Tudo o que seja possível, pode acontecer. É a diversidade, que molda e é moldada pelo acoplamento com um ambiente. Assim, a evolução deixa de estar focada apenas nos genes para também dar atenção aos padrões dos organismos através da história da sua vida. Aqui se opta pela metáfora das redes e sub-redes inter-agindo umas com as outras em teias intrincadas formando sociedades de agentes. Num dado ponto há uma multiplicidade de trajectórias possíveis. Não faz sentido fazer oposição entre factores genéticos e factores ambientais na medida em que os dois estão co-implicados, especificando-se mutuamente.
Penso que a desvalorização (ou pelo menos assim o deu a entender) da metáfora das redes auto-organizantes acopladas, terá sido um dos maiores erros de Richard Dawkins.
Os aviões funcionam porque são o resultado de design inteligente. Se fossem o resultado de uma evolução aleatória certamente não funcionariam.
Muitas das supostas evidências de mau design resultam da falta de informação do avaliador.
Outras resultam do processo de degenerescência que necessáriamente anda associado a uma criação corrompida pelo pecado. A Bíblia diz que toda a criação foi afectada pelo pecado e está corrompida.
O facto de um Ferrari ter tido um acidente e estar amolgado não significa que ele saiu da fábrica com defeito.
Richard Dawkins apresenta-se com uma missão, enquanto crente na inexistência de Deus. A partir dessas premissas, ou "memes" (como ele gosta de dizer) ele procura interpretar toda a realidade.
Na sua crença, ele merece naturalmente todo o respeito, tendo inclusivamente o mérito de “acordar” os cristãos, muitos deles alienados com mitos e ritos que realmente nada têm que ver com o essencial da fé.
O problema é que a realidade se furta sistematicamente à interpretação de Dawkins, o que se percebe, nomeadamente, quando Dawkins reconhece a quantidade de aparência de design e informação presentes na Natureza, sendo que ambas as entidades são inteiramente consistentes com a crença num Criador.
Richard Dawkins bem tenta explicar essas entidades sem uma referência a Deus, mas, em última análise, não consegue. Nem ele, nem ninguém. É por isso que Dawkins tem sempre o cuidado de dizer que tem “quase” a certeza absoluta de que Deus não existe.
As descobertas científicas de todos os dias sugerem que o Universo e a vida são muito mais complexos do que inicialmente se pensava. A célula está longe de ser protoplasma indiferenciado, como Charles Darwin compreensivelmente pensava.
Os átomos são muito mais complexos do que se inicialmente pensava, o DNA é muito mais complexo e funcional do que se pensava, as proteínas são muito mais complexas do que se pensava, as máquinas moleculares são muito mais complexas do que se pensava, a fotossíntese é muito mais complexa do que se pensava, a retina é mais complexa do que se pensava, etc., etc.
Ora, quanto maior a complexidade, maior a dificuldade em explicar tudo como o produto do acaso. A extrema complexidade especificada e integrada da Natureza é inteiramente compatível com design inteligente, mas dificilmente compaginável com processos aleatórios e cegos.
O “monte improvável” torna-se, a certa altura, num “monte impossível”. A partir de um dado momento as probabilidades tornam-se “loucas” e infinitesimais, até se confundirem virtualmente com zero!
Acresce que na natureza a complexidade anda em muitos casos associada a níveis humanamente incompreensíveis de miniaturização!.
Ora, como se sabe, quanto maior é a miniaturização de um dado mecanismo, mais elevada têm que ser as capacidades tecnológica e de armazenamento da informação. Não é necessário ter uma mentalidade medieval, obscurantista ou supersticiosa para perceber isto. É senso comum, inteiramente validado pela observação.
Ora, sabe-se hoje que as mutações tendem a destruir a informação genética e não a aumentá-la. Além disso, elas supõem a existência de genes cuja origem não explicam. A selecção natural também opera com base em informação genética pré-existente, que vai eliminando.
Não se vê, assim, qual é o mecanismo que permite criar genes a partir de químicos inorgânicos e ir aumentando a informação ao longo de milhões de anos. Uma simples proteína tem uma complexidade inabarcável, como atestam as tentativas do supercomputador Blue Gene, da IBM, para modelar a sua dobragem.
No fundo, é isso que está hoje em discussão. E como se vê, trata-se de uma discussão em que a dimensão científica é fundamental, embora naturalmente sempre com implicações para as outras esferas do saber e da existência.
Richard Dawkins diz que, num certo sentido, todos somos ateus relativamente a muitos deuses. A única diferença é que ele é ateu em relação a todos os deuses.
Curiosamente, muitos criacionistas diriam o mesmo relativamente à evolução. Muitos evolucionistas criticam este ou aquele mecanismo da evolução dos vários que existem no “mercado”, mantendo-se fieis a um deles. Assim, por exemplo, os saltacionistas rejeitam o gradualismo e os gradualistas rejeitam o saltacionismo.
Ora, os criacionistas dão mais um passo. Eles distinguem-se dos evolucionistas, desde logo, porque rejeitam tanto o saltacionismo e o gradualismo.
O problema de Dawkins é o seu ateísmo relativamente ao Deus que realmente interessa: o Criador. Aquele sem o qual nem o Universo nem a Vida, com toda a sua complexidade, conseguem ser cabalmente explicados.
Já escrevi ao Prof. Desidério Murcho e ao meu amigo Carlos Fiolhais a pedir desculpa pelo azedume com que reagi a um artigo (ou "post", para quem o prefere assim) daquele filósofo. Garanto que hoje não estou azedo. E procurarei não o estar nunca, pois esse é o meu estado normal, mesmo quando o Sporting perde. Além disso, num debate de ideias, a sanha (como diria D. Duarte em "O Leal Conselheiro") não é boa conselheira.
Chegou a vez de a biologia assumir o principal papel na tentativa de interpretar ou prever o comportamento humano. Charcot procurara fazê-lo através da hipnose, Freud pela psicanálise, Miguel Bombarda medindo cabeças. Se eu lhe caísse nas mãos dificilmente passaria no teste, porque, literalmente, é raro encontrar um barrete que me sirva.
Eu sou casmurro. Desde criança. Tanto que, na catequese, por exemplo, nunca acreditei no Limbo. Mais de meio século depois Bento XVI veio dar-me razão oficialmente.
Pois é, eu andei na catequese e ainda ando. Agora tentando ensinar alguma coisa. E a maior parte das aulas (às vezes a aula inteira) a corrigir noções mal aprendidas porque talvez mal ensinadas. Uma delas é a evolução. Todos me aparecem convencidos de que o Homem se deitou macaco num dia e acordou gente no outro, enquanto que alguns macacos continuaram a adormecer e a acordar sempre macacos. Ou a explicar o ADN, que aprenderam DNA e me garantiram que era algo que servia para saber quem é o pai da criança. Ou o funcionamento do gosto, do olfacto, do ouvido ou da visão. Eles maravilham-se a aprender estas coisas. E acham extraordinário que afinal as cores funcionem nos nossos olhos à semelhança do que se passa na TV, e não como quando misturam tintas nas aulas em que o fazem. Por acaso nunca lhes falei no desenho errado do olho. Fica para uma próxima lição. Decerto acharão graça a que um desenho errado consiga tão esplêndido resultado. E, como gosto de inventar histórias, talvez lhes conte a seguinte.
Era um jardim onde estava desenhado com flores "Não pize a relva." Havia pessoas que, ao verem o erro de grafia, censuravam a ignorância do jardineiro. Outras simplesmente afirmavam que o jardineiro não existia. Só para as que não sabiam ler é que não havia qualquer problema.
Daniel de Sá
«O Limbo poderá continuar a ser uma "opinião teológica" possível para se abordar a questão do destino das crianças que morrem sem o Baptismo. A afirmação está presente no número 41 do documento da Comissão Teológica Internacional "A Esperança de salvação para as crianças que morrem sem serem baptizadas", hoje divulgado na Itália.»
in agencia.ecclesia
Não faz parte, meu Caro Anónimo, do Catecismo da Igreja Católica. Além da óbvia injustiça que isso seria, está claro na sequência que vem no Evangelho: "Quem acreditar e for baptizado". É preciso acreditar para que o baptismo produza qualquer efeito. E uma criança não pode acreditar ainda. Quanto aos adultos, a consciência é que define a culpa. Já Tomás de Aquino o disse.
Obrigado.
Daniel de Sá
Gostei da ultima do Daniel de Sá. :-)
"É preciso acreditar para que o baptismo produza qualquer efeito. E uma criança não pode acreditar ainda. Quanto aos adultos, a consciência é que define a culpa."
Esta é excelente, porque para aceitar aquilo que é dito, temos de aceitar, ou, que as crianças não acreditam em deus (logo os mais puros dos seres não acreditarem?!) porque provavelmente ainda não levaram a lavagem cerebral necessária, ou então, que a consciencia não se desenvolveu plenamente no pequeno cerebro da criança e que é preciso a biologia lhe acabar de desenvolver o cerebro para terem consciencia, o que não faz muito sentido se se pretende acreditar que a consciencia é algo implantado por deus no homem, portanto deus não soube implanatar correctamente uma consciencia plena nos humanos. Que incompetência!
Caros,
É minha mania usar de prudência.
Essa conversa toda do anónimo tem um ponto forte. É sempre possível invocar um Deus tão omnisciente que criou tudo tal e qual para que encontrássemos evidências que nos fizessem duvidar da sua existência, que colocasse fósseis no cimo dos Himalaias, que alterasse o decaímento dos isótopos radioactivos para concluirmos o que concluimos, para nos convencermos primeiro que o Sol roda em volta da Terra e depois do contrário.
Isto é, não é possível demonstrar cientificamente que não há nenhum Deus. Agora, para mim, as evidências são as de que não há nenhum deus. Mas, é uma questão de crença, ou falta dela.
Reparem, contudo, que a posição criacionista (que não religiosa) é insustentável - um criacionista deve maravilhar-se pela forma como deus inventou o seu telemóvel.
Naturalmente que há um grande número de factores que afectam a aptidão dos genes e as suas trajectórias entre gerações. Mas, só os genes são passados entre gerações (eles e algum RNA). E isso é relevante. A complexidade existe e temos consciência dela. Mas, não assumimos a teoria do muito complexo. Tudo é sempre mais complexo - é uma tese para fugir à questão. Ok, sabemos que há muitos factores. E qual é o seu peso relativo? Qual a sua importância relativa? Podemos medi-la.
As redes auto-organizadas podem funcionar quando os agentes são facilmente intermutáveis. Quanto mais complexos são os organismos menos intermutáveis são. Eu duvido muito dos resultados da escola de Santa Fé, embora o seu exercício seja interessante.
A propósito desta discussão, lembrei-me agora de uma história que Umberto Eco também narra num dos seus livros, creio.
Uma aldeia sofreu uma inundação devastadora, ao rebentar um dique no rio próximo. As águas submergiram quase tudo e apenas se salvaram os poucos habitantes que conseguiram subir aos telhados das casas alagadas.
Equipas se salvamento, em barcos e helicópteros, foram recolhendo esses náufragos, excepto um que, temente a Deus e possuidor de uma fé inabalável, recusava qualquer ajuda, clamando sempre que Deus viria salvá-lo.
Pois bem, tal não aconteceu como ele previa e o fanático acabou por morrer afogado. Chegado ao céu, afinal era boa pessoa, logo pediu para ver Deus, que tinha algo importante a perguntar-lhe.
"Senhor", disse, "estou muito decepcionado por não teres atendido às minhas súplicas e me deixares assim morrer, quando eu tanto rezei e supliquei a tua ajuda."
Ao que Deus replicou:
"Olha lá, então eu não te enviei todas aquelas equipas de socorro com barcos e helicópteros para te resgatarem? Mas tu sempre recusaste, logo fez-se a tua vontade."
Sim, somos parte d'Ele... somos Ele! À Sua imagem e semelhança... doce certeza e funda esp'rança! :)
O ponto principal desta história, para mim, é esse encontro de vontades, na junção do eu individual ao Eu universal, bem expresso na última súplica de Cristo na cruz:
"Seja feita a Tua vontade e não a minha!"
Ah! Mas não é a mente racional que percebe isto, apenas uma íntima e funda vivência...
Rui leprechaun
(...ou o sagrado saber da experiência! :))
...who speaks to us about Nothingness.
He who understands him not,
in him has never shone the light divine.
A nun praising Meister Eckhart (séc. XIV)
As pinturas rupestres, ao expressarem a nossa admiração pela Natureza, são das primeiras constatações humanas da presença de desenho e de inteligência nos processos e resultados da Dela.
O processo de criação do design é claramente um processo selectivo de escolhas múltiplas, de análise histórica dos precedentes, de síntese de informação para adequação dos parâmetros do projecto à época da sua produção, de tentatvas falhadas, de produção e análise de protótipos e afinação de componentes.
O conhecimento e a intuição são intuitivos e complementares no decurso de todo o processo.
Não sei quantos dias o Enzo levou a desenhar o seu primeiro Ferrari mas,a perspectiva idealista do criador que súbitamente se ilumina, só é isso mesmo, idealista.
A partir do acto da sua criação, o objecto criado/produzido vai, simplesmente, à sua vidinha.
A partir desse momento, para o autor da obra é completamente indiferente se o Ferrari é objecto de culto e ostentação para o proprietário ou, de furto e vilipendiação para o jovem instável.
Por sua vez, o objecto criado passa a sustentar-se a si próprio pelas suas qualidades e excelências, conduzindo e reduzindo, na esmagadora maioria das vezes, o criador ao anonimato.
Podemos sempre questionar se a natureza imita o "engenho humano", já o contrário, é um espartilho conceptual dífícil de despir.
Artur Figueiredo
É realmente necessária uma Santa Fé para acreditar na auto-organização (não observada) do universo e da vida, extremamente complexos, desafiando as leis da entropia e das probabilidades.
Falar de auto-organização ao longo de milhões de anos é pura especulação. Não é certamente uma afirmação cientificamente comprovável.
Os telemóveis são produto de design inteligente. A vida é infinitamente mais complexa que os telemóveis. Para os criacionistas essa elevadíssima complexidade é inteiramente consistente com o design inteligente. A mesma nunca poderia ser um argumento contra ele.
O que é que os telemóveis têm que ver com a questão de saber se as mutações e a selecção natural acrescentam informação complexa, especificada e integrada ao genoma?
Sinceramente não se percebe a relação. Dos telemóveis sabemos que dependem essencialmente do design e da informação, sem os quais não poderiam cumprir a sua função. Quando muito, os telemóveis corroboram a ideia de que máquinas complexas e especificadas são o produto de design inteligente.
Alguém me explica o que é que o design inteligente dos telemóveis tem que ver com a suposta evolução aleatória do universo e da vida?
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