quinta-feira, 10 de maio de 2007

CIÊNCIA É "FORÇA MILITANTE"


Amplificando a sessão memorável sobre "Biologia na Noite" que se realizou em Aveiro no dia 8 de Maio, transcrevo, com a devida vénia, a notícia que sobre ela saiu no jornal "As Beiras", cuja circulação é apenas regional.

AS BEIRAS 09-05-2007 , Rute Melo

“O conhecimento liberta”, defendeu Mariano Gago, numa conferência sobre ciências, no âmbito da “Biologia da Noite”.

“Este universo é o único que existe? Por que fomos por este caminho? Não havia outro?”. Estas foram algumas das questões que Mariano Gago levantou, na última sessão do ciclo de conferências abertas Biologia na Noite, que na terça-feira decorreu em Aveiro. O ministro da Ciência e Tecnologia lembrou que as ciências “estão ligadas entre si” e que funcionam como “fonte de libertação”. Numa sala cheia de jovens estudantes e profissionais da área das ciências, Mariano Gago deu como exemplo os jovens que habitam as regiões mais oprimidas do mundo. Para estes, a ciência “diminui as desigualdades” e permite “libertar o espírito e alcançar o espírito crítico”. Além disso, considerou ainda que “a ciência é uma força militante para grande parte da humanidade, sobretudo para a parte mais pobre”.

Porque a ciência está cada vez mais ao alcance de todos, Mariano Gago sublinhou a importância da museologia científica moderna. Esta “convoca o público e faz experiências com ela”, conseguindo, mesmo, “transformar o indivíduo em protocientista”, uma vez que é indicado “um caminho para que o visitante também seja cientista”. Embora não estando no seu espaço nem sendo cientista, o visitante “pode participar e entender” a ciência. Numa lógica que contraria a museologia científica antiga, alguns dos que, por momentos, partilham a ciência e a descobrem “têm vontade de saber mais e de até voltar”.

Mas a biologia não é passível de ser descoberta apenas através da percepção visual. Por isso, o ministro considera que “a participação humana na actividade biológica necessita de um esforço para os museus de ciência”. Tudo porque, na biologia, a participação não se resolve “com ecrãs de televisão e filmes”, pois há necessidade de se conseguir colocar o visitante “na pele de um cientista”. Na opinião de Mariano Gago, o objecto biológico “é o próprio visitante” e, por isso, estuda-se “a si mesmo”. Como tal, esta é “única via para atrair” pessoas. Embora haja a solução dos biólogos de campo, onde é possível “transformar os museus num espaço sem paredes levando as pessoas até ao locais”, mas esta ainda é uma questão que “está em aberto”.

Astrónomos e não astrólogos

Rosália Vargas, presidente do Ciência Viva, sublinhou que a sociedade “está cada vez mais interessada” nas ciências. Prova disso, é que o ciclo de conferências Biologia na Noite “já possui seis anos” e a adesão é grande. Mais: “no início do Ciência Viva, eram muito frequentes as perguntas sobre as actividades que iam ser desenvolvidas na astrologia”; hoje, 11 anos passados, “já ninguém coloca essa questão”; há, sim, vários interessados que querem saber “quais as actividades de astronomia que vão ser levadas a cabo”. Para Rosália Vargas, este pequeno aspecto representa, por si só, “um grande avanço no conhecimento da ciência”.

António Coutinho, do Instituto Gulbenkian de Ciência, esteve presente na sessão de terça-feira e apresentou algumas definições de ciência, nomeadamente, o “amor à racionalidade”, a “convicção de que somos capazes, com o cérebro, de derivar as leis do mundo”. Ora, apesar de reconhecer que quase todos sabem o que é ciência e que já com ela contactaram, António Coutinho fez questão de afirmar: “embora devamos fazer a divulgação mais que possamos da ciência, não nos devemos esquecer que existem as escolas” para a divulgar e ensinar.

Considerando que a “única coisa que progride é a ciência” e que o progresso “é a confrontação com as hipóteses”, António Coutinho, reconheceu que há “ciência boa e ciência má”. No caso concreto da primeira, “aplica-se e vende-se”, enquanto para a segunda “não há ninguém que a compre”.

Uma vez que a noite era de biologia, e porque nesta ciência “há um grande apego à vida”, e vida “há só uma”, o cientista fez questão de sublinhar que é necessário “ter um grande cuidado com ela” e protegê-la.

COLECÇÃO BIOLOGICANDO

Aproveitando a presença do ministro Mariano Gago, foi apresentada a colecção de livros – Biologicando – ligada às questões biológicas, concretamente os dois primeiros livros da colecção, Atlas das Aves do Campus da Universidade de Aveiro e Biologias na Noite. Este último conta com a colaboração, através de artigos, de alguns dos biólogos mais prestigiados do país, como sejam Mário Sousa, António Amorim, Jorge Paiva, Pato de Carvalho, entre outros, e também dos autores moçambicanos Mia Couto e Jorge Ferrão, bem como uma colaboração especial do físico Carlos Fiolhais. O objectivo da colecção agora apresentada é divulgar, promover a leitura e usufruir dos conhecimentos da Biologia e Ciências da Vida, dando a conhecer o que se produz nas universidades em Portugal.

4 comentários:

Anónimo disse...

Hiroshima e Nagasaki parecem demonstrar que o desenvolvimento científico não significa, só por si, libertação. O modo como o desenvolvimento científico pode ser utilizado para fazer o mal mostra que há problemas com a humanidade que a ciência pode agravar.

A ciência pode ser utilizada para o bem e para o mal. Ela só liberta se for utilizada para fazer o bem. Nunca houve tanto desenvolvimento científico como agora. E no entanto, nunca a humanidade olhou com tanto receio o seu futuro próximo.

Mais do que do desenvolvimento científico, a qualidade de vida das populações depende dos valores que forem adoptados por uma comunidade.

Anónimo disse...

Uma entrevista interessante a R. Dawkins que vos deve interessar:

http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/faith/article1767506.ece

Rui leprechaun disse...

And under the banner of religion you can write about what I call Einsteinian religion, which I subscribe to and so do many scientists as a sort of reverence for the Universe and life, which has nothing to do with anything supernatural.


De facto, e embora eu preferisse que a entrevista estivesse reproduzida textualmente, aquilo que Dawkins aí diz continua a agradar-me, sim.

Uma vez mais a questão tem também a ver com as palavras e o significado que lhe damos, como a própria entrevistadora o levou a concluir com os conceitos de "transcendente" e "numinoso", por exemplo.

A este respeito, a psicologia contemporânea - pelo menos as escolas humanista e transpessoal - estão a seguir as pistas deixadas por Jung que fez algumas belíssimas considerações sobre o tema.

Point is: what is a religious experience, after all?! A afirmação de Dawkins, reverence for the Universe and life vai nessa direcção, mas qual a real profundidade dessa experiência reverencial? Ou até que ponto ela pode transformar a vida de quem a sente?

Lendo a entrevista, reforça-se a conclusão de que o Deus e a religião de que o biólogo britânico fala são conceitos mesmo muito antigos, ligados àquilo que agora se chama de "fundamentalismo", algo rígido e imutável, por oposição ao não dogmatismo da ciência.

Mas deveras essa é a negação do próprio processo dinâmico da vida e o que mais genericamente se chama de "Espiritualismo" pouco ou nada tem a ver com isso. E desse ponto de vista Dawkins não deixa de ter uma visão espiritual ao mundo, mas não "sobrenatural", como ele diz. De novo, uma mera questão de palavras e nada mais.

Por fim, algo que logo muito me agradou em Dawkins, quando o vi pela 1ª vez em vídeos, foi a sua própria presença serena e dialogante, com um encanto... ou aura ou carisma!... muito próprios... I like that! :)

Anyway... it all boils down just to one simple thing: Consciouness in the beginning and in the end!

Tal como em ciência nem tudo pode ser observado directamente, mas apenas pelos seus efeitos, também Deus não é observável mas talvez possa ser inferido, como ele próprio quase declara:

I’m convinced that future physicists will discover something at least as wonderful as any god you could ever imagine.

So Consciouness is the key to unlock the secret door and unravel all mysteries forevermore! :)

Anónimo disse...

Ciência como "Amor à racionalidade"... Sem dúvida a mais sucinta e clara das definições! Se a racionalidade falta, falta tudo! É possível progredir sendo-se apenas racional (ou pelo menos muito próximo deste estado), mas não é possível tal 'feito' sendo-se apenas emocional...
Andrea Marques

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