quinta-feira, 3 de maio de 2007

UMA CONVERSA SOBRE DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA



Em 2004 o jornal "O Primeiro de Janeiro" publicou uma entrevista minha feita por uma mestranda em Comunicação de Ciência. Republico-a aqui porque julgo que essa conversa não perdeu actualidade, sujeitando-a aos comentários críticos dos leitores do blog.


O que podem os cientistas fazer na escola pela ciência?

Apresentar a ciência ao vivo, apresentar a ciência viva. Receio que os nossos jovens tenham uma imagem estereotipada da ciência. A ciência é a descoberta do mundo, uma das mais excitantes actividades humanas e que não é de modo nenhum inacessível porque está ao alcance de quem se interesse por a prosseguir. Exige esforço, mas dá fantásticas compensações, nomeadamente a compensação de compreender melhor o mundo, o mundo todo incluindo essa parte do mundo que somos nós próprios. A ciência que por vezes aparece na escola, pesem embora os esforços de muitos professores competentes, é uma ciência pouco viva, uma ciência que parece que caiu dos céus aos trambolhões em vez de ter sido feita na Terra. Os nossos jovens têm fugido da ciência mas, na minha opinião, fogem não da verdadeira "coisa", mas de algo que se faz passar por ela e que é muito menos excitante.

Que importância tem então a divulgação da ciência?

A ciência, por sua própria natureza, tem de ser aberta, tem de ser comunicada. Ciência oculta não é ciência, mas pseudo-ciência. E a ciência tem de ser comunicada não apenas na comunidade científica, mas também e de forma diferente na sociedade em geral, a começar pela escola. Sem escola a ciência não poderia prosseguir porque não apareceriam novos cientistas e, mais importante do que isso, não haveria a percepção pública do papel essencial da ciência na sociedade. É necessário um ensino formal da ciência, que deve ocorrer na escola, mas também um ensino informal, a tal divulgação da ciência, que pode ter lugar na escola ou noutros lados. No meu percurso pessoal, os livros de divulgação científica foram muito importantes para o despertar do interesse pela ciência, para a descoberta da grande aventura do conhecimento. Mas há evidentemente outros meios, como os media, etc. Tenho procurado dar um pouco daquilo que recebi, isto é, divulgar a outros a cultura cientíca que me foi transmitida pelos meus professores e pelos livros, pelos meios de comunicação, etc. Complementa a minha actividade de ensino e investigação.

Quem deve e tem legitimidade para divulgar a ciência?

Quem souber minimamente a ciência de que vai falar, claro! Não tem necessariamente de ser um cientista. Pode ser, por exemplo, um jornalista, que tenha feito o "trabalho de casa". Mas os cientistas e os professores de ciências têm uma responsabilidade especial, precisamente porque sabem ciência e o modo como esse saber aparece. Um cientista não pode pensar que a sociedade lhe pague sem que ele lhe dê em troca o seu saber, a sua compreensão do mundo. Um disparate total é a divulgação de ciência feita por quem não saiba o que é a ciência, os seus métodos e as suas práticas. Nesse vaso, em vez de aproximar as pessoas da ciência, vai afastá-las.

Qual é o papel das universidades portuguesas na divulgação da ciência?

As universidades congregam a maior parte da ciência nacional. O seu papel na divulgação da ciência é insubstituível no sentido em que podem e devem apoiar nessa actividade os professores, investigadores e alunos que congregam. Em particular, as universidades deviam recompensar de forma mais visível os esforços realizados pelos seus membros no âmbito da compreensão da ciência pelo público lá fora. E podem, no seu seio, desenvolver iniciativas regulares como conferências públicas, dias de portas abertas, edições a colocar nas livrarias e bibliotecas, etc.

Como é que a comunidade científica portuguesa encara a divulgação da ciência?

Acho que, em geral, hoje em dia acolhe bem. As coisas têm, felizmente, mudado nesse aspecto. Não nego que a divulgação fosse antes vista, pela comunidade científica, como uma tarefa menor, mas actualmente já é considerada, por exemplo, na análise dos "curricula" em concursos. Claro que podia ainda ser mais considerada e vai ainda ser mais, à medida que a comunidade científica se alargar e renovar. Um sintoma que as coisas estão a mudar, é que a própria actividade de divulgação científica é alvo de trabalhos académicos...

Qual pensa ser os melhores meios para divulgar a ciência tendo em conta os vários público-alvo? Que segmentos da população são mais fáceis de atingir?

Os meios têm de ser diferentes conforme os públicos. No jardim-escola – de pequenino é que se torce o destino! - podemos fazer "ciência a brincar" com pequenas experiências e observações, na escola básica e secundária podemos fazer "física divertida", ou até "oceanografia divertida". Na universidade ou para um público culto, podemos discutir qual é "coisa mais preciosa que temos". Os livros são essenciais, vários tipos de livros para os vários públicos. Mas também o são os jornais, lidos pelo público (um dos sintomas do nosso atraso cultural são os baixos índices de leitura de jornais!). E também o são os meios audiovisuais, como a rádio e a televisão. A televisão devia ter um lugar maior na promoção da ciência numa sociedade tão influenciada pela televisão como a nossa... Há ainda a Internet, que é um meio poderoso que está em larga medida por explorar: eu próprio e colegas meus desenvolvo actividades interessantes nesse domínio (http://www.mocho.pt ) e há não só que as alargar como averiguar o seu real impacte. Com as novas redes de comunicação, os muros da escola são derrubados e pode-se tirar partido desse facto... Os segmentos da população mais fáceis são as populações jovens, que têm uma curiosidade natural cujo desenvolvimento deve ser estimulado. Os jovens são verdadeiras "esponjas" do conhecimento sobre o mundo.

Em que medida a divulgação científica se distancia da comunicação formal da ciência feita para os pares ou para os alunos?

Distingue-se, mas não muito... A linguagem é decerto mais simplificada, embora não haja, por isso, que fazer concessões no rigor. Podemos ser rigorosos aos mais variados níveis. Isto é, podemos falar sobre um assunto de vários modos sem transmitir erros. A comunicação eficaz passa pela utilização de um reportório comum entre receptor e emissor, que é diferente entre pares, entre professores e alunos, e entre divulgadores e grande público. Mas o fenómeno da comunicação – a passagem de uma mensagem - pode ocorrer quer num seminário especializado quer numa aula quer ainda numa obra ou numa palestra para o público em geral. É preciso ter algo a dizer e transmiti-lo no tempo disponível e com os meios à disposição. Se houver comunicação, haverá enriquecimento mútuo. Penso que os cientistas ganham ao comunicar ciência ao público: não se trata apenas de promover a imagem pública da ciência, processo de que eles são directos beneficiários, mas também de treinar a sua capacidade de transmissão de informação. Os cientistas encontrarão nos processos de comunicação que empreendam um benefício claro de auto-avaliação: quanto melhor conseguirem comunicar o assunto, melhor o entenderam. Apesar de alguns exemplos em contrário, não se consegue comunicar o que não se compreende...

Em Portugal, o ensino das ciências não está bem, mas a divulgação das ciência está a "atacar" esse problema. É preciso entrosar melhor o ensino com a divulgação. O espírito de curiosidade e a atutude de crítica que a melhor divulgação científica transmite deviam também ser veiculados pelo ensino!

4 comentários:

Anónimo disse...

Sr Professor, deve estar orgulhoso de ter um grupo de jovens que carinhosamente lhe chamam "Einstein" Português e lhe dedicam um blog.
Parabéns Professor!
http://powerbit.blogs.sapo.pt/



Pedro Oliveira
vilaforte.blog.com

Bruce Lóse disse...

Além do enriquecimento dimensional do indivíduo há outro motivo para a aposta na divulgação das ciências: a vigilância dos seus processos e dos seus efeitos. Está mais do que demonstrado que o civismo (tenho-o como único vector de progresso verdadeiro) resulta de uma soma de factores, entre os quais a visibilidade, para o que a concorrência obscura e os conselhos de ética desta e daquela área não são condição suficiente.

Mas o civismo não é fácil, e muito menos consequente. Por exemplo, os portugueses têm em casa 50 canais de televisão e cada vez viajam mais, e ainda não se deram conta de que vivem num país destruído pela construção civil. Outro exemplo de que gosto bastante (o "meu favorito", como diria a Palmira) é o respeito pelos animais, neste paraíso de bandarilheiros e abandonadores profissionais, funcionários administram proteases nos matadouros em presas vivas. Ou, problema mais próximo das ciências exactas, quantos de nós manejam a matemática com rigor no fatídico modelo 3? Que partes da ciência desconhece a generalidade dos nossos médicos para distinguirem a sua arte dos botões de punho?
Resumindo, a ciência é consciência e a consciência é útil. Mas para quê?

J. Norberto Pires disse...

Quando o herói de alguns miúdos é um físico, na altura em que os heróis são vários e de plástico, isso significa que nem tudo está perdido. Há esperança.

Qd esse físico é Português, e professor em Coimbra. Bem... que grande pinta.

Link: http://powerbit.blogs.sapo.pt/

:-)

norberto

Anónimo disse...

Por falar em divulgação científica, vale a pena divulgar aos leitores do Rerum Natura que Andreas Reichenbach, juntamente com outros cientistas alemães do Paul-Flechsig-Institute of Brain Research, da Universidade de Leipzig, acabam de demonstrar que a retina, longe de ser um exemplo de mau design, como erradamente se tem sustentado, é mais complexa do que se pensava. A mesma dispõe de uma sofisticada rede de fibras ópticas de elevada performance, que canaliza a luz através dos 400 000 fotoreceptores por ml^2, sem qualquer perda. É claro que isto pode ser visto como mais uma evidência de design inteligente na Natureza. É exactamente o que seria de esperar se a Natureza tivesse sido o produto de design inteligente. É claro que os autores da investigação, como estão impedidos de atribuir o design na natureza a Deus, tiveram que concluir, de forma tudo menos lógica, com as palavras de Reichenbach: “a Natureza é tão inteligente!” O trabalho foi publicado na edição de 30 de Abril do Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

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