sábado, 26 de maio de 2007

VALE A PENA (RE)LER

Título: Admirável Mundo Novo
Autor: Aldous Huxley
Edições: Livros do Brasil
Público/Colecção Mil Folhas

Em 1932, Huxley publicou um livro visionário. Nele descreveu, com grande minúcia, uma sociedade ideal onde, para se manter a coesão entre os indivíduos, se recorria à engenharia genética e à educação.

Sobre a educação, há nesta obra passagens magníficas que, bem vistas as coisas, em 2007, nos parecem reais e, até, razoáveis. Deixo aqui uma delas (páginas 229 a 230), o leitor poderá descobrir outras…

“– Mas porque está ele proibido? – perguntou… emocionado por se encontrar em frente de um homem que tinha lido Shakespeare, esquecera-se momentaneamente de todas as outras coisas.
– Porque é velho, eis a razão principal. Aqui não temos o culto das coisas velhas.
– Mesmo que sejam belas?
– Sobretudo quando são belas. A beleza atrai, e não queremos que as pessoas sejam atraídas pelas coisas antigas. Queremos que amem as coisas novas.
– Mas as novas são tão estúpidas, tão horrorosas! (…) Bodes e macacos! – Só repetindo as palavras de Othello pôde manifestar convenientemente o seu desprezo e o seu ódio (…) – Porque não lhes dás a ler o Othello?
– Já lhe disse: é velho. E, por outro lado, eles não compreenderiam (…).
– Pois bem! Então (…) qualquer coisa nova semelhante ao Othello que eles sejam capazes de compreender.
– Aí está o que todos nós há muito tempo desejamos escrever (…).
– E é o que você nunca escreverá (…) porque se a obra se parecesse realmente com o Othello ninguém estaria em condições de a compreender. E, se fosse coisa nova, não se podia parecer nada com o Othello.
– Porque não?
– Porque o nosso mundo não é o mesmo que o de Othello (…), não se podem fazer tragédias sem instabilidade social. O mundo é estável agora. As pessoas são felizes, conseguem o que querem e nunca querem aquilo que não podem obter (…). Sentem-se bem, estão em segurança (…), vivem numa serena ignorância da paixão e da velhice (…).
A liberdade! – pôs-se a rir – O senhor espera que (…) saibam o que é a liberdade!?
– Apesar de tudo, [Othello] é belo (…).
– Não há dúvida (…) mas esse é o preço que temos de pagar pela estabilidade. É preciso escolher entre a felicidade e o que outrora se chamava a grande arte. Nós sacrificámos a grande arte. Temos em seu lugar os filmes perceptíveis (…).”

2 comentários:

José Luís Malaquias disse...

Corroborando o comentário do JGA, embora ambos os livros sejam igualmente arrepiantes, 1984 focava o tema do controlo absoluto da população numa sociedade em que as grilhetas não eram postas nas pernas mas sim na própria alma das pessoas. O grande irmão que tudo vê, tudo sabe, não se contenta em ter as pessoas dominadas pelo medo. Quer controlar-lhes a mente para que, de facto, gostem dele. Embora seja muitas vezes visto como uma crítica ao aparelho autocrático soviético (esse foi mais caricaturado no Triunfo dos Porcos), na realidade critica antes a nossa sociedade ocidental, em que não somos controlados por uma polícia secreta ou pelo medo da tortura ou do encarceramento. Somos controlados pela apatia, pelo desinteresse, pela alienação de uma televisão que nos domina através do músculo mais poderoso do nosso corpo: a mente.
Um pormenor interessante é que o título do livro 1984 não foi escolhido ao acaso. Foi escrito em 1948, pelo que George Orwell trocou a ordem dos algarismos. Muitos pensam que passámos por 1984 e nada daquilo aconteceu. Mas será que não aconteceu mesmo?

O admirável mundo novo, além de um primeiro grito de alerta sobre os perigos da manipulação genética, foca o problema da uniformização por castas. Também aqui parece que a realidade não podia estar mais longe da distopia. Ao fim e ao cabo, somos uma cultura que, à primeira vista, preza a diversidade, a diferença. Os nossos adolescentes cada vez primam mais pela marca pessoal, pelo toque chocante que os distinga de todos os outros. Procuramos capas para os nossos ipods e os nossos telemóveis para que sejam únicos, pessoais, diferentes do próximo. Mas, curiosamente, nisso somos todos iguais. Somos iguais nessa vontade de ser diferentes na aparência exterior. Somos iguais nos receios sociais. Vivemos vidas padronizadas, com metas definidas e etapas pré-estabelecidas. Como se não bastasse, vemos patologias em todos os desvios da normalidade no comportamento interior e tentamos curar esses desvios com fármacos, terapias, tratamentos. Não teremos também um pouco de Admirável Mundo Novo vivo entre nós?

Mário Montenegro disse...

Para quem se interessa pelo cruzamento entre arte e ciência, aconselho uma leitura do ensaio "Literature and Science" de Aldous Huxley em que este escritor, neto do famoso "Darwin's bulldog" Thomas Huxley, reflecte sobre os pontos de contactos e os de separação entre aquelas duas áreas do conhecimento.

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