A recente confusão na Universidade Independente trouxe, entre muitas outras, a notícia de que o Prof. Fernando Carvalho Rodrigues, professor e coordenador de um mestrado nessa instituição (o seu CV com essa indicação está na página da Universidade Independente), ia ser nomeado vice-reitor.
Lembremos quem é Carvalho Rodrigues. Conhecido por "pai do satélite português" (uma designação um tanto injusta para com o verdadeiro pai pois o satélite "Posat" foi comprado aos ingleses no tempo do primeiro ministro Cavaco Silva), imita o tenor italiano Pavarotti devido à sua semelhança física com ele (fez isso, com um lenço cor de laranja nas mãos, num comício no Algarve perante o então primeiro ministro). Carvalho Rodrigues foi, de facto, o responsável pelo projecto do "Posat", o satélite muito mediatizado mas cuja utilidade não se revelou de facto proporcional ao alvoroço que suscitou nos media.
Há mesmo quem diga que não serviu para nada além de propaganda. Alguém sabe por onde anda e o que faz o dito satélite? O professor da Independente é licenciado em Física pela Universidade de Lisboa, doutor em Engenharia Electrotécnica pela Universidade de Liverpool e agregado pelo Instituto Superior Técnico. Actualmente a trabalhar na NATO em Bruxelas, é autor de vários livros com títulos místicos como As Novas Tecnologias, o Futuro do Império e e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Ontem um Anjo disse-me (com Luís Ramos) e Convoquem a Alma, todos na Europa-América.
Esses livros só aparentemente são de divulgação de ciência, pois misturam alegremente ciência e religião. Também não são de religião. Não são carne nem peixe, sendo difícil classificá-los. O segundo título deve estar errado pois nenhum anjo lhe disse nada (a mim, pelo menos, nunca nenhum anjo me disse nada!).
O livro "Ontem um Anjo disse-me", que consiste de uma longa entrevista, contém dislastes como este, a propósito do "Big Bang": "Houve em Deus uma crença divina e uma grande necessidade (...) Primeiro Deus teve de acreditar que tinha a necessidade de fazer o universo, depois fez mesmo o universo porque tinha a possibilidade de o fazer, e a probabilidade é metida nisto porque... nós, está a ver?, nas chamadas ciências em que se calculam as coisas, ainda só temos um artefacto para calcular esta coisa da necessidade, da possibilidade e da crença, que é a probabilidade" (p. 224). Eu não estou a ver... Mas cheira-me a criacionismo, embora confuso. Ciência não é e religião também não me parece que seja.
Por seu lado, o livro "Convoquem a Alma" (2005) reúne alguns textos publicados ao longo do tempo em vários sítios (nomeadamente na "Quo", revista de "ciência pop" entretanto desaparecida). O estilo, muito do agrado de um certo público, continua o do livro anterior: consiste em misturar um pouco de ciência com um pouco de misticismo, sendo as doses variáveis conforme os capítulos. Embora saiba que esta é uma maneira de chegar a um certo público, tenho grandes dúvidas que seja a melhor maneira. Ciência e religião, embora por vezes tocando-se, são actividades distintas, com princípios próprios, metodologias específicas e finalidades diversas. Têm em comum o facto de serem ambas actividades humanas, mas correspondem a necessidades diferentes do ser humano. Misturar uma com outra da maneira como Carvalho Rodrigues faz pode prestar-se às maiores confusões e não traz benefícios nem a uma nem a outra. O livro tem, apesar de tudo, algumas metáforas curiosas para quem saiba o suficiente de ciência para não se deixar confundir. Mas metáforas não são equivalências, são associações vagas. O pior é quando essas associações não ensinam nada e levam quem não sabe a ficar com uma ideia errada, muito errada, do que é a ciência e para o que é que ela serve!
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5 comentários:
Obrigada pelos textos que partilha com outros. O rigor e a racionalidade agradam-me muito e ler artigos assim não é nunca em vão. Não digo "inútil" porque também gosto muito de ser "inútil" e de coisas "inúteis". Parabéns pelo que escreve e desculpe o comentário "inútil"
Já agora, para que serve não sei, mas onde está, pode-se saber aqui: http://www.n2yo.com/?s=22826
Coitado do senhor ... está só a tentar fazer pela vida ...
Jantei com uma Catedrática da "Lusófona" - Edição especial (Inclui cortes do Autor)
[...] e diz ela assim, sim, porque eu já dou aulas há 24 anos, já sou Professora Universitária há 24 anos,
e eu,
isso, contando com as férias na Califórnia, não, e os "cut" and "past" nas revistas?...
(Pausa)
... já sabe que detesto que me fale na Califórnia... aquele velho horrível... (cospe para o chão)... bom, mas se não fosse ele e, no fundo, tudo conta, e isso agora pouco importa, águas passadas, contas feitas, são, e são mesmo, 24 anos, a leccionar na Universidade!...,
e eu, só me lembrava aquela anedota, contada pelo meu paizinho, do Américo de Deus Thomaz, que foi visitar a Orquestra Não-sei-das-quantas, devia ser da Emissora Nacional, e foram-lhe apresentar o homem do violoncelo, o Decano da Orquestra, já andava agarrado ao instrumento, salvo seja, há 50 anos, e o Américo Thomaz, o Cavaco da altura, vira-se para ele, e diz-lhe, 50 anos!?... e sempre a tocar o mesmo instrumento!?...,
eu viro-me para ela, e digo,
24 anos, e sempre sem ninguém notar que você não sabe tocar?... [...]
Outro dia ouvi o dito investigador/professor falar na televisão (com um entrevistador sofrível) sobre inteligência artificial. Tendo tido a sorte de ter professores que efectivamente percebem do assunto no final do meu curso (eng. informática), pude compreender a enormidade dos dislates proferidos naquela espécie de entrevista.
Não deu uma para a caixa. Diz tudo e não diz nada. Muito metafórico, nada rigoroso, e demasiado associativo. Confunde mais do que esclarece. Boa pessoa, acredito, mas um perigo para a divulgação científica.
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