sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

ATÉ OS PEIXES PODEM APRENDER UM SERMÃO - 2


Segunda parte de um texto de Carlos de Sousa Reis, filósofo e pedagogo, sobre a ancestral procura do sentido de ensinar.

A abordagem aflorada no texto anterior parece antecipar, como já foi bem reconhecido, as teorias construtivistas do processo de ensino e aprendizagem.

O construtivismo assume que todo o conhecimento resulta de uma construção realizada pelo sujeito. Aparentemente isto significaria que todo o conhecimento seria relativo e subjetivo, o que pode não ser o caso, pois se o processo de construção é subjetivo e o conhecimento é relativo ao contexto em que é produzido, não significa isto que não existam invariantes, tanto do ponto de vista das estruturas cognitivas do sujeito como dos conhecimentos.

Mesmo se em dada medida os conhecimentos recebem o seu sentido em termos da teoria em que foram gerados ou do paradigma em que se enquadram, eles são sempre dados como verdadeiros, ainda que para um certo estado concetual. O facto de o processo de construção ser subjetivo, isto é, intrínseco a um sujeito, também não implica que não possa ser objetivo para todos os sujeitos que vivenciarem o mesmo processo e muito menos que o resultado do processo não possa ser um conhecimento tido por verdadeiro dentro do quadro de pensamento que o torna possível e necessário.

O que nos remete para o valor substantivo do conhecimento que, no polo oposto do construtivismo, vemos ser reclamado pelos tradicionalistas, que também asseveram a necessidade de alguém que o saiba para poder haver ensino e aprendizagem.

Para estes há conhecimentos universais que podem e devem ser ensinados. Requer-se, no entanto, alguém que os domine e os saiba ensinar e alguém com capacidade e disponibilidade para aprender. O conhecimento não se obtém por um processo espontâneo de construção individual de quem não sabe sem intervenção de alguém que saiba. Resulta da transmissão do que é conhecido pelo que conhece para o que o deve aprender.

A verdadeira questão está em saber se se poderá realmente transmitir uma ideia, ou se a ideia deve de algum modo ser construída pelo aprendiz a partir do processo de comunicação com o que ensina. Noutros termos, precisamos de saber se ensinar se pode reduzir a transmitir e aprender a receber ou se, além disso, se requer quem propicie a construção cognitiva e quem seja capaz de construir as ideias que (por tal processo) devem ser aprendidas.

Em termos pedagógicos o construtivismo costuma ser associado a um processo, mais ou menos lúdico, de criar condições para a atividade espontânea dos aprendizes, que por si próprios produziriam o saber. Os professores já não serão tanto vistos como fiéis depositários de conhecimentos a transmitir que reclamam o esforço de receção e memorização, mas como guias, motivadores dos interesses e estimuladores do processo de aprendizagem construtiva por parte dos aprendizes criadores.

Quase parece que se dispensaria o saber, o sabedor e o ensino em benefício dos contextos ativadores da construção de um conhecimento relativo aos parâmetros e interesses do sujeito aprendente. De um lado temos a preponderância do conhecimento, da disciplina, do ensino e da atividade do professor; do outro, temos a preponderância da atividade autónoma do aluno, do contexto motivador e do processo pessoal de construção do conhecimento. De um lado insiste-se na necessidade de silêncio, concentração e trabalho individual; do outro aponta-se para a comunicação, interação e cooperação em grupo.

Este parece ser um daqueles casos, em que a educação é fértil, de abordagem disjuntiva e reducionista de uma problemática intrinsecamente antinómica. Como mostrou Quintana Cabanas (1988), a educação requer de modo articulado, na dose adequada ambos os processos, que remetem de modo indissociável uns para os outros.

(continua)

Carlos de Sousa Reis

2 comentários:

Anónimo disse...

Aguarda-se com interesse a continuação.
HR

José Batista da Ascenção disse...

Eu li, eu li...

Só que quando cheguei ao "sujeito aprendente" esmoreci.
Mas ainda avancei. Até deparar com a "abordagem disjuntiva e reducionista de uma problemática intrinsecamente antinómica". E aí fiquei em estado antinomiano.
Defeito meu, com certeza.

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