“Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” (Maria Filomena Mónica, “Público”, 08/12/2003).
No dia de ontem, em data comemorativa do 97.º aniversário do nascimento de José Sebastião e Silva (1914-1972), notável académico, matemático e grande pedagogo (numa altura em que no nosso país nascem, como cogumelos, “pedabobos” em terreno húmido de pedagogias esotéricas), é de louvar o contributo de um leitor deste blogue, Joaquim Manuel Ildefonso Dias, em comentário ao meu recente post, “A Entrada em Medicina e o Ensino Recorrente” (12/12/2011), lembrando um daqueles nomes “que por obras valorosas da lei da morte se vão libertando” (Camões) no domínio de uma educação ao serviço da elevação científica, cultural e ética do país e não de um enganoso folclore estatístico. Folclore estatístico que mete no mesmo saco diplomas obtidos em noites insones de aturado estudo e outros papéis, ainda que com o imprimatur do Estado, que atestam, apenas, a intenção de tentar fazer passar gato por lebre. Mas, mesmo antes desta deplorável situação de facilitismo do nosso ensino, Francisco Sousa Tavares escreveu com desalento: “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados”.
Ao laudatório depoimento deste leitor pouco haverá a acrescentar. Todavia, em pequeno acrescento, transcrevo uma síntese do que José Sebastião e Silva preconizava para o ensino da década de 60 do século passado. Escreveu ele, em 1965:
No dia de ontem, em data comemorativa do 97.º aniversário do nascimento de José Sebastião e Silva (1914-1972), notável académico, matemático e grande pedagogo (numa altura em que no nosso país nascem, como cogumelos, “pedabobos” em terreno húmido de pedagogias esotéricas), é de louvar o contributo de um leitor deste blogue, Joaquim Manuel Ildefonso Dias, em comentário ao meu recente post, “A Entrada em Medicina e o Ensino Recorrente” (12/12/2011), lembrando um daqueles nomes “que por obras valorosas da lei da morte se vão libertando” (Camões) no domínio de uma educação ao serviço da elevação científica, cultural e ética do país e não de um enganoso folclore estatístico. Folclore estatístico que mete no mesmo saco diplomas obtidos em noites insones de aturado estudo e outros papéis, ainda que com o imprimatur do Estado, que atestam, apenas, a intenção de tentar fazer passar gato por lebre. Mas, mesmo antes desta deplorável situação de facilitismo do nosso ensino, Francisco Sousa Tavares escreveu com desalento: “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados”.
Ao laudatório depoimento deste leitor pouco haverá a acrescentar. Todavia, em pequeno acrescento, transcrevo uma síntese do que José Sebastião e Silva preconizava para o ensino da década de 60 do século passado. Escreveu ele, em 1965:
“Nesta ordem de ideias, o professor deve combater no aluno, e em si próprio, o receio de errar, enquanto se trata de fazer um esforço sincero para aprender ou ensinar. Porque só errando se aprende verdadeiramente. Ai daqueles que não aprendem à custa da própria experiência e dos próprios erros, porque esses pouco ou nada aprendem, na verdade”. Atenho-me, agora, à pergunta que me foi feita por esse leitor sobre o que penso sobre, e passo a citar, o “ ano Pré-Universitário uma vez que hoje, tal como em 1968, é certo que os alunos do secundário estão mal preparados”. Aliás, esta pergunta tem como base a crítica formulada por Sebastião e Silva, ínsita no mesmo comentário deste leitor, e que transcrevo: “A 4 de Dezembro de 1968, foi publicado no jornal a Capital um artigo do Prof. Sebastião e Silva com o título ‘Problemas da Universidade’ onde ele expõe o que pensa da Universidade e dos seus problemas e ainda do ensino, nos seus diversos níveis e graus:
[…] ‘Para já, tenho a impressão e creio que vários colegas pensam mais ou menos como eu que haveria vantagem em facultar aos alunos mal preparados – que são quase todos – a frequência de um ano pré-universitário a funcionar na Universidade ou em alguns liceus’. […] ‘O referido ano pré-universitário teria essencialmente carácter de transição, de orientação e de recuperação – à semelhança do que se faz em outros países’”.
A única coisa a que me atrevo a responder é que a situações diferentes devem corresponder soluções diferentes. Quarenta anos, tantos são aqueles que medeiam do ano em que José Sebastião e Silva escreveu este artigo e o ano desta época natalícia que vivemos. Ou seja, de lá para cá muita água de verdadeiros disparates cometidos no âmbito do sistema educativo, correu debaixo das pontes deste país sem que qualquer barragem de bom senso fosse criada para iluminar a noite escura de um futuro até aqui escuro como o breu. Alguns exemplos, apenas: extinção do ensino secundário técnico, crisma do ensino liceal para ensino secundário (com o se mudando o nome às coisas se melhorassem essas mesmas coisas), deficiente ou mesmo nenhuma avaliação dos alunos do básico, Novas Oportunidades, extinção do sério e exigente Exame Ad Hoc e sua substituição pelo nada sério e nada exigente Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos, um Ensino Superior em que , com o mesmo rótulo de uma faculdade de grande exigência se abre uma escola do ensino privado com mais presteza com que se abre uma banca de um mercado sem as exigências da ASAE, etc., etc.
Aliás, já no dealbar do século passado um médico portuense, de seu nome Manuel Laranjeira (1877/1912), colaborador assíduo da imprensa, fazia o diagnóstico de “uma sociedade, onde o pensamento representa um capital negativo, um fardo embaraçoso para jornadear pelo caminho da vida” (in O Norte, 1908).
Em consequência, é sempre uma efeméride a recordar de quem, como Sebastião e Silva, em ampliada citação de Manuel Laranjeira (ibid.), “não se condenou a cruzar os braços ou a deixá-los cair desoladamente sob pena de ser esterilmente derrotado”. Infelizmente, como nos diz o filósofo Blaise Pascal , “o homem é apenas uma palha, a coisa mais fraca da natureza, mas é uma palha pensante”. Pois é a Universidade alfobre de um pensamento multissecular que necessita que o seu acesso não se transforme, em legado do Professor Aníbal Pinto de Castro, catedrático da Universidade de Coimbra, falecido anos atrás, “numa instituição de caridade. Para isso há os asilos e a Mitra. Não pode ser um hospital de alienados” (Diário de Coimbra, 27/11/2005).
Finalmente, respondendo concretamente à pergunta que me foi feita pelo leitor, sobre o ano pré-universitário, proposto por Sebatião e Silva para o ingresso na Universidade do seu tempo, hoje, mais não seria do que uma gota de água no mare magnum das deficiências de um ensino que se degradou a partir da antiga instrução primária, actualmente 1.º ciclo do ensino básico, e de pretensos autodidactas, tidos pelo poeta brasileiro Mário Quintela, como “ignorantes por conta própria”. Ignorantes esses que franqueiam os muros universitários pela porta do cavalo, como sói dizer-se!
Na imagem: Retrato do Professor José Sebastião e Silva.
4 comentários:
Professor Rui Baptista,
Deste seu post, é certo para mim, que partilha também os sentimentos de tristeza e tudo o mais, tal como o Professor Sebastião e Silva, e que abaixo transcrevo, e para o qual o De Rerum Natura é um bom remédio, e que precisamos, bem hajam.Obrigado.
“Amargamente se queixava, muita vez, de que em certos meios oficialmente “intelectuais” houvesse tão poucos elementos com os quais fosse possível conversar. “Não há sobre que conversar com esta gente”, - deplorava.” (da Biografia)
Há algum tempo, vi o documentário sobre Andrew Wiles (Matemático Britânico) que conseguiu demonstrar o Último Teorema de Fermat.
Fiquei por um lado maravilhado, e ao mesmo tempo triste (e vou explicar os dois sentimentos contraditórios;
O primeiro, porque Andrew Wiles, em criança, com a idade de 11 anos visitou uma biblioteca e num livro encontrou, por acaso, o enunciado do Último Teorema de Fermat e, – ficando a criança encantada com a sua beleza e simplicidade que podia ser compreendido por uma criança da sua idade, não obstante ninguém ter ainda conseguido demonstra-lo, foi desde esse momento, que a criança não mais deixou de pensar no assunto.
O sentimento de tristeza vem, a propósito da qualidade dos manuais escolares, porque, o que a criança Andrew Wiles leu no livro poderia ter sido lido por uma criança portuguesa, tivesse ela acesso ao livro de Geometria Analítica Plana do Professor Sebastião e Silva.
A nota histórica desse livro, é de tal forma primorosa, que vou transcrever a sua parte final (pois o autor vai mais longe do que o normal – só entendível pela cultura matemática e senso pedagógico de Sebastião e Silva, que encerra com o desafio, esse desafio, o mesmo, que a criança Andrew Wiles viu e sentiu)
“Quem conseguir demonstrar esta proposição (se tal é possível) ficará ipso facto imortalizado. Mas repare-se: não é fácil, mesmo com todos os recursos poderosos de que dispõe a matemática actual, ascender aos cumes a que chegou Fermat, o homem que rivaliza com Descartes na criação da geometria analítica.”
Professor Rui Baptista, quantos Andrew Wiles, portugueses, não encontram o seu caminho também pela qualidade dos manuais escolares, como sabe.
Aceite os meus cumprimentos cordias
Só uma achega a propósito do tal ano pré-universitário: é preciso não esquecer que o actual 12º ano começou por ser precisamente um ano pré-universitário, o ano propedêutico. Ou seja, daqui a uns anos teríamos um 13º ano. Mas como as coisas estão, acho que nem com 20 anos de ensino básico/secundário a coisa lá ia.
Anónimo (14.Dez. 23:11): Este ano propedêutico bailava-me na cabeça quando escrevi este post. Dele foi "vítima" uma das minhas filhas sem qualquer valor acrescentado, como agora se diz.
Aliás, de há anos para cá, o ensino transformou-se em experiências que fizeram dos alunos cobaias de laboratório. Obrigado pela lembrança do seu comentário.
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