sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

No caminho do çuçeço: 4.º episódio — avaliações


Novo episódio da novela educativa de António Mouzinho:

Discursei anteriormente sobre exames, responsáveis pelo ato pedagógico e projetos educativos. Ando a ver se impressiono o Leitor, e vou falar sobre avaliação.

Quem tenha tido a paciência de ler o folhetim todo, verificará que as minhas opiniões são completamente enviesadas: acho os exames recomendáveis, porque «mantêm os níveis»; acho que o professor deve ser o responsável primeiro e último pela instrução, porque se começamos a diluir responsabilidades, acabamos sem responsáveis por nada; acho que a interferência de direções e conselhos pedagógicos deve manter-se — com reservas — na esfera política porque, pela sua singularidade e constituição, não são competentes para mais nada.

Que é que tenho a dizer sobre avaliação?

O seguinte:

Partamos do princípio ambicioso que nos interessa qualidade no ensino. Seja, então, o melhor dos mundos: há professores competentes no terreno que, encarregados de dar instrução aos alunos (e alguma educação, por irradiação subtil da aura pessoal), exercem esse mester em escolas que têm direções sensatas e projetos educativos modernos (onde o saber e a exigência são os protagonistas do drama). Que faremos para aferir a qualidade do serviço prestado pela escola?

Avaliação externa.

Vamos, então, mobilizar um corpo de inspetores pedagógicos, treiná-los em artes marciais e provas de azeite, avaliação de desempenho e super-visão pedagógica (deve escrever-se assim: lembram-se do Super-Homem, que dispunha de super-visão?), muni-los de canivetes suíços e aparelhos de GPS, oferecer-lhes botas de carneira, sebo, e mandá-los para o terreno?

É tentador...

Mas não é necessário. Lamento, mas já temos um instrumento. Sem querer pôr no desemprego, ainda antes de o ser, o corpo de inspetores todo-o-terreno, lembro-me da estatística dos exames. Os «rankings» de quem todos falam com um esgar trocista... mas que são religiosamente consultados. Que se baseiam naquilo que dá pelo nome carinhoso de «pautas», as continhas que produzem, entre outras, a seguinte informação: qual foi a classificação interna de frequência (CIF, terrível nome de detergente) dos alunos, e qual a classificação (CE) final de exame?

Que diferença há entre CIF e CE? Como é que a escola — os professores desta ou daquela disciplina, que levaram alunos a exame — justifica sucessos e desastres? Com que detergente se limpa uma má relação entre CIF e CE?

É aqui que entra a política. É aqui que a direção deve estar atenta, para perceber que técnicos produziram bons e menos bons resultados, quem deve falar com quem, que práticas devem ser trocadas, melhoradas, incentivadas. Como parti do princípio que eram bons técnicos quem estava a trabalhar, isto só pode dar bons resultados, porque bons profissionais não têm medo de erros e acidentes: corrigem-nos, superam-nos.

Então, estamos a preparar os meninos para exames? Não só... mas também. O bom ensino dá muito mais que bons examinandos; mas também, na passada, acaba por produzi-los — aos bons examinandos.

Fui aluno do prof. Rómulo de Carvalho; da prof.ª Iolanda Lima; do prof. Álvaro Duarte. Como diabo conseguiam ser tão bons professores tendo como preocupação primeira os conteúdos científicos daquilo que ensinavam, e bons resultados nos exames nacionais? Reprovando os alunos, quando não sabiam; apoiando todos os que se lhes dirigiam; sem conselhos pedagógicos metediços, nem plataforma Moodle, nem quadros interativos? (Os quadros preenchidos a giz, nas nossas barbas, pelo saudoso Rómulo de Carvalho, eram um modelo de virtudes. Um paradigma —dir-se-ia agora... — de inteligência formativa, de bom traçado e de bom gosto.)

Então e a avaliação externa? São os resultados que permitem fazer a avaliação externa. Se um grupo de professores tem resultados consistentes nos alunos que vão fazer exame, não se mexa em nada. Se CIF e CE dão uma subtração gorda, então algo tem de ser feito — para cima ou para baixo. Se as pautas finais do ano letivo têm uma maioria de chumbos, tem de se estabelecer porquê, para agir. Agir pode ser naquilo que, noutra escola, constituiu um passado desastroso para o aluno, mas que talvez esta escola possa remediar (ou talvez não... mas há que saber). Os chumbos são um sintoma de qualquer coisa que não corre bem. Pode ser o ensino, mais provavelmente é o estudante; seja o que for, pode ser modificado. Não pode é ser disfarçado com «outras competências» ou por supressão da prova final. Não suprimamos o chumbo: suprima-se o abandono após o chumbo.

Avaliar não é coisa para processos com muitas folhas, itens organizados em taxonomias ilegíveis e danças de salão entre avaliadores vaidosos — com o pequeno (pequeníssimo) poder, e munidos de pequenos (minúsculos) critérios — e pobres professores que têm de tornar evidentes... demasiadas evidências.

5 minutinhos dentro duma sala — que digo eu?—menos, muito menos! — dão para perceber se temos professor. O resto? O resto é «Ciência». E são resultados.

(Não perca o próximo episódio do folhetim «No caminho do çuçeço», sobre programas).

António Mouzinho

2 comentários:

Anónimo disse...

Lavou-me a alma.
Preparar os alunos para exame é mais do que isso. Além dos conhecimentos também aprendem a lidar com situações de stress; quanto melhor preparados mais facilmente o vencem. Não é tarefa fácil. Mas difícil, difícil mesmo é fazer prova com resultados durante anos que se usam as estratégias adequadas e não convencer quem manda.

José Batista da Ascenção disse...

Bom.

Para diminuir as diferenças entre CIF(s) e exames talvez seja importante tomar outras atitudes corajosamente escandalosas ou escandalosamente corajosas: tirar os pais, ou pelo menos certos pais, de Conselhos Pedagógicos(?) e, sobretudo, de Conselhos de Turma onde, não raras vezes, tomam lugar fazendo sentir aos professores que as escalas são para usar por cima. Bem por cima. Porque os meninos podem "cair" nos exames e o peso de 70% da CIF tem então uma importância capital...
E os professores sabem como a influência dos pais se tornou preponderante. E sentem o modo como alguns pais fazem questão de o tornar presente...
E ainda mais o sentiram no tempo da loucura "rodriguina" em que se puseram os Conselhos Pedagógicos a elaborar grelhas para os pais avaliarem os professores. Lembro-me da luta que travei, em pleno C. Pedagógico, para deitar por terra uma proposta em que 1/5 dos encarregados de educação de uma turma podiam produzir uma apreciação favorável ou demolidora sobre um professor. Foi "épico", sobretudo porque foi precisamente uma mãe, das que merecem o nome, a intervir com inteligência e firmeza no sentido de aquela cangalhada ruir. Com algum estrépito, diga-se.
E há também a luta entre professores por conseguirem alunos, que a vida começa a ficar má para muitos deles. E então, aqueles cujos alunos não vão ser sujeitos a exame podem muito bem usar 18 ou 19 como nota... mínima. O que faz com que muitos alunos e pais achem esses professores o máximo. E é também esse um fator que leva outros professores a subirem um tanto as suas avaliações. Caso contrário perdem "clientes" e a ameaça de ficar sem horário sobe consideravelmente...
Não sei se me faço entender.
Não sei também se se torna claro por que muitos alunos têm médias altíssimas no final do secundário para mergulharem no abismo no primeiro ano da universidade. Sendo certo que também já há muitas universidades onde se afixam classificações como se os alunos fossem (quase) todos génios. Em anos recentes, por exemplo, era fácil haver estágios de professores a quem frequentemente se atribuíam vintes. E os jovens professores orgulhavam-se disso. O pior era quando lhes calhava a eles redigirem uma ata. Mesmo que o fizessem com exuberante convicção de qualidade, quem lesse (e soubesse ler) podia constatar o óbvio: aqueles professores supostamente tão bem preparados não sabiam escrever.

Eu sei. Eu sei. Estas coisas não podem ser ditas. Ainda mais por um professor. Prometo fazer tudo para não comentar o próximo episódio. A mim mesmo digo basta. Isto é inadmissível. Pronto, não me batam.
Está bem?

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