sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

2004: Silva Lopes e o Sistema Educativo


“Tenho esperança. É o que me vem sustentando: a esperança de que amanhã é que é.” (Vergílio Ferreira, 1916-1996).

Para Winston Churchill, “quanto mais para trás se olhar, mais para a frente se poderá ver”. Seguindo este conselho, embora não à letra quanto a remotos percursos, com a finalidade de perspectivar o futuro da educação portuguesa, entendo, todavia, que para encarar o futuro há que viver o presente e estudar o passado de um país “onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e a falta de escrúpulos”, como escreveu o médico e publicistaManuel Laranjeira, em inícios do século passado (1908), no jornal portuense - “O Norte”.

No uso que tenho feito na colaboração modesta em jornais e revistas, publicação de livros e, mais recentemente, co-autoria, aqui, no blogue De Rerum Natura, fazendo eu uso da escrita (sabendo que o faço, ao contrário de Monsieur Jourdain, personagem principal de Moliére, em O burguês gentil-homem, que fazia prosa desconhecendo que a fazia), talvez, com o único mérito de me preocupar, de há meio século para cá, com as "ninharias do ensino”, transcrevo, agora, uma carta dirigida à direcção do jornal Público, e aí publicada com o título “A preocupação de Silva Lopes com a educação” , em 10/11/2004. Nela escrevi, em transcrição integral, com exclusão de algumas notas actuais minhas, assinaladas entre parêntesis rectos:

«Foi transcrita no Público uma recente entrevista televisiva de Silva Lopes em que este professor de Economia nos dá conta do seu desencanto com o lamentável estado da educação. “É um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje”. Ao ser interpelado se tal se ficava a dever ao pouco investimento feito neste sector, não hesita em responder com um vigoroso não. Aduzindo, a título de exemplo, o facto de “sobretudo no fim da carreira, termos alguns dos professores primários mais bem pagos da Europa”. Ora, tal só é possível com a cobertura de um injusto Estatuto da Carreira Docente que iguala desiguais fazendo com que todos os professores atinjam o topo da carreira [através, por vezes, de caricatos cursos de complemento de habilitações] sem ter em conta a respectiva formação académica, que vai desde um curso médio a uma licenciatura universitária, quer se destine à docência do 1.º ciclo do ensino básico ou até do ensino secundário. É só uma questão de tempo de serviço! [Como escreveu o professor universitário e neurocirurgião João Lobo Antunes, “as carreiras são entre nós matéria importante, visto estarmos num país de carreiristas no qual todos buscam uma calha que lhes permita deslizar sem atrito”].

E não hesita em prosseguir, Silva Lopes: “Nunca ninguém me explicou por que é que não há concursos verdadeiros para professores, por que é que se utilizam as notas das universidades, venham elas de uma escola boa e exigente ou de uma universidade manhosa e perdulária nas notas”. [Aliás, de há muito, que esta temática tem merecido a minha desvelada atenção; do que me recordo, através de vários posts publicados neste blogue, intitulando-se o primeiro, “O exame de acesso à carreira docente” ( 15/02/2008) e o último, “Lóbis Sindicais e o Exame de Entrada na Carreira Docente”, de 7 de Dezembro último]. Esta aberração, denunciada acima por Silva Lopes, muito se amplia se contabilizarmos, outrossim, os docentes oriundos do ensino politécnico a concorrerem, em idênticas circunstâncias, para a docência do 2.º ciclo do básico com os saídos da universidade. Mas basta de seguir a “‘política do avestruz” no que respeita à formação dos alunos!

Há que encarar os factos de frente e sem sofismas para acabar com o escândalo de uma percentagem de crianças terminar o 1.º ciclo do básico sem saber ler, escrever ou contar (o chamado LEC), vítimas inocentes de um sistema educativo permissivo, e sem respeitabilidade, que distribui, a eito e sem jeito, diplomas com simples finalidades estatísticas para uso da União Europeia e de um país em que “se ensina pouco, se educa menos e se exige quase nada”, em denúncia pública da Associação Comercial do Porto, anos atrás. E isto para não falar dos inúmeros ignorantes, diplomados por uma desregrada massificação do próprio ensino superior.»

Esperançoso me encontro que fortes ventos de mudança afastem para longe as plúmbeas nuvens que têm pairado e, pior do que isso, feito chover copiosamente disparates sobre o sistema educativo nacional. E, com isso, se não cumpra a ironia amarga de Oscar Wilde, quando nos diz que “a experiência é o nome que damos aos erros que cometemos”; e, por outro lado, os maus fados nos afastem da denúncia de Ramalho Ortigão (1836-1915) quando se queixou amargamente da educação do seu tempo, dizendo ser “uma burla atroz”. E porque cá e lá más fadas têm havido a atravessar fronteiras, o filósofo alemão Nietzche (1844-1900), contemporâneo da Ramalhal figura, não se mostra menos pessimista relativamente à educação do seu torrão natal: “E assim cheguei até vós, ó homens de hoje, e ao país da educação. E o que me aconteceu? Não obstante toda a minha ansiedade, tive de rir. Nunca os meus olhos tinham contemplado algo tão manchado e heterogéneo”.

Entretanto, nesta época natalícia, de apelo à paz e à concórdia, ouvem-se já algumas lamúrias sindicais de carpideiras da desgraça, futuras viúvas de uma situação de “quanto pior melhor”, em guerra surda com as reformas em gestação para darem nova vida ao sistema educativo nacional. Haja esperança!

Na imagem: Silva Lopes, ministro das Finanças e do Plano, nos II e III Governos Provisórios.

8 comentários:

joão boaventura disse...

Caro Rui

Churchill também disse:

"A política é a arte de ajudar o público a não tratar dos assuntos que lhe interessam."

Um abraço

Anónimo disse...

"visto estarmos num país de carreiristas no qual todos buscam uma calha que lhes permita deslizar sem atrito”]." Nos outros países é claro que não. Não se interessam ela carreira, procuram o máximo de atrito e nem querem calha nem nada. Enfim, são todos suicidas.
Vê-se assim que pessoas inteligentes como Lobo Antunes podem estar em dias de fraca inspiração... e dizer coisas destas. É mais difícil de compreender que seja citado como tendo dito algo que mereça ser lido.

Rui Baptista disse...

Caro João: Grato pelo envio do pensamento de Churchill. Já o registei.

Segundo Voltaire, "um pensamento éc como se fosse uma Farmácia de Moral, onde se encontram remédios para todos os males".

Um grande abraço,
Rui

Rui Baptista disse...

Anónimo (16.Dez.; 22:37):

Nos outros países, ao contrário do que escreve, é claro que sim! Sim, também existem carreiristas.

Mas não acha que seria fastidioso para o professor Lobo Antunes (e para o próprio leitor) elencar os países “no qual todos buscam uma calha que lhes permita deslizar sem atritos”?

Por isso, entendi citá-lo como “algo que mereça ser lido”. Mais do que isso, lido e meditado. Agora aceitar é diferente. Assim, registo, e respeito, a sua opinião.

Obrigado pelo seu comentário.

António Pedro Pereira disse...

Caro Rui Baptista:
Este súbito interesse (direi incómodo) de Silva Lopes pelo despesismo da Educação (e em particular pelos privilégios dos professores do ensino primário, a designação oficial mudou há décadas mas ele ainda não se deu conta disso) contrasta com o seu silêncio quando os professores, em geral, e os do então ensino primário, em particular, ganhavam miseravelmente (e eram desconsiderados publicamente por isso).
Apenas o NSRFP, de 1989, mudou a situação, mas apareceram subitamente estes zeladores da Pátria a «porem as coisas nos carris».
Quanto aos proventos escandalosos da elite dos gestores portugueses, quer das empresas públicas, quer das participadas pelo Estado, quer ainda das do PSI 20, esses sim acima de qualquer paridade (o presidente da CGD ganha mais do que Cristine Lagarde e o governador do BdP mais do que Bem Benanke, só para dar 2 exemplos, isso nunca incomodou tais figurões. Ele próprio, Silva Lopes, tem várias chorudas reformas, mas aí não há problema, pois ele teve várias vidas e reincarnações.
Há um senhor que, depois de 6 anos APENAS no BdP, e aos 49 anos, foi reformado com uma reforma substancial e, pasme-se, vitalícia. Saído de tão extenuante tarefa, continuou a carreira universitária como professor catedrático, foi ministro, dedica-se agora a comentar por todo o lado o deplorável estado das finanças públicas e a pedir sacrifícios AOS OUTROS.
Assim vai este pobre país … e as suas elites.

Anónimo disse...

“É um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje”.

Com estas palavras Silva Lopes não deve ficar surpreendido que se afastem dele, e o vejam como quem trabalhou senão para o seu aparo.

É muito mais racional dizer que: há tanto que fazer para melhorar o ensino, e nós ainda não sabemos ainda bem como.

Rui Baptista disse...

Caro Anónimo (17 Dez.; 16:42): A educação é uma espécie de frondosa árvore (quando o é!) em que os frutos só são colhidos muitos anos depois.

Isso não justifica, de forma alguma, que assistamos ao seu crescimento sem a podar e estrumar convenientemente o terreno em que está plantada. Diz, o prezado anónimo, que "nós ainda não sabemos ainda bem como". Igual dúvida teve Freud que, quando interrogado por uma mãe, em desespero de causa, sobre a melhor forma de educar o filho lhe respondeu, porventura, em desânimo ocasional: – “Minha senhora, faça o que fizer fará sempre mal!”

Mas há erros tão evidentes no nosso sistema educativo, como diria o povo, que se metem pelos olhos dentro, que estão (ou devem estar) condicionados a uma acção rápida, exigente e actuante. O dia de amanhã pode ser tarde para o sagrado dever da sociedade em educar os homens de amanhã. Educar bem! Pesem, embora, os condicionalismos da condição humana: “Errare humanum est!” Mas será humano persistir nos erros?

Rui Baptista disse...

Caro António Pedro Pereira: Publiquei ontem, quase ao soar das badaladas do relógio a anunciar um novo dia, a resposta este seu comentário (17. Dez.; 13:45).

Dessa resposta faço anúncio "protocolar", aqui e agora, para os efeitos havidos por convenientes.

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