quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
"AOS OMBROS DE GIGANTES"
Na continuação de uma carta de um leitor do "Sol":
"Um outro tema de que gostaria de lhe falar relaciona-se com a frase atribuída a Newton. Eu sei que o desconhecimento da língua latina pode justificar esse erro. E não digo que este autor não tenha escrito como sua essa frase. Mas ela já tinha barbas quando Newton nasceu. Senão veja:
"Dicebat Bernardus Cartonensis nos esse quasi nanos, gigantium humeris incidentes, ut possimus plura eis et remotiora uidere, non utique proprii uisus acumine, aut eminentia corporis, sed quia in altum subuehimur et extollimur magnitudine gigantea." João de Salisbúria – Metalogicon, Liber Tertius, cap. IV
Eu traduzo: -"Dizia Bernardo de Chartre que nós somos como que anões montados em ombros de gigantes para podermos ver mais e ver mais longe do que eles, não pela penetração do próprio olhar ou pela estatura do corpo, mas porque somos erguidos ao alto e somos alçados pela grandeza de gigantes."
DD
Minha resposta:
"Sim, é bem conhecido e eu conheço que há uma frase parecida - não idêntica - de um monge medieval, Bernardo de Chartres, pelo menos a acreditar em João de Salisbúria. Os vitrais da catedral de Chartres mostram os evangelistas aos ombros dos profetas. Newton não citou Bernardo de Chartres, mas não se sabe se Newton conhecia a frase. O contexto em que Newton a usa tem sido muito discutido: era uma carta a Robert Hooke e poderia estar a referir-se, deselegantemente, à baixa estatura do seu rival. Newton não tinha bom feitio.
A tradução que eu conhecia (que me foi enviada amavelmente por um outro leitor) é:
«Somos como anões aos ombros de gigantes, pois podemos ver mais coisas do que eles e mais distantes, não devido à acuidade da nossa vista ou à altura do nosso corpo, mas porque somos mantidos e elevados pela estatura de gigantes.» Bernardo de Chartres, referido por João de Salisbúria, Metalogicon III, 4 (ed. Webb, Oxford 1929, p. 136, ls. 23-27).
De qualquer modo a história está cheia de grandes frases que foram ditas, de modo um pouco diferente, antes e isso não tira valor a quem as disse. Em muitos casos, acrescenta, pois é difícil ou impossível apontar o plágio e foram eles que tornaram as frases famosas. No caso, a afirmação tem um enorme poder metafórico. Lida no contexto geral da história das ciências, significa que Newton não podia ter visto o que viu sem que antes Galileu, Kepler, Descartes e outros não o tivessem precedido (ver o título "Aos Ombros de Gigantes" de um volume de textos fundamentais da física que foi publicado pela Texto Editores no Natal passado). A construção da ciência é uma pirâmide humana. Einstein subiu para os ombros de Newton e há lugar aos ombros de Einstein para mais alguém subir. Não é fácil subir tão alto, claro."
CF
Na imagem: vitrais da catedral de Chartres.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
UM CRIME OITOCENTISTA
Artigo meu num recente JL: Um dos crimes mais famosos do século XIX português foi o envenenamento de três crianças, com origem na ingestão ...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
«Na casa defronte de mim e dos meus sonhos» é o primeiro verso do poema de Álvaro de Campos objecto de questionamento na prova de Exame de P...
6 comentários:
«Isaac Newton famously remarked in a letter to his rival Robert Hooke dated February 5, 1676 that:
"What Descartes did was a good step. You have added much several ways, and especially in taking the colours of thin plates into philosophical consideration. If I have seen a little further it is by standing on the shoulders of Giants."
This has recently been interpreted by a few writers as a sarcastic remark directed against Hooke"» - Wikipedia
Até então, (descobrimento) os indígenas habitantes desde sempre deste continente não eram brasileiros, por não serem conscientes de brasilidade e tratados de almas, por homens de “regras sociais” enquanto afloram propósitos mercadológico e sacro.
Com relação ao Pe. Atónio Vieira, um dos seus pés pela igualdade no perseverar missionário percebe o que de inocente, ingênuo, até então, interrompera, arrefecia a perspectiva do contexto do que fora possível enquanto prudência, sociedade e moral indígena, e reforçara por defesa a seus votos o que dilactante igualdade, naqueles dias vivenciara. Apenas da visão do que fora por conceito, até então, de paraíso enquanto Éden, como empreendimento que não somente Portugal, e diga-se Europa e anterior por astrólogos do Oriente já concorriam ao outro lado do “mare tenebrosum” de Cadamosto. E, retornando ao tema dos que habitavam mundus novus e que posteriormente vem atestado por outras palavras como expoente pelo antropólogo Lévi-Strauss.
Fica a impressão que os estudos por devedores no sentido que fora da sucessão o acontecido. Pelo visto o Pe. António Viera recebe o impacto da obscura idade média, resultante fruto de incompreensão, sendo ele um ilumista para tantos desígnios de fé, benevolência, humildade e perdão.
Conheci essa frase (a dos ombros de gigantes) ao ler Humberto Eco, e gostei tanto que a adoptei como lema e até a pus na 1ª página da minha tese de doutoramento, há 24 anos - citando Humberto Eco como autor!...
Só depois é que soube, envergonhado, que a frase era de Newton, e mais tarde ainda que era de facto de Bernardo de Chartres.
Por um lado isto envergonha-me pela ignorância que tinha. Por outro lado, atesta a sua universalidade e faz-me sentir em boa companhia.
iluminista*
Caro prof. Carlos Fiolhais,
se possível, gostaria de saber de quem é a primeira tradução da citação de Salisburia, assinada "DD" acima...
Obrigada!
Genial, muito obrigado, aprendi muito professor!
Enviar um comentário