quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
TEMPO PARA OS LEITORES: O MARQUÊS E OS BRASILEIROS
O facto de ter crónicas regulares em jornais nacionais, como o "Sol" e o "Público", faz com que receba mensagens, por vezes de concordância e outras vezes, como é normal, de discordância. Sobre uma crónica do "Sol" em que falei sobre a ciência em Portugal e no Brasil recebi uma carta de um leitor, que partilho aqui juntamente com a minha resposta por poder interessar mais leitores.
"Antes de mais, peço me releve a ousadia deste contacto. Faço-o porque sou leitor seu, interessado, e, se habitualmente aprendo consigo muita coisa, vezes há, raras, em que me afasto do seu ponto de vista. Senti vontade de o contactar ao ler uma das suas últimas crónicas (...) Manifestava duas linhas de raciocínio que, tenho de reconhecer, estão hoje muito na moda:
1 - Pombal, o grande renovador do saber em Portugal, o homem que livrou o nosso país da nuvem de ignorância em que os Jesuítas o mantinham mergulhado.
Não será preciso ir muito longe para se ver o infundado deste ponto de vista, basta ler a riquíssima publicação “A Aula da Esfera”. A culpa não é daqueles que honestamente repetem essa afirmação, mas daqueles que intencionalmente distorcem a verdade. No meu ponto de vista, Pombal e os estrangeirados são responsáveis, ainda hoje, pelo complexo de inferioridade em que andamos mergulhados.
2 – A presença de brasileiros na Universidade de Coimbra.
Como será possível chamar brasileiros àqueles portugueses que viviam e trabalhavam no Brasil, ou de lá vinham para estudar, antes da independência? Seriam angolanos os brancos que estavam e trabalhavam em Angola? Será possível dizer que o P.e António Vieira é brasileiro? Quem eram os brasileiros senão os indígenas? Haveria brancos no Brasil antes de os portugueses lá chegarem? Talvez pudéssemos falar de brasileiros como falamos de transmontanos ou alentejanos em Coimbra. Mas os brasileiros de hoje comportam-se como se Portugal os colonizasse, como se os colonizadores não fossem eles, os filhos dos portugueses que colonizaram o Brasil. Eu sei que o brasileiro de hoje ainda não superou o complexo de Édipo. Mas não devemos, assim penso, embarcar no politicamente correcto, só porque, de momento, estão na mó de cima. (...)"
DD
Minha resposta:
"Muito obrigado pela sua mensagem.
1. Sobre Pombal, não penso muito diferente daquilo que diz, embora não o acompanhe em considerar que ele seja responsável pelo nosso actual "sentimento de inferioridade". Não me reconheço na frase que escreveu sobre Pombal ter "livrado o país da nuvem de ignorância em que os Jesuítas o mantinham mergulhado". De facto, no meu livro, em co-autoria com Décio Martins, "Breve História da Ciência em Portugal" (Imprensa da Universidade de Coimbra e Gradiva), chamo a atenção para o papel dos jesuítas e para o manifesto exagero de alguma propaganda pombalina. Em Coimbra houve professores jesuítas antes de Pombal que ensinaram os autores modernos, mas várias tentativas de "aggiornamento" foram impedidas de um modo ou de outro, por vezes ao mais alto nível. Agora isso não significa que se diminua o papel de renovação que o Marquês teve na Universidade de Coimbra e no país. A Reforma Pombalina de 1772, descontada a propaganda anti-jesuítica, foi uma reforma moderna no seu tempo, que contribuiu sobremaneira para o progresso da Universidade portuguesa, na altura bastante isolada na Europa. Basta ir hoje ao Museu da Ciência da Universidade - sito no Laboratório Chimico pombalino - para se perceber o grande alcance do investimento. Como sabemos, foi num certo sentido sol de pouca dura, pois a seguir vieram as invasões francesas e a guerra civil. Também é certo que o Marquês não renovou sem paradoxos: por um lado mandou vir sábios de fora, principalmente italianos, e, por outro, perseguiu sábios que tiveram de sair, designadamente os jesuítas, mas também os oratorianos, que na época estavam mais avançados cientificamente.
2. Sobre os brasileiros em Coimbra, aqui a questão é de nomenclatura. Podemos chamar brasileiros às pessoas nascidas no Brasil, antes ou depois da independência. Assim como podemos chamar brasileiros a pessoas que nascidas noutros lados lá se aculturaram. O P.e António Vieira nasceu em Lisboa, mas foi para o Brasil com 10 anos e aí estudou. Eu chamo-lhe português, mas não me incomoda nada que os brasileiros o considerem um dos seus. Falando agora de angolanos, o escritor Luandino Vieira nasceu em Ourém, mas considera-se e não podemos deixar de o considerar angolano por lá ter vivido longos anos e lá se ter aculturado. Não havia brancos, como sabe, quando o Brasil foi descoberto, mas isso não significa que os brancos não possam hoje e desde há muito, tendo nascido lá outendo lá vivido tempo suficiente, considerar-se brasileiros. O importante na determinação na nacionalidade, depois de haver estados-nação, é a terra de nascimento e /ou a terra dos ascendentes. No entanto, sempre houve mudanças de nacionalidade relacionadas a mudança de domicílio. Einstein por exemplo nasceu na Alemanha, mas não quis ser alemão: adoptou primeiro a nacionalidade suíça, onde fez estudos superiores, e depois a nacionalidade norte-americana, acumulando-a com a suíça.
Voltando aos brasileiros, não o consigo acompanhar no pensamento que expõe sobre a neo-colonização de Portugal pelo Brasil: Portugal e Brasil são desde há muito dois países independentes, com laços cordiais de cooperação baseados na história e na língua comum. A independência do Brasil proclamada por D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal e depois da transferência da Casa Real Portuguesa para o Rio de Janeiro foi um evento sem paralelo na história mundial. Não devemos esquecer que o Rio foi, no início do século XIX, a capital do império português.
Espero que continue a ler as minhas crónicas no "Sol". Cordialmente,
CF
Na imagem: Paço Real primeiro e depois Imperial no centro da ciodade do Rio de Janeiro.
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1 comentário:
Caro Professor Carlos Fiolhais,
Bom dia!
A dada altura deste seu texto, escreve:
"A Reforma Pombalina de 1772, descontada a propaganda anti-jesuítica, foi uma reforma moderna no seu tempo, que contribuiu sobremaneira para o progresso da Universidade portuguesa, na altura bastante isolada na Europa."
Ora, eu não consigo ver isso naquele que é um dos períodos mais negros da história do nosso ensino, e também não o conseguia ver aquele Rómulo de Carvalho, autor da "História do Ensino em Portugal", pessoa de quem não se pode dizer que tenha simpatias jesuíticas.
Na página 5 do seu artigo "The Social and Cultural Roles of the University of Coimbra (1537-1820). Some Considerations.", Fernando Taveira da Fonseca apresenta uma tabela ("Table 1") cujos números falam por si. Uma quebra de 75% no número de matriculados no período 1772-1820 face ao período 1718-1770 é uma quebra colossal. Pode-se falar numa espécie de bomba atómica lançada por Pombal sobre o ensino universitário em Coimbra.
Fonte: http://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/html/issue9/pdf/ffonseca.pdf
Eu entendo que, em questões de História, há sempre latitude suficiente para diversos pontos de vista sobre os factos. Mas os números, por vezes, impedem-nos de certa margem de interpretação. Eu acho que estes números, que mostram o descalabro da reforma pombalina da Educação, não permitem (a não ser com muito engenho e arte) uma visão positiva dessa reforma, sobretudo quando no mesmo período histórico, as grandes universidades da Europa estavam com o seu número de matriculados a aumentar constantemente.
Seríamos diferentes do resto da Europa? Estaríamos a conseguir uma reforma positiva, com base numa estratégia de terra queimada? Pombal fechou Évora. A quebra no número de alunos em Évora é para zero.
Obrigado pela sua atenção.
Cumprimentos,
Bernardo Motta
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