sábado, 24 de dezembro de 2011

POEMA DO HOMEM NOVO

NA véspera de Natal um poema de António Gedeão:

Niels Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.
No calendário da História sublinhou-se
com espesso traço o memorável feito.

Tudo nele era novo.
Vestia quinze fatos sobrepostos.
Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,
um colante poroso de rede tricotada
para ventilação e temperatura próprias.
Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,
catorze, no total,
de película de nylon
e borracha sintética.
Envolvendo o conjunto, do tronco até aos pés,
na cabeça e nos braços,
confusíssima trama de canais
para circulação dos fluidos necessários,
da água e do oxigénio.
A cobrir tudo, enfim, como um balão ao vento,
um envólucro soprado de tela de alumínio.
Capacete de rosca, de especial fibra de vidro,
auscultadores e microfones,
e, nas mãos penduradas, tentáculos programados,
luvas com luz nos dedos.

Numa cama de rede, pendurada
da parede do módulo,
na majestade augusta do silêncio,
dormia o Homem Novo a caminho da Lua.

Cá de longe, na Terra, num borborinho ansioso,
bocas de espanto e olhos de humidade,
todos se interpelavam e falavam,
do Homem Novo,
do Homem Novo,
do Homem Novo.

Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.
Caminhava hesitante e cauteloso,
pé aqui,
pé ali,
as pernas afastadas,
os braços insuflados como balões pneumáticos,
o tronco debruçado sobre o solo.

Lá vai ele.
Lá vai o Homem Novo
medindo e calculando cada passo,
puxando pelo corpo como bloco emperrado.

Mais um passo.
Mais outro.

Num sobre-humano esforço
levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.

António Gedeão, in 'Novos Poemas Póstumos'

3 comentários:

Anónimo disse...

À minha laia:

Salto a salto, passo a passo,
a caminhar pela lua,
o homem novo continua
a conquistar o espaço!

JCN

Anónimo disse...

O que se aprende com este poema, - dito com a profundidade da linguagem poética. Entre muitas outras coisas, destaco o universal humano "como faria o Homem Velho. Sublime!
HR

Anónimo disse...

Sublime... o quê? JCN

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