segunda-feira, 16 de março de 2009

Voltar às coisas simples e verdadeiras


Crónica habitual de domingo da autoria de Norberto Pires publicada no "Jornal de Notícias" (13.03.2009):

Se há coisa que este vendaval financeiro destapou foi a enorme crise de valores que afecta o mundo ocidental. Se antes, na altura da guerra fria, o Ocidente era caracterizado pela sua coragem cívica, hoje é caracterizado pela ausência de valores tão fundamentais como a verdade, o trabalho, a honestidade e a lealdade. Parecem coisas simples, antigas, ou premissas que nos habituamos a considerar como presentes. E deviam ser. Mas desapareceram, como que por mistério, e é urgente recuperá-las.

Tenho para mim que ceder nos princípios é algo que nunca se deve fazer, sejam quais forem as boas intenções apresentadas; por exemplo, salvar um banco para evitar a corrida em massa aos depósitos. Com justificações dramáticas e tiradas dos livros tende-se a subavaliar a situação e concluir, provavelmente vários milhares de milhões de euros depois, que afinal a opção tomada não foi a melhor e que o verdadeiro drama decorre dos erros que entretanto se cometeram: premiar quem é influente e manhoso (como dizia Eça), por exemplo. Não há nada de mais certeiro no ataque aos valores da verdade, do trabalho e da honestidade, o que por si constitui um risco bem mais profundo e perigoso do que o risco simples que se pretendia evitar.

Não é possível continuar desta forma frágil, breve e sem significado. Impressiona-me muito o desprezo pela verdade e pela honestidade, como reflexo de uma paranóia geral pela imagem.

Nascemos Francisco, mas somos o “Engenheiro Francisco”, ou ainda melhor, o “Professor Doutor Francisco”. Os títulos, tristemente tão valorizados, não dizem nada de muito útil, como por exemplo se somos bons ou maus profissionais, sendo essencialmente uma forma de promoção social. É por isso que se o Francisco for padeiro, pescador ou trolha não usa isso no nome.

Os currículos profissionais, que deveriam ser um repositório da nossa vida, são essencialmente baseados na quantidade. À pergunta “quantos artigos tens?” apetece-me sempre dizer 30 kg. Isso, tenho 30 kg de artigos e uns 50 kg de livros. Mas aquele livro deu-me muito trabalho, e até tem piada... naaah! São 750 g de livro. Pronto, não inventes. Se fosses esperto tinhas escrito um com 1 kg ou até 2 kg. Isso é que era bonito. E bom! Imaginem um autor de um livro com 2 kg, deve ser genial. E o livro é pesado, enche a mão.

A ausência de valores, o atropelo da seriedade e da integridade, a forma como conjugamos tudo à volta do verbo parecer, ignorando que para ser é preciso muito esforço e dedicação, transmite esta sensação de vazio e de superficialidade que é muito prejudicial nas relações humanas, cada vez mais frias e cruéis, e na forma como em conjunto construímos e perspectivamos o futuro. Porque tudo na vida se faz de escolhas conscientes que pressupõem um ambiente em que os valores e os princípios são dados adquiridos.

É preciso voltar às coisas simples. A premiar o trabalho, o esforço e a dedicação. A realçar a capacidade de competir de forma leal. A colocar o foco na honestidade, na verdade e na integridade. A valorizar as relações humanas centradas na amizade e no amor. São coisas antigas. Mas são coisas verdadeiras, nas quais podemos e devemos basear o nosso futuro.

J. Norberto Pires

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