sexta-feira, 13 de março de 2009

A vida com telemóveis


Transcrevemos a crónica de J. L. Pio de Abreu no "Destak" de hoje:

Se viajar calmamente num comboio e um outro passageiro, de repente, se puser a falar sozinho com voz sonante, ele não pirou de vez. Está apenas a falar ao telemóvel. Aliás, isso pode acontecer a outros viajantes, no limite, a todos eles. Pior, e mais exasperante, é a sinfonia dos diversos toques que impedem que se leve a bom termo qualquer reunião ou conversa.

Se um grupo de adolescentes estiver a cavaquear à volta de uma mesa, com os telemóveis em riste, e uma delas enviar uma mensagem que a companheira da frente recebe, trata-se de comunicar um segredo, a propósito da conversa, que as outras não devem conhecer. O ideal da secreta comunicação à distância está realizado entre os jovens, que treinam posturas acrobáticas para premir os botões em segredo, mas guardam os conteúdos para eventual divulgação.

Se vir num jornal a transcrição de conversas entre personagens importantes que tratam os outros por gajos ou tipos, com profusa utilização de expressões vernáculas, pode estar certo que são conversas de telemóvel interceptadas pela polícia com a autorização de magistrados e colocadas em segredo de justiça. O facto é que, entre nós, "segredo de justiça" quer dizer ampla divulgação pelos órgãos de comunicação social.

Para a maioria das pessoas, é hoje impensável viver sem telemóvel. Um objecto que serve a cumplicidade e também o desencontro, que permite a autonomia e facilita o controlo, que veicula segredos privados que facilmente se tornam públicos. Um símbolo dos paradoxos da vida contemporânea.

J.L. Pio Abreu

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