sexta-feira, 27 de março de 2009
Viver para quê?
Está no prelo uma pequena antologia de seis ensaios de filosofia contemporânea sobre o problema do sentido da vida. Intitulada Viver Para Quê? Ensaios sobre o sentido da vida, esta antologia foi organizada e traduzida por mim para a colecção Filosofia Pública, da Dinalivro, dirigida por Pedro Galvão. Gostei muito de fazer este trabalho e espero que quando o livro sair seja estimulante e informativo para os leitores. Para abrir o apetite deixo aqui um pequeno excerto da minha introdução:
Quem não conhece a filosofia poderá pensar que procurar o sentido da vida é a tarefa central dos filósofos. Isto é historicamente falso; na sua maior parte, os filósofos não abordaram o problema do sentido da vida, e os que o abordaram não fizeram geralmente disso o tema principal das suas investigações.
O leitor comum poderá igualmente esperar que os filósofos se pronunciem um pouco como gurus, declarando do alto da sua inacessível montanha qual é o sentido da vida. E a nós, meros mortais, restar-nos-ia então seguir tais oráculos, ainda que nem os compreendamos muito bem. Esta concepção resulta talvez da dificuldade em compreender a natureza da filosofia. A filosofia não é religião, nem uma prática iniciática de vida; ao invés, é o lugar crítico da razão, como por vezes se diz. Estudar filosofia é aprender a ser crítico, que é precisamente o que os gurus não podem dar-se ao luxo de permitir aos seus acéfalos discípulos. A ideia de que Platão, por exemplo, era discípulo de Sócrates, nessa acepção iniciática, é falsa, tal como é falso que Aristóteles tenha sido discípulo de Platão nessa acepção. Estudaram uns com os outros, sem dúvida, mas porque foram estudantes de filosofia criticaram, divergiram e discutiram argumentos com os seus professores — e fazer filosofia é precisamente isso.
A filosofia não é um corpo de conhecimentos que nos baste assimilar acriticamente, mas antes a actividade crítica de estudar ideias e argumentos minuciosamente, para ver se serão plausíveis ou não. Por isso, não se encontra nos melhores filósofos um conjunto de instruções esotéricas para dar sentido às nossas vidas. O que se encontra são estudos cuidadosos de diferentes ideias e argumentos sobre o problema. Isto não significa que não existam conclusões consensuais, entre os filósofos actuais, sobre o sentido da vida. Significa apenas que o trabalho filosófico é fundamentalmente a discussão minuciosa e paciente dessas conclusões e dos argumentos que as sustentam.
Os ensaios
O estudo contemporâneo do problema filosófico do sentido da vida começa praticamente com o artigo «O Absurdo» (1971) de Thomas Nagel, incluído nesta antologia. Apesar de haver alguns artigos anteriores, Nagel mostrou que um filósofo muitíssimo influente podia tratar este tema sem cair no ridículo e que esse trabalho podia ser publicado numa das mais prestigiadas revistas académicas de filosofia: The Journal of Philosophy.
O trabalho mais influente sobre o sentido da vida nas últimas décadas do séc. XX, sobretudo nos EUA, foi o último capítulo do livro Good and Evil (1970), de Richard Taylor, incluído nesta antologia, publicado quase em simultâneo com o artigo de Nagel. O registo escrito da conferência de Kurt Baier proferida em 1957 sobre o tema, também incluída nesta antologia, circulava desde há bastante tempo entre estudantes e professores; este trabalho, contudo, só viria a circular amplamente a partir de 2000, quando foi publicado na antologia de textos sobre o sentido da vida organizada por Klemke para a Oxford University Press. Por esta altura, já o problema do sentido da vida era insistentemente abordado nas revistas académicas, surgindo também cada vez mais livros inteiramente dedicados ao tema.
Esta antologia põe o leitor em contacto com esses e outros importantes ensaios filosóficos contemporâneos sobre o sentido da vida. Os ensaios foram dispostos por ordem parcialmente cronológica e parcialmente temática.
Índice
Introdução Desidério Murcho
1. O Sentido da Vida Richard Taylor
2. O Sentido da Vida Kurt Baier
3. Poderá o Propósito de Deus ser a Fonte do Sentido da Vida? Thaddeus Metz
4. O Absurdo Thomas Nagel
5. Felicidade e Sentido: Dois Aspectos da Vida Boa Susan Wolf
6. Despromoção e Sentido na Vida Neil Levy
Leitura complementar
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18 comentários:
Caro Desidério, não quero ser sempre do contra mas acho que ninguém sabe absolutamente nada sobre o sentido da vida, não há nenhum, e por isso nunca me interessarei por livros desse tipo. Se calhar tem alguma piada ler o que algumas pessoas pensam disso, mas a mim não me interessa, já sei a resposta e prefiro perder tempo com outras coisas.
luis
Porque não me surpreende a selecção (ideologicamente selectiva) dos autores? Que mau serviço presta à filosofia ao formar o seu pequeno panteão baseado na censura grosseira de tudo o que lhe escapou enquanto leitor.
Deixe-me dizer-lhe ainda que a pergunta, sob o disfarce existencialista, é banalíssima.
Gosto muito dos artigos de ótima qualidade do seu Blog. Já está pronto e funcionamento nosso Curso de Analista de Suporte Técnico. Quando tiver uma oportunidade, faça-nos uma visita. Antonio B Duarte Jr.
Dioniso:
Vi que tem um blogue chamado o "Declínio da escola". Criticar livros antes de os ler contribui para o declínio da escola - e não só.
Caro Dioniso,
Não resisto a dizer-lhe que desconhece a bibliografia actual em filosofia bem como os filósofos que, no caso, melhor e mais investigam sobre o problema do sentido da vida, caso contrário, não afirmaria o disparate que afirmou. Mas fica por saber uma coisa: que autores consideraria o Dioniso não ideológicos para incluir numa colectânea de textos sobre o sentido da vida?
Carlos,
O Dioniso tem um blog onde escreve que : "Amo acima de tudo a liberdade", mas isso é treta. Se amasse a liberdade deixaria que o mundo fosse mais plural no que respeita à discussão. Não é próprio de quem ama a liberdade atirar à fogueira o autor x ou y somente porque não constitui o seu naipe de leituras. O que mais me custa nestas coisas é que é completamente tolo e provinciana a atitude que o Dioniso tem. Que deixe as pessoas trabalhar. Pá, também tenho na minha biblioteca obras do Onfray. Gosto do autor.Dizer que o autor x é ideológico não passa da vontade de o calar. è ideológico o rai que parta. E não é ideológico o curso de filosofia que tirei? E não é ideológico o programa de filosofia do secundário que ensino? Está cheio de merdas do Ricoeur, mas não é ideológico. Se o Desidério lançasse uma colectânea de textos do Lévinas sobre o sentido da vida já não era ideológico. A atitude do Dioniso esconde uma atitude infantil, parva e desnecessária. Parece que não há espaço para todos, caramba.
Bem, e como já sei que vem a habitual acusação de que o cordeiro do Desidério vem a defendê-lo. deixo já uma declaração de intenções: se por admirar o trabalho do Desidério sou cordeiro dele, então também sou cordeiro dos Sonic Youth, Sex Pistols, Jack London, Platão, Russell, Kant e Diamanda Galás. Ah, e do Albert Cossery. Por sua vez estes nomes também são cordeiros de outros nomes. Infelizmente não sou cordeiro nem de Heidegger, nem de Derrida, nem de Tony Carreira.
O sentido da vida: uma proposta
Uma vez que não sabemos (com certeza absoluta e sem margem para dúvidas) e não podemos provar de modo seguro que deus (não) existe (ou qualquer força, ser, entidade ou princípio análogo, independentemente do nome que lhe dermos), e que, por consequência, (não) existe um desígnio inteligente universal que, à escala cósmica, biológica e/ou humana tenha simultaneamente criado a estrutura e oriente a evolução do universo, da vida e do homem para uma(?) qualquer finalidade transcendente que confira valor e significado a tudo o que existe (há factos e argumentos pró e contra esta perspectiva, embora não necessariamente equivalentes e, logo, indecidíveis), a tese que vou propor e defender é independente disto se verificar ou não, tornando essa questão parcialmente irrelevante para o caso. A resposta simples e directa à questão de saber se a vida tem ou não um sentido seria simultaneamente sim e não, dependendo da forma como vivemos! Pensando só na vida humana, talvez a vida possa fazer sentido (na tripla acepção de conter um valor, um significado e uma finalidade) quando realizamos aquilo que potencialmente somos como indivíduos e como seres humanos, e não tenha qualquer sentido quando não conseguimos ou sequer tentamos fazê-lo! Assim, a questão do sentido da vida depende directamente daquilo que somos e do conhecimento que temos disso, da nossa natureza e condição! Ora, se aceitarmos, como os clássicos fizeram, que o homem é (pelo menos à face da terra, e o único conhecido) um animal racional e o definirmos como homo sapiens sapiens (e quanta pretensão, arrogância e vaidade se escondem nesta “simples” definição científica, não é verdade?!), então aquilo que devemos ser consiste em realizar esse potencial natural, essa diferença específica da nossa espécie (passe a redundância) e tornarmo-nos aquilo que somos em potência, isto é, sábios e racionais, conscientes e inteligentes, no pensamento e na acção, no conhecimento e na vida, visando o aperfeiçoamento e o desenvolvimento da nossa natureza, tanto individual, como colectiva, como da espécie. “Torna-te naquilo que és”, diziam os antigos (e Nietzsche repetia e fazia sua); ”conhece-te a ti mesmo”, dizia Sócrates, fazendo sua a inscrição do templo a Apolo em Delfos; “todo aquele que realiza a sua natureza, atinge a perfeição “, diz o Baghavad-Gita; a compreensão e o cruzamento destas três máximas indica o caminho para uma resposta à questão do sentido da vida: devemos conhecer-nos a nós mesmos porque, não só somos os únicos seres conhecidos capazes de o fazer, mas porque só sabendo quem somos e o que somos, donde vimos, para onde vamos, onde estamos e o que fazemos aqui (como indivíduos e como humanidade) podemos ser verdadeiramente aquilo que somos e quem somos, tornando-nos efectivamente conscientes, inteligentes e racionais, em suma, sábios! Mas como a sabedoria, a virtude e a perfeição humanas são virtualmente impossíveis de alcançar na plenitude, resta-nos amar, procurar e tentar infinitamente realizar esses ideais reguladores, cada um de nós à sua maneira própria, relativa e diferenciada, atendendo à identidade singular de cada um no seio de humanidade comum a todos, mas orientados pelos únicos princípios e fins absolutos que podem verdadeiramente dar um sentido à vida humana: a verdade, o bem, a justiça, a beleza e a sabedoria! Para além disso, como somos simultaneamente partes e produto do universo, parte e produto da vida (partes na estrutura e produto na evolução), nós somos e representamos a possibilidade e a capacidade que o universo, a natureza, a matéria e a vida têm de se auto-conhecerem, de se tornarem inteligentes e conscientes de si; nós somos (até prova em contrário, os únicos) a consciência e inteligência do universo, no seu processo de auto-descoberta e auto-compreensão! Realizar esta vocação é cumprir o sentido da nossa vida; não o fazer, desperdiçando-o, é um pecado contra nós próprios e a “ordem natural das coisas”, é falhar o alvo, é não cumprir a nossa função e papel – que derivam da nossa natureza e posição no cosmos (como mente(s) consciente(s) do cosmos)-, e aí, sim, a vida não faz qualquer sentido!
Assinado: João Carlos Silva
"Il y a plus affaire à interpréter les interprétations qu’à interpréter les choses."
(Montaigne)
eu, que sou um ignorante nestas matérias, fiquei-me pelo Mito de Sísifo do Camus
Parafraseando o papa, que disse no seu discurso na Universidade de Ratisbona em 2006 "… uma vez, foi divulgada a notícia de que um colega dissera que havia algo estranho na nossa universidade: esta tinha duas faculdades devotadas a uma coisa que não existia: Deus", também estranho que seja possível encher um livro sobre algo que não existe: o sentido da vida. Agora a sério, concedo que esta é apenas a minha opinião e que tenho interesse em ler o livro para confrontá-la com outras.
não é impressionante este autentico desfile de emoções biliosas a propósito de um livro que ainda nem sequer saiu?
ficámos também a saber que uma pessoa escrever sobre o que lhe apetece é o mesmo que censurar aquilo de que não lhe apetece falar. E sem lavar a língua se fala também em liberdade depois de barbaridades destas.
Aí está um tema de que a filosofia deveria fugir como o diabo da cruz, porque, das duas uma, ou você acredita num desígnio divino e então a sua vida tem algum sentido, de algum modo se encaixa no grande puzle com que a divina providência nos decidiu presentear sem se preocupar em fornecer a respectiva chave - mas aí deixemos o assunto para a religião que está melhor equipada, ou, se preferirmos os leigos, deixemo-lo por conta do Paulo Coelho que se calhar dá melhor conta do recado; ou você não acredita nessa reconfortante história e então a sua vida, a minha ou a de qualquer outra pessoa é perfeitamente contigente e o que cada um de nós tem a fazer é aproveitar o melhor possível os dias enquanto não chegam as doenças, as aporrinhações e a morte que é sempre triste, chata e definitiva. Claro que você tem sempre a opção de se dedicar ao tema e de pretender que a filosofia pode dizer alguma coisa sobre ele, nem isso sequer está em causa, mas de facto este não pertence ao número das minhas prioridades.
Pode-se discutir por que razão as pessoas pressupõem que um desígnio divino daria sentido à vida, por exemplo.
Esta especulação não é mais nem menos inútil do que toda a especulação filosófica. Mas também nenhuma produção artística, musical, poética ou outra é mais ou menos inútil, em princípio pelo menos, do que as que já se produziu. Não se vê o que tem a filosofia de tão especial que provoca sempre este tipo de emoções.
Em geral as pessoas que consideram que o tema não tem importância é porque pressupõem ter já uma resposta para ele. Mas isso é como todos os problemas para os quais supomos ter resposta. É tão discutível como qualquer outro. Obviamente, só o discute quem o quer. Quem não quer discuti-lo ignora-o. Mas nestes casos acontece algo fascinante: algo que só seria comparável a criticar-se um romancista por escolher cenários que já não estão na moda. Já imaginaram um blogue de um escritor a receber críticas assim: "ai, amigo, este seu romance que vai sair, francamente, não gosto nada de personagens que são taxistas, ou de romances onde entram pinguins, ou o raio..." - Seria estranho não? Quem não gosta de romances que reconstituem episódios históricos, ou os reinventam, não os compram. Onde encaixam então o geral das críticas que lemos nestes comentários? Aqui: no convite psicológico, subreptício ao silêncio. Um convite à desistência. Mas será que faria sentido tentar convencer os romancistas de que não gostamos a pararem de escrever porque isso nos chateia?
Acho o tema interessante e pegando no último comentário, isto não devia ser cruzado com a psicologia? Isto é, porque é que precisamos de dar um sentido à vida?
«Quem não conhece a filosofia...»?
A filosofia não se conhece, vive-se no aqui e agora! As especulações sobre isto e sobre aquilo fazem parte do corpus philosophicum e só as conhecem e se dedicam a elas os «gurus» que, das sua cátedras, vão emanando umas ideias sobre questões que são internas a cada ser...
«... compreender a natureza da filosofia»?
Em primeiro lugar: há só uma filosofia?
Esta asserção só se compreende num panorama limitado ao Ocidente materialista e despojado dos seus elementos tradicionais, onde ultimamente tem surgido a ideia de que um licenciado em filosofia é... um filósofo (sem desprimor por ninguém).
«A ideia de que Platão, por exemplo, era discípulo de Sócrates, nessa acepção iniciática, é falsa, tal como é falso que Aristóteles tenha sido discípulo de Platão nessa acepção. Estudaram uns com os outros, sem dúvida, mas porque foram estudantes de filosofia criticaram, divergiram e discutiram argumentos com os seus professores — e fazer filosofia é precisamente isso.»
Não sei em que se baseia para tal afirmação sobre Platão e Aristóteles...
Fazer filosofia?... A filosofia não se faz... vive-se (ou não)!
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