Que poesia de deve dar a ler às crianças e aos jovens a ler?
Deixando de lado os debates de teor académico e curricular, detenho-me na resposta, em forma de livro, que Sophia de Mello Breyner Andresen organizou e Júlio Pomar ilustrou, e que tem por título: Primeiro livro de poesia: poemas em língua portuguesa para a infância e adolescência.
Nesta pequena grande obra de capa azul, onde se vê o esboço dum menino a segurar uma guitarra, encontramos poesias em português de Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor, Brasil, da Guiné, São Tomé e Princípie. Entre os poetas portugueses contam-se, Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Jaime Cortesão, Vitorino Nemésio, António Nobre, Alexandre O´Neill, Fernando Pessoa, Sidónio Muralha, Miguel Torga, Texeira da Pascoais, Bocage, Eugénio da Andrade… Há também poesias populares, tradicionais, sem atribuição de autor.
Aqui deixo o poema de Gomes Leal - Rainha de Kachmir - que nela se reproduz e que, pela aprimorada estrutura, vocabulário a que pouco se recorre no quotidiano, realidade distante, etc., se poderá pensar não ser adequado para os mais jovens. Mas, penso que Sophia de Mello Breyner Andresen sabia perfeitamente que era, quando o escolheu.
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir
Era a diamantes bordado,
Como luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
Ou a visão de um faquir,
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhum
Jurará se é neve ou pluma,
Se é leite, ou astro, ou espuma,
Nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo...
Oh! que mãozinhas... delícias
Para amimar com blandícias,
Para beijar com carícias
Que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo.
Cor da lua, os sapatinhos
Eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
Não rojava nos caminhos,
Pois sua cauda, aos saltinhos,
Levava-a um núbio muleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
Da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
Fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Pegou no copo, com graça,
E brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
Como a um punhal que a trespassa,
Encheu de prantos a taça,
E o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
Esse brinde, em língua estranha!
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
Chorou, num pranto sumido,
O seu passado perdido,
Os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis.
Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
Tão leal e tão constante,
Que, do seu reino distante,
Brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
Que fez turbar a rainha.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
Ficou de pranto alagado
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!...
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2 comentários:
Amoroso da POESIA que sou há já mais de cinquenta anos, custa-me em verdade a crês que isto!... seja uma poesia do grande autor Cunha Leal! a ser verdade, peço perdão à dona Sofia, mas... repito: se for verdade este poema... é mesmo apenas para criancinhas! o meu respeito a todos.
Que viva a POESIA sem amarras!Deixem de uma vez por todas de coarctar as asasda liberdade pura, instintiva e realmente natural que é, de facto a POESIA!
O Príncipio
Era acre e doce o sabor do líquido existente na taça que a vida lhe tinha ofertado. De mau grado aceite por incúria dos humanos sentimentos que sempre o afectaram... foi ingerindo com amargura o suposto néctar que o ia vitimando.
Após ter saboreado de lágrimas no rosto e cérebro toldado por emoções indefiníveis a última gota do venenoso líquido deixou que de sua mente confusa se apoderasse a letargia o desinteresse e a apatia por tudo o que de humano o rodeava. Era o príncipio.
Em princípio tudo é relativo...
Relativo e circunstâncial é a religião e a moral o poder e o tempo a lei e a justiça a opulência e a fome o bem e o mal a verdade e a mentira a fé e os costumes dos povos.
Em sentimental teia enredado armadilha de vidro fosco inquebrável... enjaulado em cárcere de aparência humano filósofo bicho-homem espírito perdido quem sou?
Perdida a fé nos homens desmotivado agruras constantes falta de sorte descrença...
Perdida a família que me resta? Trama de seda enganosa que de frágil tem apenas a aparência... que é feito da esperança que tanto me vivificou? Que é feito do amor?... do ideal porque lutei e num labirinto psíquico me enredou que me atormenta e ensandece? A vida Deus meu! O que é a vida?... “Silêncio! Não digas mais! Não sentes este cheiro a ácido sulfúrico? Este odor pestilento que exala das pessoas? Não!? Não notas este aroma podre de carne putrefacta? Este cheiro hipócrita de convivência social simulada? Não?!...”
Foi um prazer! desculpem qualquer coisinha!
BERCORDUVAL, portiguês! Bruxelas
Caro "Bloguista..." Para gostar de si basta-me saber que gosta de livros. Como no meu anterior comentário, aparecem duas pequenas gralhas... culpa minha. Gostaria de o ofertar com um trabalho que poderá oferecer aos autores que fizeram a antologia para jovens e adolescentes. Se acaso eles resolverem editar um livro para "gente grande!..." delhes este original, mas leia-o... por favor!
O RÍTMO DIABÓLICO DAS SUAS ANCAS
Um corpo esbelto.
Bem modelado.
Escultural.
Um corpo cor de palha.
Liso.
Atractivo.
Um corpo que mexe.
Que vibra.
Que deslumbra.
Um corpo que me desperta desejo
Me magôa e faz sofrer.
Um rosto perfeito de linhas afrodisíacas.
Uns olhos belos levemente endurecidos.
Um rosto e um corpo.
Um corpo e um rosto.
Um rosto e o corpo esbelto de uma mulher!
A voz, os gestos, o modo de me olhar...
As palavras de som meigo e enrouquecido
O olhar aparentando dureza como que ausente
O andar firme, elegante, provocativo...
E o rítmo?
O rítmo diabólico das suas ancas?
Gosto de a olhar, olhar sempre.
Não me importo se sorri ou não...
Sorrir, chorar...
Quero olhar, olhar, olhar!
Olhar o rosto, o corpo, o todo!
Olhar...
Olhar e sentir o rítmo diabólico das suas ancas!
A LEILOADA
Pronto meus senhores
está aberto o leilão
Prá peça mais rara
que já leiloei
Mandem vossos lances
sem hesitação
Pois como já disse
está aberto o leilão.
Estátua de bronze
que já possui
Em horas amargas
em horas de sonho
De sonho e loucura
de loucura e dor
Mandem vossos lances
comprem meu amor.
A mais desejável
que já desejei
O mais lindo corpo
que um dia paguei
Mandem meus senhores
mandem vossos lances
Pois ela será
para quem mais der
Comprem meus senhores
a minha mulher.
Em seus braços fui
um barco sem remos
Ela era o mar
era mil infernos
Não tenho palavras
para descrever
Por esta mulher
desejei morrer.
Comprem meus senhores
comprem para crêr
Nas minhas palavras
no meu doido sonho
Vejam estes olhos
o rosto tristonho
Olhem estes peitos
os lábios perfeitos
Vejam esta anca
e esta cintura
Comprem meus senhores
Comprem a loucura.
Comprem meus senhores
Pois também comprei
A mulher mais rara
que no mundo vi
Pois foi em leilão
que a consegui.
Comprem meus senhores
puxem da carteira
Pois esta mulher
é a vida inteira.
E não me perguntem
a razão da venda
Pois se o fizerem
não responderei
Vos digo e afirmo
é que nunca amei
Mulher mais perfeita
do que esta aqui
Estátua de bronze
que estou leiloando.
Comprem meus senhores
e avaliem bem
A peça mais rara
que o leilão tem
Pois quem a comprar
decerto vai ter
Que a leiloar
para não morrer.
Pronto meus senhores
já disse a razão
Porque resolvi
fazer o leilão!
LIBIDO
Esta enérgica
poderosa
e avassaladora
libido
que me domina
e apoquenta
rouba-me descanso
empobrece-me o espírito
enraivece-me a alma e vai destruir-me.
Encontro-me à beira do abismo que
enlaçando separa a invisível barreira
do afrodisíaco mundo
da sensualidade
da continuação da espécie
da sanguinolenta e enlouquecedora
paixão,
do incontrolável império dos sentidos
da força renovadora que faz esvoaçar
o homem
no seu mais puro estado de
animalidade,
instintiva, perversa, incontrolável.
Preciso, quero enlouquecer!
CORPOS DOIDOS
Leve
delicadamente
os meus lábios jovens percorrem
acarinham e desejam
os lábios levemente rosados
da jovem mulher
que desejosa se me oferece
e o meu corpo
jovem e endoidecido
louco de desejo
estremece!
Leve
amorosamente
os meus lábios húmidos acariciam
os olhos semi-cerrados
da jovem mulher
que desejosa se me oferece
e o meu corpo endoidecido
louco de desejo
estremece!
Leve
suavemente
as minhas mãos morenas
tocam de leve
muito levemente,
as mãos rosadas da jovem mulher
que desejosa se me oferece
e o meu corpo doido
enlouquecido de paixão
estremece!
No ambiente de sonho
da semi-realidade que me rodeia
nesse espantoso espaço poético
de prazer delírio e paixão
na loucura instintiva do desejo animal
os meus lábios continuam
ao de leve
meigamente
a acariciar os seios jovens
rijos
altivos
desejosos...
E os meus dentes brancos
trincam de leve
ligeiramente
os seios leitosos
belos
erectos
do corpo jovem que desejoso se me oferece
e o meu corpo jovem e endoidecido estremece...
É prazer!
Sonho!
Fantasia!
Real ou irreal não importa.
É o êxtase embriagante do amor!
Da loucura de Eros
do desejo
da liberdade pura e instintintiva dos sentimentos!
Entretanto a ponta da minha língua
hábil
rija
rosada
percorre deliciada
ao de leve
muito levemente
ora mais depressa e nervosa,
o corpo belo a pele leitosa...
da jovem mulher que quase endoidecida
mas sempre desejosa...
se me oferece!
E o meu corpo jovem e enlouquecido
completamente perdido de paixão estremece.
Os olhos lábios dedos mãos braços língua dentes...
Olham acariciam percorrem apalpam sugam
trincam e magoam ao de leve
muito levemente
o corpo sádio da jovem mulher
que agora mais nervosa se me oferece...
E os nossos corpos doidos
jovens puros e sãos
numa sobrenatural explosão de desespero... estremecem e acalmam!
...Olhos lábios seios rijos
corpos jovens que o não são!
Foram jovens
sim
foram jovens em tempos que já lá vão!
Ao olhar os corpos lindos
das jovens por mim a passar,
vejo velhinhos sorrindo
como eu a recordar!...a
Não me leve a mal! A vélhice não perdoa. Um abraço.
BERCORDUVAL // Bélgica
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