sexta-feira, 27 de março de 2009

ÚLTIMA CORRIDA DE TOUROS EM ARRONCHES


Minha crónica no "Público" de hoje (foto de R. L. Pérez, no Flickr):

A infausta morte, ocorrida a 16 de Março, de Francisco Matias, membro do grupo de Forcados Amadores de Portalegre, quando treinava a chamada “sorte da gaiola” numa tenta em Esperança, Arronches, trouxe-me à memória o conto de Luís Rebelo da Silva (1822-1871) que li no meu terceiro ano do liceu, por constar de uma selecta de língua portuguesa.

Muita gente se lembra desse conto, “Última corrida de touros em Salvaterra”, que até já deu a letra de um fado. Mas, para quem nunca o leu, acrescento que também aí há uma morte na arena, embora de um cavaleiro, o Conde dos Arcos. O velho pai, o Marquês de Marialva, que assistia à lide, desceu da bancada para enfrentar o touro, conseguindo ao matá-lo vingar a morte do filho. A corrida era real pois D. José estava a assistir, acompanhado pelo Marquês de Pombal. Nesta altura, o melhor é dar a palavra ao escritor, que narra assim o diálogo entre o rei e o primeiro-ministro:
“Sebastião José de Carvalho voltava de propósito as costas à praça, falando com o monarca. Punia assim a barbaridade do circo.
— Temos guerra com a Espanha, Senhor. É inevitável. Vossa Majestade não pode consentir que os touros lhe matem o tempo e os vassalos! Se continuássemos neste caminho... cedo iria Portugal à vela.
— Foi a última corrida, marquês. A morte do conde dos Arcos acabou com os touros reais, enquanto eu reinar.”
Fui agora averiguar a veracidade desta história. A morte do Conde dos Arcos foi, de facto, autêntica, embora não tenha ocorrido na praça de Salvaterra, sob o olhar do rei e da sua corte (D. José já tinha falecido), mas sim num “brinco”, à vara larga, num sítio da lezíria perto de Salvaterra. O escritor romanceou bastante o episódio de modo que este melhor entrasse na literatura... Se eu, em jovem, julguei verídica a conclusão, agora limito-me a desejar que o tivesse sido: o fim das corridas de touros em Salvaterra. Impressionado com as circunstâncias da morte do jovem portalegrense, ao mesmo tempo que apresento os pêsames à sua família e amigos, não posso deixar de pensar que uma boa forma de manter viva a memória do jovem – o sexto forcado a morrer em lides taurinas nos últimos vinte anos! - seria determinar que a última corrida em Arronches, tal como a de Salvaterra no conto, tivesse mesmo sido a última.

D. José pode não ter proibido as corridas de touros, mas D. Maria II fê-lo em todo o território nacional. Em 1836, doze anos antes de Rebelo da Silva publicar o seu conto, o ministro do Reino Passos Manuel promulgou um decreto proibindo as touradas:
“Considerando que as corridas de touros são um divertimento bárbaro e impróprio de Nações civilizadas, bem assim que semelhantes espectáculos servem unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade, e desejando eu remover todas as causas que possam impedir ou retardar o aperfeiçoamento moral da Nação Portuguesa, hei por bem decretar que de hora em diante fiquem proibidas em todo o Reino as corridas de touros.”
A proibição não durou mais do que escassos nove meses, tendo a tradição voltado a ser o que era. Nos dias de hoje surgiu, porém, uma nova interdição de touros. A maioria municipal socialista acaba de declarar Viana do Castelo a primeira “cidade anti-touradas” em Portugal, emulando 53 cidades espanholas. O que se vai fazer com a praça de touros de Viana? Pois a ideia da Câmara é excelente: transformá-la num Centro Ciência Viva, um espaço cultural aberto a todos e não apenas aos aficionados.

Aos defensores dos espectáculos tauromáquicos têm-se oposto os defensores dos direitos dos animais. Se os primeiros dizem que “se há alguém que cuida e que ama os touros são os próprios toureiros", os segundos ripostam que isso "é o mesmo que dizer que os pedófilos são os melhores amigos das crianças" (Público, 5/12/2008). Como argumento para o fim das touradas, não só em Arronches como no resto do país, julgo que nem é preciso invocar os direitos dos animais. Quando há uma absurda sucessão de mortes humanas, bastará invocar os direitos dos homens.

15 comentários:

André disse...

Já lá andei como forcado e julgo ser isto que nos distingue e dignifica enquanto parte da festa; quando morre um companheiro, nós persistimos em nome de um ideal que para alguns é abjecto e para outros uma mera razão de viver, nada mais... Quanto ao resto, argumentos todos os podem expender, mas o saber de experiência feito dá-nos uma leitura diferente das coisas, mais apaixonada e, concedo-o, subjectiva e parcial, afinal como tudo aquilo em que cremos, não?

João Silva disse...

Caro Carlos Fiolhas: julgo que os seus argumentos não fazem sentido.
Vejamos:

Invoca os direitos do Homem para proibir a tourada. Supostamente, a actividade seria perigosa e portanto supostamente proibida.
Discordo.

Por esse raciocínio, também teríamos de proibir o montanhismo ou o futebol americano, por exemplo, pois também são actividades que põem em risco a vida humana.

Repare que os toureiros têm liberdade para se arriscarem para matar um touro e agradar à multidão.
Problema deles! Têm a liberdade que arquem com as consequências.

A liberdade é um direito fundamental. Como já foi aqui dito e muitíssimo bem, o direito à liberdade inclui o direito das outras pessoas de fazerem o que nós não gostamos.

Repare que eu também não gosto que se refiram ao Eça de Queirós por "Eça". Conhecem-no assim tão bem? No entanto, não posso proibir ninguém de o fazer.

Quanto à argumento dos direitos dos animais, tenho mais dúvidas:

Na tourada matam-se animais por divertimento.

Repare que quando come um bife também o faz por divertimento, porque poderia muito bem comer feijões que com as proteínas é tudo o mesmo. Veja-se o exemplo do Peter Singer.

Ser contra as touradas e não se ser vegetariano é muito incoerente.

Dito isto: não sei muito bem responder ao argumento dos direitos dos animais.



Espero ter contribuído para o debate.
À espera de resposta.

Barba Rija disse...

Eu acho que se deveria proibir o Homem de viver, caro sr. Fiolhais. É que está bem provado que viver mata.

Com todo o respeito e humildade, mas não podia deixar escapar esta :). É que o seu raciocínio é de facto, mau.

douro disse...

Talvez seja uma deturpação profissional, mas quando ouço falar em direitos dos animais sinto uma comichão na orelha esquerda. É que os animais são, juridicamente, coisas, e só as pessoas podem ser titulares de direitos. Correcto seria colocar a questão na esfera das pessoas, dizendo que estas têm, para além dos seus direitos, a obrigação de não terem comportamentos degradantes ou gratuitamente violentos em relação aos animais.
Dito isto, não sou aficionado de touradas mas não me parece que o Estado se deva intrometer nessas matérias.
Saudações

Anónimo disse...

Segundo o raciocínio do Carlos Fiolhais, deveriamos proibir que os seres humanos façam uso quer do automóvel, quer das bolas de berlim. Ambos matam um número significativo de humanos, bem mais significativo (em número) do que o número dos forcados mortos a morrer em lides taurinas nos últimos vinte anos.

Em relação ao direito dos animais, basta olhar-se para o número de cães e gatos abandonados neste país, onde as associações de protecção animal não têm apoios estatais, para se verificar que a verdadeira crueldade não mora nas arenas mas nas ruas.

Por fim, um lamento: Lamento imenso que o único físico deste blog, para além de guardar a divulgação científica para os livros que vende (e que aqui apenas faz publicidade), mostre, repetidamente, a sua débil capacidade de pensar.

Anónimo disse...

número de forcados mortos em lides taurinas

Unknown disse...

Parece-me realmente absurdo o facto de defender que uma vez que morrem pessoas em touradas se acabem com as touradas.
Devo dar uma salva de palmas ao raciocínio do Douro.
"É que os animais são, juridicamente, coisas, e só as pessoas podem ser titulares de direitos. Correcto seria colocar a questão na esfera das pessoas, dizendo que estas têm, para além dos seus direitos, a obrigação de não terem comportamentos degradantes ou gratuitamente violentos em relação aos animais."

Brilhante...

Anónimo disse...

Fiolhais, você anda a abusar, mais uma vez os seus argumentos são ridículos.
Já que vossa ex-excelência não posta nada sobre física, aqui vai uma coisa interessante sobre o Freeman Dyson, um físico que não tem um doutoramneto mas que se sabe que é do melhor que há (apanhado no blogue do maradona):

http://www.nytimes.com/2009/03/29/magazine/29Dyson-t.html?pagewanted=8&_r=2&ref=science

Não tenha vergonha de pôr um link, porque quem anda a dar destaque a coisas como o destake, bem podia meter este.
luis

João Silva disse...

Eu percebo que os autores não gostem de responder a certos comentários.
Compreendo que pessoas como o Luís tiram a vontade de responder a comentários.

Mas é necessário um esforço.

Nesta caixa de comentários, fez-se uma crítica pertinente ao raciocínio do Carlos Fiolhais sobre as touradas.
Eu e os meus colegas comentadores podemos ter argumentado mal e falaciosamente.

Mas demandamos explicações!

Estamos correctos ou em que é que errámos? Os comentários servem para fazer o contraditório e não simplesmente para mandar uns bitaites.

Porquê o silêncio? Porque nos ignoram?

Anónimo disse...

Coitadinho do João Pedro, vai ficar para sempre na dúvida se escreveu uma falácia porque o professor não vem aqui argumentar. Se queres que te diga, acho que ele está no seu direito, não é obrigado a nada.
E mais, digo-te mais: eu tenho poderes psicológicos grandes e sei que o Fiolhais acha piada a alguns dos meus comentários e dá-me razão noutros, não tenhas a mínima dúvida. A única pessoa que não me acha piada nenhuma é a Palmira, é demasiado formal para isso.
Eu podia ser um gajo certinho e vir aqui dizer: discordo, blá, blá, blá, muito educadinho, e mandar cumprimentos ou um abraço, para rematar. Mas tens que te lembrar que eu não tenho grande formação, e que por isso estou automaticamente desculpado.
luis

Anónimo disse...

Embora leitor assíduo, tenho por hábito não comentar os artigos. Até porque, em geral, as opiniões expressas vão de encontro àquilo que eu penso.
Hoje, porém, enquanto faço uma pausa dos estudos, sabendo que a minha intervenção neste espaço pouco ou nada servirá para alterar o actual estado das coisas, a minha consciência obriga a que exponha o que penso em relação à festa brava.
Não me considero um aficcionado, mas, alguém que gosta de assistir, quando tal se proporciona, a umas corridas de touros à portuguesa. Não vou insistir em argumentos como a diferença entre esta e a tourada, com ou sem matador, nem na eventual insensibilidade do animal à dor ou outros argumentos que, quem quiser debater esta questão dentro dos limites da honestidade, terá de conhecer, em vez de cair em posições extremas.
Compete-me, apenas, no âmbito de um debate honesto e rigoroso, denunciar um argumento que, diz-nos a lógica mais elementar, tem tanta validade como proibir o trânsito de, por exemplo, motociclos devido à gravidade dos ferimentos resultantes de eventuais acidentes, sem ter em conta a proporção destes em relação à totalidade nem o livre arbítrio dos motociclistas.
Não quero com isto fazer a apologia de uma ou outra posição, mas somente, alertar para os fundamentalismos que podemos assumir quando a nossa posição, que julgamos moralmente superior, não é assente em alicerces sólidos.
Devo, ainda, dizer que estou aberto a qualquer argumento possa alterar a minha opinião em relação à corrida de touros à portuguesa, não podendo ser chamado um fudamentalista conservador. Rejeito, sim, à partida argumentos como o infeliz falecimento de um amante da festa brava constituir pretexto para a proibição arbitrária de uma actividade económica e cultural, algo que não tem o menor cabimento no contexto de um Estado de Direito Democrático.
Deixo ainda a achega aos ambientalistas e eco-fascictas do costume, às pessoas com consciência ambiental e à generalidade dos leitores deste blog que, em vez de lutarem contra as corridas de touros, tentem cortar alguns argumentos dos aficcionados, como eu. Podem começar por lutar, ao invés, por uma (para não pedir várias) reserva ecológica que seja fiel ao habitat original do bovino de raça preta, onde estes animais possam viver no se meio natural se serem seleccionados para o espectáculo tauromáquico. É que esquecem-se que esta raça bovina, autóctone da Península Ibérica e uma das mais próximas do suroque, sobrevive apenas devido aos ganadeiros que, mesmo com prejuízo, mantêm a criação. E já agora, porque não apostar numa repovoação do nosso território com as espécies que as acção antrópica fez desaparecer ou restrigir? Acabar com as inconsequentes manchas de eucalipto e pinheiro bravo, os inúteis e ecológica e economicamente criminosos parques eólicos, Plano Nacional de Barragens, Projectos de Interesse Nacional e outros absurdos e nos dedicássemos à minimização e recuperação do impacto humano sobre a fauna e a flora? Que tal, em vez de ser contra as corridas de touros, lutar democraticamente pela restauraçãoda fauna e flora autóctone: os carvalhos em geral, o urso, o lobo, o lince, o touro, o cavalo, os salmonídeos, o esturjão. Neste contexto, seria um dos primeiros a abdicar de uma boa corrida de touros, em prol da conservação destes e de outros animais e plantas.
Termino, para sintetizar, com este pensamento: proibir é uma atitude típica de regimes autoritários, não tendo eu qualquer objecção a uma atitude concertada que resulte do debate democrático, mesmo que o resultado seja o mesmo.
António Lopes
o_impertinente@otmail.com

Anónimo disse...

Todos os vossos argumentos me parecem extremamente ridículos, mas são opiniões que daqui a uns anos não vão passar de vergonhosas recordações. Contudo, há três argumentos que li e que tenho de salientar:


Meus Amigos,

“Comer carne e ser contra as touradas é incoerente”? Oh meu caro,,, já que não entende, eu explico-lhe, que o que está em causa é o espectáculo, o gozo com a morte do animal, compreende? Talvez não saiba o significado da palavra respeito. RESPEITO pela vida, quer animal, quer humana. Tem fominha? Mate para comer. Sofre de algum problema de afirmação masculina? Então não vá para uma arena espetar “farpinhas”, assuma-se, que esse não é o melhor caminho.

Há outro aspecto a salientar destes argumentos.. e passo a citar “esquecem-se que esta raça bovina, autóctone da Península Ibérica e uma das mais próximas do suroque, sobrevive apenas devido aos ganadeiros que, mesmo com prejuízo, mantêm a criação”. Looooooooooooooooool……sobrevive apenas devido aos ganadeiros?….oh homem vá estudar biologia e compreenda a procriação e extinção de espécies…depois falamos…


Mas este argumento então é a cereja em cima do bolo (podre) “ "É que os animais são, juridicamente, coisas, e só as pessoas podem ser titulares de direitos”….Hummmm se os animais são coisas,,,,tu com esse raciocínio és o quê?


Beijinhos a todos

Anónimo disse...

loooooooooooooooooooooool Esta escumalha vem para aqui dizer que o Prof. Carlos Fiolhais não apresenta argumentos válidos?! Mas quem é que se julgam? Antes de escreverem, pensem; antes de pensarem, pensem mais uma vez. As touradas vão acabar por imposição democrática, ponto final. É assim que vaticino, é assim que vai ser. Se há coisas mais importantes que defender os animais? Sim, há... comer a minha mulher, por exemplo. Mas uma coisa invalida a outra? E enquanto estão com essas questões pseudo-moralizantes, Bruxelas prepara um documento para homogeneização das garantias dos direitos dos animais em todos os estados-membros - leram bem: TODOS! E mais, escusado será dizer que a proibição de touradas está contemplada com TODAS AS LETRAS! Sabiam disto? Vocês tb me parecem ser daqueles que não querem a Constituição Europeia... mas têm consciência que vão engoli-la daqui a uns anitos, certo? Pronto: é precisamente a mesma coisa aqui. Por isso, parem de estrebuchar como touros a serem espetados; parem de espumar como touros a serem espetados; parem de rugir como touros a serem espetados... e sujeitem-se à estocada final! Olé!!!
TOURADAS NUNCA MAIS.

Anónimo disse...

emanuelle nunes
isso não é cultura tourada é tortura

Anónimo disse...

Não vou entrar na discussão sobre a festa de touros,cada um é livre de defender aquilo em que acredita. Venho apenas chamar a atenção para a expressão "comer a minha mulher". Tenho a certeza de que qualquer toureiro fala dos toiros com mais respeito.
Não entendo que alguém que defende tanto os animais fale com tanta grosseria da mulher com quem vive.

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