segunda-feira, 9 de março de 2009
A Greve Académica de 1907 em Coimbra
Artigo recebido do historiador António Mota de Aguiar (na foto o primeiro-ministro João Franco):
O sistema parlamentar rotativo vigente em Portugal em 1851, uma fórmula associada aos ministérios que se sucederam no país, uma vez Regeneradores outra vez Progressistas, aproximava-se do fim, no ano de 1907.
Hoje, ao revermos estes anos, espanta-nos a ambição desmesurada de muitos homens, a sua luta feroz pelo poder, a sua incompetência política, a sua incapacidade de levar o país a bom porto porque incapazes de se entenderem minimamente entre si, incapazes sequer de compreender os seus dramas, numa “época em que largamente se geraram invejas e paixões” [1], mas capazes de lançar calúnias e delações por avidez de poder e de dinheiro. As dramáticas polémicas sobre a administração pública daquela época, como as dos monopólios dos fósforos e dos tabacos, envenenadas de suspeições infamantes, são apenas um exemplo.
No entanto, havia políticos para os quais tudo estava bem. O professor de Coimbra Francisco da Costa Lobo, assistente do Conselheiro José Luciano de Castro, líder nesses anos do Partido Progressista, escreveu mais tarde:
“Os graves problemas do regime e de administração pública que então serviram para agitar a opinião foram a acusação vaga de falta de honestidade, onde ela era irrepreensível…” [2] (…) “O país prospera, a administração pública é zelosa, o respeito pela dignidade humana é completo e, contudo, a efervescência das ambições de alguns homens consegue perturbar a Nação e provocar transformações exóticas…”[3]
No plano externo, nestes últimos anos da Monarquia, Portugal enfrentava a cobiça alemã das colónias e, no plano interno, o pesadelo de uma grave crise financeira com ameaça de bancarrota. Paralelamente a estes acontecimentos, a Monarquia tentava apressadamente levar a cabo reformas legislando em variadíssimas áreas e, por vezes, legislando bem [4], nomeadamente “criando estímulos ao mérito de professores e alunos, a quem se abriam por meio da protecção oficial formas de desenvolvimento científico” [5]. Mas era tarde demais, pouco do legislado chegou a ter consequências, porque o sistema agoniava: caminhava-se não só para a dissolução do sistema rotativo como para o fim da Monarquia.
No princípio de 1906, João Franco chegava ao poder, com a promessa de uma “vida nova”. Mas, pelo contrário, tudo se complicou! 1907 foi um ano conturbado, com tumultos e acusações ao rei por excesso de gastos públicos, historicamente conhecida como a questão dos “adiantamentos”.
No ano de 1907 um episódio académico aparentemente fútil veio precipitar os acontecimentos, ao provocar uma greve na Universidade de Coimbra. “No começo de Março, a Academia de Coimbra fez ruidosas manifestações hostis à Faculdade de Direito, pela reprovação dum candidato ao doutoramento” [6]. O estudante em questão, José Eugénio Ferreira, licenciado em Direito, tinha sido admitido ao acto de “Conclusões Magnas” a 27 e 28 de Fevereiro. Mas o aluno só tinha terminado a licenciatura com 14 valores, o que contrariava a legislação académica em vigor (mínimo de 15 valores). Contudo, os órgãos da Universidade admitiram o aluno às provas.
Dias antes das provas circulavam na cidade boatos de que o aluno ia reprovar. Os ânimos exaltaram-se, começaram as manifestações primeiro a favor do aluno e depois a favor da greve. Nas provas os arguentes interrompiam o aluno constantemente. Em dado momento um dos examinadores terá mesmo dito: “- Cale-se, senhor, cale-se!” [7] De facto, o aluno foi reprovado. E a agitação académica atingiu o rubro. Em consequência dessa agitação a Universidade foi encerrada.
Na tentativa de resolver os graves problemas que o país atravessava e fazer face à greve, João Franco iniciou então uma ditadura [8]: o governo tentou restabelecer a ordem pública, reprimindo, suspendendo jornais e desarmando guarnições militares. Júlio de Vilhena, chefe dos Regeneradores, escreveu: “Isto que estamos presenciando é que não pode continuar. Isto termina fatalmente por um crime ou por uma revolução” [9].
Mas terão sido os acontecimentos de Coimbra que despoletaram a violência franquista? Ou terá antes sido o momento crítico que se vivia em Portugal que despoletou os acontecimentos académicos? Pensamos que os dois acontecimentos estão interligados. Nos primeiros meses desse ano, havia manifestações na Universidade de Coimbra, tumultos em Lisboa e noutras cidades portugueses, e sessões desabridas no Parlamento. O conflito reflectia o estado caótico da Nação e a incompetência da administração. O incidente com o aluno não foi mais que o deitar um acho de lenha para uma fogueira cujas chamas já ameaçavam o edifício monárquico. Os partidos - institucionalistas, constitucionalistas, integralistas, republicanos, socialistas e outros - já se digladiavam em lutas ferozes.
Na sequência dos acontecimentos académicos o Conselho de Decanos da Universidade de Coimbra reuniu-se a 1 de Abril de 1907 para deliberar. O resultado foi o envio a “17 alunos dos respectivos libelos acusatórios, havidos como principais autores dos actos de insubordinação, injúrias e faltas de respeito e violências praticadas contra os professores de Direito” [10]. Na consequência deste acórdão três alunos foram expulsos por dois anos lectivos: João Evangelista Campos Lima, Amílcar da Silva Ramada Curto e Carlos Olavo Correia de Azevedo júnior. Com um ano de expulsão do ano lectivo, saíram os alunos: António Pinto Quartim, Francisco Mendes Gonçalves de Freitas, José Rebelo de Pinho Ferreira Júnior e Alberto Xavier.
Estas condenações levantaram um protesto mais vasto nos estudantes de todo o país. Um grupo de 160 alunos da Universidade de Coimbra, conhecidos como “Os Intransigentes”, recusaram-se até a requerer a matrícula a exames. Por fim, os sete alunos expulsos apelaram “à generosidade do rei” e este perdoou-os, ficando eles apenas com “repreensões”. Alberto Xavier, um dos sete expulsos, afirmou:
“O resultado de tudo isso foi que aumentou o número de estudantes que perfilharam o ideal republicano, seja entre os da Universidade de Coimbra, seja os das escolas superiores de Lisboa e Porto, por virtude do desgosto que lhes causaram aquelas soluções e toda a conduta do Governo” [11].
Estava-se a poucos meses do assassinato do rei D. Carlos e do seu filho Luís Filipe e a dois anos da queda da Monarquia. O começo da República estava para breve e muitos dos homens que tão mal geriram o penoso e trágico período do fim da Monarquia, iriam agora integrar-se na República, uns, nos partidos monárquicos, adversários da República, outros, nos partidos republicanos. Não admira que a República não tenha encontrado a estabilidade social e o progresso económico desejados...
NOTAS
[1] Costa Lobo, “O Conselheiro José Luciano de Castro e o Segundo Período Contitucional Monárquico”, O Instituto, vol. 99, 1940, p. 232
[2] Idem, p.203
[3] Idem, p. 201
[4] Diário do Governo de 31 de Maio, e nº 179 de 13 de Agosto de 1907.
[5] Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Ed. Verbo, p. 457.
[6] Marques Guedes, História de Portugal dirigida por Damião Peres, vol. VII, Barcelos, Portucalense,1935, p. 441.
[7] Ver Alberto Xavier, História da Greve Académica de 1907, Coimbra Editora, 1962
[8] Joaquim Veríssimo Leitão, História de Portugal, Ed. Verbo, vol. X, pp. 122 e seguintes.
[9] Idem, p. 126
[10] Alberto Xavier, História da Greve Académica de 1907, Coimbra Editora, 1962, p. 161
[11] Idem, p. 315
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1 comentário:
REALMENTE NÃO HÁ COMO A HISTÓRIA PARA NOS LEMBRAR QUEM SOMOS.
PEDRO
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