sexta-feira, 13 de março de 2009

OS OBSERVATÓRIOS ASTRONÓMICOS DE LISBOA E DE COIMBRA DE 1850 A 1950


Post convidado do historiador António Mota de Aguiar (na foto, o Observatório Astronómico de Lisboa):

No Portugal do século XIX não houve grandes avanços na Astronomia. Não tínhamos escolas capazes de estar a par dos avanços científicos realizados lá fora, sobretudo tendo em conta que a astronomia exige muitos conhecimentos noutras ciências, como a Matemática, Física, Química, etc. Sempre foi assim no passado mas, a partir do final do século XIX e início do século XX, a exigência destas matérias tornou-se maior. Na primeira metade do século XIX a principal escola na área era a Escola Polythecnica de Lisboa, criada em 1837, onde Filipe Folque leccionou uma cadeira de Astronomia. Esta escola, apesar de ter tido alguns bons professores, estava aquém do ensino que se fazia além-fronteiras na época. Ainda por cima o edifício ardera em 1843.

O Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), criado em 1867, apesar de vocacionado, no início, para o estudo em geral do espaço sideral, como o quisera Frederico Augusto Oom (1830-1890), o seu primeiro director [1], dedicou-se apenas à Astronomia de posição. A sua criação ficou muito a dever-se a Filipe Folque (1800-1874), defensor persistente do ensino da Astronomia. Foi ele o principal impulsionador da construção do Observatório da Ajuda – OAL , pois foi graças à sua influência junto do rei D. Pedro V que este concedeu um importante donativo. O OAL teve, no final do século XIX, um outro dedicado director, Campos Rodrigues (1836-1919), que, pelos seus trabalhos na medição de paralaxes estelares, conseguiu, em 1905, um prestigiante prémio da Academia das Ciências de Paris, o Prémio Valz.

Em 1919, quando Campos Rodrigues morreu, foi nomeado director do OAL Frederico Oom, filho do primeiro director, que prestigiou a astronomia nacional pelos artigos que escreveu em The Observatory e nas Astronomischen Nachrichten, além de assinar uma crónica semanal de Astronomia no Diário de Notícias e de ter escrito vários artigos em revistas nacionais, sobretudo n' O Instituto de Coimbra. Deixou muitos escritos sobre uma grande variedade de temas astronómicos.

Graças aos progressos feitos em fotografia pelos astrónomos franceses irmãos Paul Henry, do Observatório Astronómico de Paris, realizou-se nesta cidade, em 1878, uma conferência internacional com o fim de introduzir a chapa fotográfica de vastas zonas do céu, tecnologia que veio relançar a Astronomia, pois, em vez de se fotografar uma ou algumas estrelas, passou-se a fotografar, numa só chapa, milhares ou milhões delas. Por razões financeiras Portugal não aderiu a esse projecto, que teria permitido dar um salto qualitativo importante.

Nas primeiras décadas do século XX trabalhou no OAL Melo e Simas (1870-1934), astrónomo divulgador da teoria da relatividade e árduo investigador no OAL. De resto, a maior parte do trabalho feito no OAL dizia respeito à determinação e conservação da hora, um problema crucial da sociedade deste tempo: falhando o conhecimento da hora exacta, os fenómenos físicos deixariam de estar encadeados, sendo por isso impossível descobrir ou verificar as as leis astronómicas. O astrónomo José António Madeira (1896-1976), que antes trabalhara em Coimbra, foi no OAL incumbido desta tarefa, tendo deixado alguns trabalhos nessa matéria. O serviço da hora era naquele tempo tão importante que se construíram observatórios astronómicos nas colónias africanas, como os de Lourenço Marques e de Luanda, com esse fim.

Quanto ao Observatório Astronómico de Coimbra (OAC), criado pelo Marquês de Pombal, conheceu algum declínio em finais do século XIX e durante alguns anos do século XX, por falta de instrumentos e pessoal qualificado. Em 1925, Francisco Miranda de Costa Lobo (1864-1945), director do OAC a partir de 1913, conseguiu fundos para adquirir um espectroheliógrafo e um espectrógrafo. O primeiro serviu para o estudo da física solar, o segundo serviria para o estudo de outros astros, se tivesse entrado em funcionamento. Acerca deste instrumento, diz-nos Costa Lobo: “O aparelho foi estudado por mim e a sua construção combinada, em sucessivas viagens que fiz a Inglaterra…”´[2], onde foi tratar com a firma Grubb, sua construtora. Em 1932 é o próprio que adianta que o espectrógrafo “se encontra em condições de poder prestar importantes serviços, que até agora tem sido impossível de realizar por falta de pessoal” [3]. De qualquer modo, foi graças ao espectroheliógrafo que se iniciaram em Portugal estudos em física solar.

O OAC publicou, a partir de 1925, e durante bastantes anos, as Efemérides, para o estudo da posição dos astros. Contudo, o OAC não foi muito mais longe do que isso e é pena que não tenha sido criada em Coimbra uma escola de Astronomia. Costa Lobo efectuou ao longo da sua vida um número tão grande de viagens que foi impossível dedicar-se a fundo à criação de um observatório com futuro. Além disso, exerceu ao longo da sua vida, como monárquico, uma actividade política tendo, a partir de 1933, norteado a sua acção em favor do Estado Novo. Não lhe sobrou tempo para criar as bases de uma investigação mais elaborada do que a que fez de física solar.

Costa Lobo foi um anti-relativista empedernido e, pelos cargos que ocupou – professor e director da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, director do Instituto de Coimbra (a associação dos lentes da Universidade de Coimbra) e director da revista “O Instituto”, além de pessoa da confiança do Estado Novo, monopolizou a área da astronomia em Portugal em proveito próprio e do governo de então, travando o desenvolvimento da física moderna, ciência base para o desenvolvimento da Astronomia. O seu filho, Gurmesindo Sarmento da Costa Lobo (1896-1952), publicou, a partir de 1930, alguns artigos científicos, especialmente de física solar, tentando seguir nas pegadas do pai.

Falta dizer que, nas décadas de 30 e 40, foram afastados das universidades portuguesas dezenas de professores de elevada craveira científica, em áreas tão importantes como a Física, Matemática, Química e outras, que teriam certamente concorrido para o renascer da ciência em Portugal se a sua sorte tivesse sido outra.

Portugal teve, portanto, alguns astrónomos de valor, os quais, pelo seu mérito individual, conseguiram nalguns casos reconhecimento internacional. Porém, a falta de estruturas mínimas não permitiu, em geral, avanços significativos. Requerendo a astronomia instrumentos dispendiosos, notaram-se mais estas carências neste campo científico do que noutros. Ciências como a Matemática, a Química, a Geologia, a Zoologia, a Botânica e a Medicina tiveram mais sorte. A razão do maior desenvolvimento científico destas ciências residiu também na existência das colónias africanas que, devido à riqueza dos seus solos, assim como da fauna e da flora, constituíram um campo privilegiado para a investigação.

Notas:

[1] Frederico Augusto Oom, “Considerações Ácerca da Organisação do Real Observatório Astronómico de Lisboa”, Imprensa Nacional, Lisboa, 1875
[2] Francisco da Costa Lobo, “Discurso inaugural do Congresso de Coimbra”, Asociación Española para el Progreso de las Ciências, 1925, p. 37
[3] Francisco da Costa Lobo, “A astronomia da actualidade e a Assembleia Geral da União Internacional Astronómica”, Separata da Rev. Fac. Ciências da Univ. Coimbra, 1933, vol. III, nº 2, p. 40.

António Mota de Aguiar

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