sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Erotismo

Já tinha sido afixada aqui esta crónica do psiquiatra José Pio de Abreu (autor de "Quem nos Faz como Somos"), mas foi retirada uma vez que ainda não tinha saído no jornal "Destak". Saiu hoje e damos-lhe maior destaque publicando-a também aqui:

Segundo vários especialistas, o que faz o erotismo é a transgressão. O segredo erótico da moda feminina é ocultar e simultaneamente sugerir o que é proibido. Fruto proibido é o mais desejado.

Se a teoria estiver certa, Portugal é o país mais erótico do mundo. Há leis e proibições para todos os gostos, que toda a gente se entretém a transgredir com gozo e alarde. O fenómeno generalizou-se tanto que ficou sem graça: todos se orgulhavam de fugir aos impostos, de não pagar aos credores, de faltar ao trabalho, de chegar com atraso. Era preciso acabar com isto.

À falta de melhor, o último reduto do erotismo é a estrada. Sabe-se que as grandes velocidades são tão orgásticas quanto perigosas, mas o erotismo inofensivo pode-se cultivar a velocidades menores. Quem é que dispensa o pequeno prazer de andar a 70 à hora quando o limite é 60? Ainda por cima é inofensivo.

Claro que as autoridades já toparam o esquema. Aliás, elas também têm direito ao seu pequeno gozo erótico, em geral mais virado para a variante sádica. Assim, quando devem colocar o limite de 60, elas põem uma placa de 50. E, já se sabe, os automobilistas, que também topam as autoridades, transgridem, mas não andam a mais de 60 quilómetros. De um lado e doutro, todos ficam felizes com a sua pequena dose de perversão. O pior é para aqueles para quem a rodovia não tem nada a ver com a sexualidade.

J.L. Pio Abreu

3 comentários:

Anónimo disse...

Só quero transcrever um trecho notável do Prof. Óscar Lopes, a propósito do erotismo: “Pode, é certo, objectar-se que Eros [que o erotismo] não tem fixação definitiva, que é sempre descobrimento, revelação, ou, colhendo estas palavras à letra, é um levantar dos sete véus do pudor, é um desnudamento, quer assuma a forma de um jogo de situações afectivas e sociais entre homem e mulher, quer seja um jogo de corpos nus, porque, precisa e necessariamente, algo se esconde sempre de muito mais importante quando se pretende ter chegado ao descobrir do último véu, do último pudor, do segredo aparentemente último e, enfim, desnudado [do último segredo finalmente desnudado]” (Óscar Lopes, Um lugar de nome Aquilino, in Uma arte de música e outros ensaios, 1986, p. 60); [Um lugar de nome “Aquilino”, in Cifras do Tempo, 1990, p. 175]; Um lugar de nome Aquilino, in Colóquio, Letras, nº 85, Maio de 1985, p. 12.

Anónimo disse...

Fantásticas analogias!

Amaliasousa disse...

O engraçado, é que só se anda a 50 quando se está precisamente em frente do leitor de velocidade.
Logo a seguir, é vê-los acelerar...
Na minha opinião, ou se aumenta o limite, ou se colocam identificadores de 10 em 10m.
Assim acabava-se com o prazer sublime de transgredir.

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