quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

ESTÁ À VISTA O FIM DA FÍSICA?


No jornal "Público" de domingo passado o filósofo Fernando Belo perguntou-me:
"Uma tribo de milhares de físicos, suspensa dum acontecimento anunciado numa máquina de 27 km de percurso. Se se provar que o famoso bosão de Higgs existe (embora sem 'aparecer'), a pergunta ingénua que faz o leigo é: e depois, a Física fica completa, acaba?"
Respondo neste espaço. Não, não está de maneira nenhuma à vista o fim da Física, quer apareça, quer não apareça a partícula de Higgs. Não sendo especialista na área, tenho defendido o fantástico empreendimento que a numerosa "tribo" de físicos tem realizado no CERN, entre a Suíça e a França. Trata-se de um exercício colectivo de física fundamental, da união internacional de esforços para verificar se uma dada peça prevista pelos físicos teóricos para compreender a existência de massa de partículas existe ou não no nosso Universo. Ninguém melhor que o Nobel da Física Steven Weinberg afirmou a propósito da nossa necessidade da Física fundamental: "O esforço para compreender o Universo é uma das poucas coisas que eleva a vida humana acima da comédia e lhe confere um pouco da dignidade da tragédia.” Não penso que tenha sido bom para a ciência a não-notícia que foi, há dias, o anúncio em Genebra da não-descoberta (até agora) do Higgs. Esta partícula só merecerá uma conferência de imprensa quando, de facto, for notícia. Pode ser que o venha a ser. Ou pode ser - surpresa, surpresa! - que não. A Física avançará tanto num caso como noutro. No primeiro caso, por se assistir mais uma vez a uma confirmação de um modelo da Física teórica, baseado na matemática (e, mais atrás, em conceitos de simetria) e que explica um grande número de dados experimentais. No segundo caso, por ser necessária uma alternativa a esse modelo, havendo já candidatos ao lugar.

Será que está à vista o fim da Física de partículas? Stephen Hawking pensou isso no final do século passado, mas esse foi um daqueles pensamentos de fim de século que a posteridade não terá dificuldade em desmentir. Não está à vista se existir o Higgs, pois a sua não descoberta até agora está longe de ser o único problema do modelo-padrão de que hoje dispomos para descrever partículas e interacções a um nível fundamental. E também não está, por maioria de razão, se não existir o Higgs. O mecanismo para providenciar a massa poderá ser outro, abrindo novas possibilidades à Física de partículas. E é possível, mesmo provável, que a nova máquina nos dê nova física: por exemplo, nos dê esclarecimentos sobre a energia escura do Universo, um dos maiores mistérios da astrofísica. De qualquer modo, a física é muito maior do que o capítulo dela que descreve as partículas e suas interacções. Mesmo havendo uma "teoria de tudo" não se poderá com ela descrever tudo. A "teoria de tudo" coroa uma perspectiva reducionista que, nas últimas décadas, tem vindo a ser ultrapassada com avanços notáveis no estudo de fenómenos emergentes da matéria, isto é, de propriedades que se manifestam na colectividade e não no indivíduo.

Pode-se fazer a pergunta a um nível mais geral: Estará à vista o fim da Física? Na minha opinião e na da grande maioria dos físicos não de maneira nenhuma. A história da ciência mostra que, quando se resolve um problema científico, logo surgem vários outros para desafiar a imaginação dos cientistas. A vida humana vai continuar a ter, como disse Weinberg, a dignidade da tragédia. Esta não é, claro, uma afirmação científica mas sim uma opinião filosófica. E aqui está um dos muitos aspectos em que a física toca a filosofia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Penso sim que a Física, no que diz respeito a descobertas realmente fundamentais e revolucionárias... já chegou ao Fim. E digo isso com tristeza...

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